Usucapião: ação de adjudicação compulsória. Com efeito, em observância ao princípio da continuidade registral tem-se como requisito da adjudicação compulsória a prévia individualização do bem com a respectiva matrícula imobiliária…
+ Usucapião ou adjudicação compulsória?
Processo: 0301900-37.2017.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Maria do Rocio Luz Santa Ritta
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil
Julgado em: 28/11/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:239
Apelação Nº 0301900-37.2017.8.24.0023/SC
RELATORA: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
APELANTE: A. ANGELONI & CIA. LTDA (AUTOR) ADVOGADO(A): ALEXANDRA PAGLIA (OAB SC033096) APELANTE: MARLI MEDEIROS FOGAÇA (RÉU) ADVOGADO(A): GUILHERME RODRIGUES DE LISBOA (OAB SC018922) ADVOGADO(A): JORGE RICARDO SILVA (OAB SC005464) APELANTE: ANTONIO BENCZ (RÉU) ADVOGADO(A): GUILHERME RODRIGUES DE LISBOA (OAB SC018922) ADVOGADO(A): JORGE RICARDO SILVA (OAB SC005464) APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de adjudicação compulsória c/c consignação em pagamento ajuizada por A. Angeloni & Cia Ltda. em face de Antonio Bencz e Marli Medeiros Fogaça.
O autor relata que as partes, em 1º de julho de 2013, firmaram um contrato de compromisso de compra e venda de três terrenos no valor total de R$ 6.500.000,00 (seis milhões e quinhentos mil reais). Aponta que todos os pagamentos foram feitos, à exceção de um pequeno valor, em razão de uma resistência injustificada dos credores ao respectivo recebimento. Pugna, assim, pela conclusão do negócio, com a consignação em juízo do saldo devedor, para que os imóveis sejam transferidos para sua propriedade.
+ É possível usucapião de automóvel ou de outro bem móvel?
Processado o feito, sobreveio sentença de parcial procedência, nos termos do seguinte dispositivo:
Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por A. ANGELONI & CIA LTDA. contra ANTONIO BENCS e MARLI MEDEIROS FOGAÇA, a fim de suprir a manifestação de vontade dos réus e autorizar que a autora proceda a transferência do imóvel sob a matrícula n. 35.674 do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Florianópolis/SC, para o seu nome, conforme autoriza o art. 501, do CPC.
Diante da sucumbência recíproca, arcarão os litigantes com o pagamento das despesas processuais na proporção de 60% ao encargo da autora e 40% ao encargo dos réus, bem como com o pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, os quais fixo em 10% sobre o proveito econômico obtido por cada parte (autora: valor do terreno adjudicado – R$ 2.782.000,00; e réu: valor dos terrenos não adjudicados – R$ 3.718.000,00), nos moldes do art. 85, § 2º do CPC.
Remeta-se o valor consignado nos autos para o juízo que tramita a falência da empresa Supermercado Emília Ltda ME, ação n. 0030625-37.2002.8.24.0023.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Certificado o trânsito em julgado, observadas as demais formalidades legais e não havendo pendências, arquivem-se (Evento 44 – AO).
A irresignação recursal do autor consiste na alegação de que o terreno de posse, de 300m², não estava incluído no pedido de adjudicação, equivocando-se a sentença quando julgou pela improcedência neste ponto. Destaca que o intuito, na verdade, é o reconhecimento da quitação para constituir justo título que instruirá futura ação de usucapião. Em relação ao terreno com área de 3.582,09m², sustenta que houve sentença com trânsito em julgado na ação de usucapião n. 023.06.015380-9, em parte dele, equivalente a 3.267,79m², pendente de inscrição no competente Ofício de Registro Imobiliário, declarando a propriedade dos requeridos e, portanto, não se trata de mera posse, mesmo que ainda não tenha sido feito o registro e aberta a respectiva matrícula do bem por puro descaso dos demandados, razão pela qual requer a sua adjudicação. Por fim, postula a reforma da distribuição dos ônus sucumbenciais, para que recaiam, exclusivamente, sobre os demandados (Evento 69 – AO).
+ Usucapião: requisitos e documentos necessários
Os requeridos, de outro lado, interpuseram apelo adesivo. Sustentam existir conexão com a ação de revisão de negócio jurídico n. 0300609-02.2017.8.24.0023, o que geraria a extinção do presente feito. Aduzem a inépcia “porque houve vício de vontade dos promitentes vendedores, não há provas de que o compromisso de promessa de compra e venda tenha sido levado a registro, não há provas de que as normas da Corregedoria Geral de Justiça do TJSC tenham sido cumpridas e falta pagamento do preço”. Justificam que o negócio jurídico está eivado de lesão, uma vez que o valor da venda do bem foi muito aquém do que realmente vale, sendo este o objeto da mencionada revisional. Argumentam que a ação de adjudicação compulsória não é via adequada para requerer a matrícula de imóvel não registrado em cartório e que o contrato trazido nos autos não se insere na categoria de direito real. Dizem que o requerente não pagou corretamente o preço ajustado, pois o contrato ficou atrelado à quitação dos débitos falimentares da empresa Supermercado Emília Ltda. ME e, por isso, deveria a recorrida aguardar as habilitações de crédito, na forma da Lei de Falências, para, então, efetuar o devido pagamento, razões pelas quais não cabe o pedido de adjudicação (Evento 77 – AO).
Com as contrarrazões de ambas as partes (Eventos 76 e 84 – AO), ascenderam os autos a este Tribunal.
No petitório do Evento 20, o autor informou que houve a abertura da matrícula do terreno descrito no item ‘B’ do Quadro III do contrato de promessa de compra e venda – até então de posse -, no registro de imóveis, sob o n. 182.899. Com isso, postulou, preventivamente, a averbação da existência da presente demanda. O pedido foi deferido no Evento 21.
Diante do fato novo acima relatado, superveniente à sentença, as partes foram intimadas para dele se manifestarem, o que fizeram nos Eventos 46 e 47.
Vieram os autos conclusos.
VOTO
Os apelos (principal e adesivo) serão analisados conjuntamente.
Ab initio, descabe falar em extinção da presente ação em razão da não distribuição desta ação por conexão com os autos n. 0300609-02.2017.8.24.0023.
Inclusive, nem mesmo subsiste o interesse recursal dos requeridos no ponto.
Os recorrentes adesivos aduzem que, apesar de arguido em sua contestação, o togado singular ficou silente quanto ao aventado.
Entretanto, na decisão interlocutória proferida no Evento 24 (AO), em apreciação à questão levantada pelos requeridos, infere-se que houve a declinação da competência para a 6ª Vara Cível da comarca da Capital:
No caso, há conexão entre a presente demanda e a ação em trâmite perante a 6ª Vara Cível, autos nº 0300609-02.2017.8.24.0023, pois lhes é comum a causa de pedir remota, qual seja, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes.
Ressalto, ainda, que eventual procedência da ação revisional em curso na 6ª Vara Cível afetará o pleito de consignação em pagamento e consequente adjudicação compulsória formulado na presente demanda.
Assim sendo, considerando que o processo nº 0300609-02.2017.8.24.0023 foi distribuído primeiro, tornou-se prevento o Juízo da 6ª Vara Cível, nos termos do art. 59 do CPC.
Em face do que foi dito, declino da competência e determino a remessa dos presentes autos àquele Juízo, com fundamento no art. 58 do CPC, procedidas as anotações e baixas de estilo
Os autos conexos foram, então, devidamente apensados, conforme vê-se dos Eventos 33 e 25 (AO).
Já a preliminar de inépcia suscitada pelos réus é baseada em fundamentos diversos – e, por isso, bastante evasiva. Dentre eles, alguns se confundem com o mérito de sua defesa, como o alegado vício de consentimento do negócio jurídico por lesão e pela falta de pagamento, o que será analisado adiante.
+ Qual a diferença entre posse e detenção?
Mas, especificamente sobre a alegação de que o compromisso de promessa de compra e venda não está inserto na categoria de direito real, porquanto não há prova de que tenha sido levado ao Registro de Imóveis, descumprindo, por conseguinte, o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do TJSC, basta salientar que a vasta jurisprudência acerca do tema, inclusive sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, em seu Enunciado n. 239, é uníssona ao dispor que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
Dessa feita, a ausência do registro do contrato de promessa de compra e venda no Registro de Imóveis não inviabiliza a ação de adjudicação compulsória.
Adentrando no mérito da actio, mister algumas considerações gerais a respeito do instituto.
Destaca-se, inicialmente, que a ação de adjudicação compulsória está prevista no Código Civil, em seu art. 1.418. Essa ação é cabível quando o indivíduo cumpre com todos os seus deveres em relação à aquisição de um imóvel e o promitente vendedor se recusa a transferir a respectiva propriedade para o promitente comprador.
A doutrina majoritária apregoa que as sentenças, neste tipo de ação, são de natureza constitutiva – criam, modificam ou extinguem certa relação jurídica (ex vi STJ, REsp n. 1.216.568/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão). Ou seja, proferida sentença de procedência, nenhum ato subsequente é necessário. Portanto, nada há para executar ulteriormente – o demandante se satisfaz plenamente com o pronunciamento do juiz.
+ O que é posse direta e posse indireta?
A adjudicação compulsória visa, portanto, resolver o problema da possibilidade de se obter o registro de um imóvel para o qual se tem somente um contrato particular ou, no caso, uma promessa de compra e venda. Utilizando-se dessa ação, o promitente comprador pode obter a chamada carta de adjudicação, por meio da qual o Poder Judiciário determina que se proceda ao registro de propriedade em seu nome junto ao Ofício de Registro de Imóveis.
Já acerca das condições da ação de adjudicação compulsória, deve haver o preenchimento dos seguintes requisitos: I) a individualização do imóvel; II) a validade do instrumento de compromisso de compra e venda; III) a quitação do preço acordado; e IV) a negativa sem justo motivo de outorgar-se a escritura definitiva do bem.
Dentro do primeiro requisito, Arnaldo Marmitt menciona a “registrabilidade do título”:
A possibilidade de converter a promessa de compra e venda em título definitivo sugere algumas reflexões, principalmente quanto à registrabilidade do título. Quem efetua a compra de um imóvel obviamente quer que esta aquisição seja escorreita, tranquila e apta a transferir o domínio, inclusive de conformidade com a Lei de Registros Públicos. O art. 639 do Código de Processo Civil [posterior art. 466-B do CPC/1973] fala expressamente em ‘sendo isso possível’. Não haverá esta possibilidade, por exemplo, se o compromisso desatender os requisitos de forma, objeto, capacidade ou legitimação. Diante dessas deficiências, impossível será a sentença com a mesma eficácia do contrato definitivo. São condições de validade da promessa de compra e venda de propriedade imobiliária a outorga uxória, o registro do art. 23 do Decreto-lei 58/37, a individuação e caracterização do bem, a transcrição precedente no álbum de imóveis etc. Sem tais elementos, sobretudo o último, que condiz com o princípio da continuidade registral, inexiste documento hábil à adjudicação compulsória.
+ Quem mora de favor pode pedir usucapião?
Faltando o registro anterior, ou a matrícula do imóvel objeto da adjudicação compulsória, a sentença não poderá substituí-lo. Também não poderá o cartório imobiliário convalidar o título aquisitivo inábil para ingresso no arquivo imobiliário, nem para constituir direito real, nem para transmitir o domínio do imóvel. Aliás, muitas vezes é lavrado por equívoco ou contra legem referido registro, o que evidentemente não terá condições de subsistir. O registrador não tem poder de admitir na matrícula de determinado imóvel qualquer registro, sem menção expressa do número da transcrição aquisitiva da propriedade. Trata-se de requisito imprescindível para a realização do registro, indispensável para o efeito da continuidade ou corrente filiatória de domínio, prevista no art. 237 da Lei dos Registros Públicos.
A registrabilidade do documento embasador da ação de adjudicação compulsória erige-se em conditio sine qua non, sem a qual o direito do promitente comprador não estará plenamente assegurado. A propriedade plena que busca somente se implementará com a registrabilidade do título perante o arquivo imobiliário, e esta estará inviabilizada se inexistente a transcrição aquisitiva do imóvel.
Assim, “exigido ou não o registro de compromisso de compra e venda de imóvel não loteado, sem cláusula de arrependimento, indispensável, todavia, a registrabilidade do título perante o Registro Imobiliário, a qualquer tempo, para fins de socorrer-se o compromissário comprador da proteção jurisdicional, visando a obter uma providência que realize a declaração de vontade omitida pelo promitente vendedor” (Jurisprudência Catarinense – 68/246).
[…]
Em outras situações a propriedade compromissada advém de loteamento irregular, sem condições de ser legalizado. A falta de registro do loteamento é insuperável, porque sem ele não há como cumprir a individualização do lote, com a necessária continuidade do registro (in Adjudicação compulsória. Rio de Janeiro: Aide, 1995, pp. 60-2) – destacado.
+ Usucapião: alteração do caráter originário da posse
Com efeito, em observância ao princípio da continuidade registral tem-se como requisito da adjudicação compulsória a prévia individualização do bem com a respectiva matrícula imobiliária, sendo que a sentença adjudicatória não é meio hábil a suprir tal defeito, uma vez que apenas substitui a declaração de vontade do promitente vendedor nos mesmos moldes que a escritura definitiva o faria. Sob outra ótica, a ação de adjudicação compulsória não é via adequada para proceder-se à regularização de terreno irregular, de mera posse, que não foi levado a registro.
Daí porque, de fato, a pretensão de expedição de carta de adjudicação em relação a terrenos de posse não comporta acolhimento.
Estabelecidas essas premissas, não obstante as alegações recursais da autora no sentido de que “o imóvel de posse [de 300m²] não constou na relação e no pedido de adjudicação, porquanto evidente que se tratando de imóvel de posse, não poderia haver sua inscrição” e que “a verdadeira pretensão da Apelante em relação à área de posse de 300,00m², comprovar, mediante decisão judicial, a quitação integral das obrigações contratuais”, conclui-se que a sentença de improcedência, neste particular, deve ser mantida.
Ora, não só expressamente, mas também em análise lógico-sistemática da peça inaugural, é possível perceber que a intenção primordial da requerente foi sim a de incluir todos os imóveis do contrato no pedido de adjudicação e que, somente em sede recursal, esses pedidos foram alterados.
A saber, extraem-se os seguintes trechos, destacados, de sua petição inicial, constante do Evento 1:
Em razão do exposto, pleiteia-se a consignação em pagamento com posterior remessa dos valores ao processo da falência, nº 0030625- 37.2002.8.24.0023, para que, assim, o contrato seja fielmente cumprido e a Requerente possa adjudicar os imóveis, transferindo-os para sua propriedade (fl. 4).
+ Usucapião: qual documento é considerado “justo título”
E mais adiante, dispõe expressamente:
Vale ressalvar que a adjudicação comporta três áreas, sendo a primeira com 2.907,91m² inscrita na matrícula 35.674 do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Florianópolis/SC, a segunda com área de 3.582,09m² conforme sentença de usucapião, autos nº 023.06.015380-9 (não levada a registro) e a terceira de posse, com área de 300,00m².
Nesse ponto, a Carta de Adjudicação deverá autorizar além da inscrição na matrícula 35.674, a promoção do registro na matrícula a ser aberta para área de 3.582,09m² (com a inscrição da usucapião anterior, por força do princípio da continuidade dos atos registrais).
Diante de todo o exposto, a Requerente espera por meio da presente ação, a transferência definitiva dos imóveis para sua propriedade, eis que medida de imperativa justiça (fl. 6).
E, finalmente, em seus pedidos:
a) Seja julgada procedente a consignação em pagamento com a consequente adjudicação compulsória dos imóveis em favor da Requerente (fl. 7).
Diante disso tudo, por óbvio que o pedido inaugural relativamente ao terreno de posse de 300m², descrito no item ‘C’ do Quadro III do contrato em voga (fls. 2/3, Inf. 7, Evento 1 – AO), não poderia mesmo prosperar, não sendo viável aos autores, ora apelantes, valerem-se de novas alegações nesta sede recursal.
Também não há como considerar a tese posteriormente formulada, quando da manifestação à contestação, para que, mediante a sua procedência, pudesse a autora promover a “competente ação de usucapião para área de 300,00m², valendo o contrato e a sentença como justo título” (fl. 15 do Evento 22 – AO), justamente porque a ação adjudicatória não se presta a esse intuito, como visto alhures.
+ Quando ocorre a perda da posse?
Na espécie, como muito bem salientou o D. Magistrado, em razão da falta de regularização da área, com o seu registro no cartório imobiliário e a individualização de matrícula, não há que se falar em suprimento da vontade a ensejar a transferência de domínio e, portanto, o pedido adjudicatório não tem como subsistir.
À propósito, colhe-se da jurisprudência desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL – ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE TERRENO – LOTEAMENTO NÃO LEVADO A REGISTRO – IRREGULARIDADE – LOTE NÃO INDIVIDUALIZADO COM A RESPECTIVA MATRÍCULA IMOBILIÁRIA – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR CARÊNCIA DE AÇÃO EM 1º GRAU – INCONFORMISMO – PAGAMENTO INTEGRAL DO PREÇO E PACTO SEM CLÁUSULA DE ARREPENDIMENTO – IRRELEVÂNCIA – AUSÊNCIA DE PRÉVIA INDIVIDUALIZAÇÃO DO LOTE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL – CONDIÇÃO ESPECÍFICA DA AÇÃO ADJUDICATÓRIA – CARÊNCIA DE AÇÃO CONFIGURADA – SENTENÇA TERMINATIVA MANTIDA – APELO IMPROVIDO.
Ausente a individualização do lote com a respectiva matrícula imobiliária, em observância ao princípio da continuidade registral extingue-se a ação de adjudicação compulsória por falta de condição específica para a propositura da demanda (AC n. 2011.038135-1, Rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 31-10-2013).
Mantém-se, pois, a improcedência do pedido nesse ponto.
Passando, agora, ao imóvel cuja área de 3.582,09m² – descrito no item ‘B’ do Quadro III do contrato (fl. 2, Inf. 7, Evento 1 – AO) -, dentro da qual o terreno de 3.267,79m² foi objeto da ação de usucapião n. 023.06.015380-9, julgada procedente, mas que estava pendente de inscrição no competente Ofício de Registro Imobiliário.
O raciocínio do julgador seguiu a mesma linha acima descrita em relação ao terreno de posse de 300m², para julgar improcedente o pleito, o que foi plenamente escorreito à época da prolação da sentença – em agosto de 2020 -, já que inexistia a matrícula individualizada do imóvel e, portanto, não havia como falar em suprimento da vontade a ensejar a transferência de domínio.
Destaca-se que “a usucapião é o exemplo clássico de aquisição originária da propriedade, que pressupõe a inexistência de uma transação ou alienação da coisa por um antigo proprietário, e também apaga os ônus que acompanham a coisa” (AC n. 0008000-23.2013.8.24.0023, Des. Marcus Tulio Sartorato), enquanto que a ação de adjudicação compulsória “é o meio pelo qual o promitente comprador de bem imóvel, diante da recusa injustificada do promitente vendedor, requer lhe seja concedida a escritura pública definitiva de transferência do domínio” (AC n. 0019023-70.2008.8.24.0045, Des. Sebastião César Evangelista).
Assim, repisa-se, na adjudicação compulsória, diferentemente da usucapião, a pretensão do requerente além de demonstrar o preenchimento dos requisitos legais (contrato preliminar sem cláusula de arrependimento; pagamento integral do preço e recusa injustificada da lavratura da definitiva), deverá estar embasada em imóvel que possua origem registral, uma vez que a aquisição é derivada e por certo será obstaculizado o registro diante de eventual inexistência do imóvel no acervo cartorário – imóvel este que inclusive deve guardar identidade com o originalmente prometido.
+ Qual a relação entre posse de boa-fé e usucapião?
Ocorre que, conforme noticiado no Evento 16, já nesta Segunda Instância, no dia 3 de março de 2023, a área de 3.267,79m² – que integra o terreno de 3.582,09m² descrito no item ‘B’ do contrato -, foi finalmente registrado no 2º Ofício do Registro de Imóveis de Florianópolis, sob o n. 182.899, em nome dos requeridos.
Trata-se, pois, de fato superveniente à decisão recorrida e que deve ser considerado no julgamento dos presentes recursos, a teor dos arts. 493 c/c 933 do CPC.
Sobrevindo, pois, a matrícula, os requisitos para o manejo da presente ação, relativamente à parte maior do referido bem, foram preenchidos, devendo, neste ponto, a sentença ser reformada para julgar procedente o pedido adjudicatório também em relação ao imóvel registrado sob o n. 182.899, nas suas exatas medidas. Permanece, pois, a improcedência da pretensão inaugural quanto à área remanescente, de 314,3m², uma vez que não fora inserida na ação de usucapião e, por conseguinte, não consta da matrícula acima numerada.
Diante disso, quanto a essa área, fica prejudicada a alegação recursal suscitada pelos requeridos em seu apelo adesivo, no sentido de que “a ação de adjudicação compulsória não é via adequada para requerer a abertura de matrícula de imóvel não registrado em cartório”, porquanto suprida a questão com o seu registro superveniente.
Por fim, quanto ao imóvel matriculado sob o n. 35.674, com área total de 2.907,91m², a sentença mostra-se irretocável e a procedência do pedido de expedição de carta de adjudicação era mesmo de rigor.
Isso porque, os comprovantes de pagamento trazidos na exordial e a consignação dos valores em juízo demonstram a devida quitação da avença, caindo por terra o argumento dos réus de que a autora “não pagou corretamente o preço entabulado no compromisso de compra e venda firmado entre as partes, cujo contrato ficou atrelado à quitação de débitos falimentares da empresa dos recorrentes”.
Ora, como bem frisou o Magistrado sentenciante:
Sequer há falar em incidência equivocado de juros e correção monetária dos débitos falimentares arcados pela autora como pretende os réus, tendo em conta que a responsabilidade pela apresentação dos débitos era dos vendedores, a teor do pacto. Assim, caso tenha ocorrido excesso de pagamento, foram os réus que deram causa.
Verifica-se, pois, que a parte autora comprovou efetivamente os fatos constitutivos do seu direito de receber a propriedade do imóvel sob matrícula n. 35.674, cumprindo com o ônus processual previsto pelo art. 373 do CPC, enquanto a parte ré quedou-se inerte no que concerne à comprovação de qualquer fato impeditivo.
Assim, tem-se que os réus não se desincumbiram do seu ônus probatório (art. 373, II do CPC) de demonstrar que o autor não cumpriu com suas obrigações contratuais para justificar sua recusa em outorgar as respectivas escrituras.
Ainda, o alegado vício de consentimento do negócio jurídico por lesão foi devidamente tratado, nesta mesma sessão de julgamento, na ação de revisão de negócio jurídico n. 0300609-02.2017.8.24.0023. Naqueles autos, manteve-se a sentença de improcedência da pretensão inaugural e foi reconhecida a higidez do pacto.
Há, portanto, de serem acolhidos os pedidos iniciais em relação aos imóveis matriculados sob os n. 35.674 (item ‘A’ do contrato – cuja área é de 2.907,91m²) e n. 182.899 (área de 3.267,79m², do total descrito no item ‘B’ do contrato), ambos registrados no 2º Ofício de Registro de Imóveis de Florianópolis, determinando-se a expedição de carta de adjudicação para que o autor proceda a transferência dos respectivos bens para sua propriedade.
À vista, então, do resultado da apreciação dos presentes recursos, a sucumbência deve ser revista.
+ Aquisição da posse: modo originário e derivado
O autor decaiu de parte mínima de sua pretensão inicial – em torno de 9% (nove por cento) do valor da causa, tendo em conta que os únicos pedidos julgados improcedentes dizem respeito aos terrenos de posse de 300m² que foi adquirido pelo preço de R$ 286.000,00 (duzentos e oitenta e seis mil reais) – o que equivale a 4,4% do valor global do contrato (e, consequentemente, do valor dado à causa) – e à metragem de 314,3m² não incluída na matrícula n. 182.899 – equivalente a 8,77% da área total do terreno descrito no item ‘B’ do pacto, cerca de R$ 300.900,00 (trezentos mil e novecentos reais).
Dessa feita, o encargo deve recair exclusivamente sobre os réus, a teor do parágrafo único do art. 86 do CPC, para que arquem, integralmente, com as custas e as despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico obtido pelo autor. Acresce-se a esta verba 2% (dois por cento) a título de honorários recursais (art. 85, §1º do CPC).
Voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso principal apresentado pelo autor e negar provimento ao apelo adesivo dos requeridos.
+ Emprestei um imóvel e a pessoa não quer mais sair. O que fazer?
Documento eletrônico assinado por MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4014742v243 e do código CRC d09b2d14.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTAData e Hora: 29/11/2023, às 13:45:3
Apelação Nº 0301900-37.2017.8.24.0023/SC
RELATORA: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
+ Quem deve ser citado na ação de usucapião?
APELANTE: A. ANGELONI & CIA. LTDA (AUTOR) ADVOGADO(A): ALEXANDRA PAGLIA (OAB SC033096) APELANTE: MARLI MEDEIROS FOGAÇA (RÉU) ADVOGADO(A): GUILHERME RODRIGUES DE LISBOA (OAB SC018922) ADVOGADO(A): JORGE RICARDO SILVA (OAB SC005464) APELANTE: ANTONIO BENCZ (RÉU) ADVOGADO(A): GUILHERME RODRIGUES DE LISBOA (OAB SC018922) ADVOGADO(A): JORGE RICARDO SILVA (OAB SC005464) APELADO: OS MESMOS
+ Usucapião: requisitos e documentos necessários
EMENTA
AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA ENVOLVENDO TRÊS IMÓVEIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA APENAS EM RELAÇÃO A UMA DAS ÁREAS. RECURSO DE APELAÇÃO DO AUTOR E APELO ADESIVO DOS REQUERIDOS.
PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL QUE NÃO SE SUSTENTA. DISPENSABILIDADE DO REGISTRO DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA A VIABILIZAR A PRESENTE DEMANDA. SÚMULA N. 239 DO STJ. ADEMAIS, AÇÃO CONEXA, AJUIZADA PELOS PROMITENTES VENDEDORES, VISANDO A REVISÃO DO PREÇO CONSTANTE DO NEGÓCIO JURÍDICO JULGADA IMPROCEDENTE NESTA MESMA OCASIÃO. CONTRATO HÍGIDO.
MÉRITO. RECONHECIMENTO DA QUITAÇÃO DA DÍVIDA. AUTOR QUE COMPROVOU O PAGAMENTO DOS VALORES E EFETUOU A CONSIGNAÇÃO EM JUÍZO DO SALDO DEVEDOR. DE OUTRO LADO, RECUSA INJUSTIFICADA DOS PROMITENTES VENDEDORES À OUTORGA DAS RESPECTIVAS ESCRITURAS. DEMANDADOS QUE NÃO SE DESINCUMBIRAM DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO QUANTO AO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES FIRMADAS PELOS PROMITENTES COMPRADORES.
TERRENO COM ÁREA DE 3.582,09M², DESCRITO NO ITEM ‘B’ DO QUADRO III DO CONTRATO EM VOGA, EM QUE PARTE DO MESMO FORA OBJETO DE ANTERIOR AÇÃO DE USUCAPIÃO, COM ÁREA DE 3.267,79M², MAS SOBRE O QUAL AINDA PENDIA REGISTRO IMOBILIÁRIO. NOTÍCIA, JÁ NESTA SEGUNDA INSTÂNCIA, DA SUPERVENIENTE ABERTURA DE MATRÍCULA DO BEM. ARTS. 493 C/C 933 DO CPC. EXPEDIÇÃO DE CARTA DE ADJUDICAÇÃO QUE SE IMPÕE, REFERENTE À EXATA METRAGEM (3.267,79M²) CONSTANTE DA MATRÍCULA N. 182.899 DO 2º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE FLORIANÓPOLIS, ANTE O PREENCHIMENTO DO REQUISITO INDISPENSÁVEL, QUE É A REGISTRABILIDADE DO TÍTULO. SENTENÇA ALTERADA PARA JULGAR O PEDIDO PROCEDENTE QUANTO À PARTE DESSE BEM IMÓVEL, OBJETO DO REGISTRO (3.267,79M²). MANTIDA A IMPROCEDÊNCIA EM RELAÇÃO À AREA REMANESCENTE DE 314,3M².
PROCEDÊNCIA DO PLEITO TAMBÉM EM RELAÇÃO AO IMÓVEL COM ÁREA DE 2.907,91M², DESCRITO NO ITEM ‘A’ DO QUADRO III DO PACTO FIRMADO ENTRE AS PARTES, E QUE JÁ ESTAVA DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO À ÉPOCA. MANUTENÇÃO DO DECISUM DE 1º GRAU QUE DEU PELA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DESSE BEM.
NO ENTANTO, AUSÊNCIA DE MATRÍCULA DE UM DOS TERRENOS, DE POSSE, DESCRITO NO ITEM ‘C’, DO QUADRO III DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONDIÇÃO SINE QUA NON DA AÇÃO ADJUDICATÓRIA NÃO OBSERVADA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO REGISTRO DO TÍTULO. OUTROSSIM, RAZÕES TRAZIDAS NO APELO PRINCIPAL DO AUTOR QUE CONFIGURAM INOVAÇÃO RECURSAL. PLEITO INAGURAL, NESTE PONTO, NÃO ACOLHIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA NO PARTICULAR.
REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. AUTOR QUE DECAIU DE PARTE MÍNIMA DO PEDIDO, CONSIDERANDO O BAIXO VALOR DO ÚNICO TERRENO QUE FOI EXCLUÍDO DA ADJUDICAÇÃO FRENTE AO PREÇO GLOBAL DO PACTO. ART. 86, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS.
RECURSO PRINCIPAL PARCIALMENTE PROVIDO E DESPROVIMENTO DO APELO ADESIVO DOS REQUERIDOS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso principal apresentado pelo autor e negar provimento ao apelo adesivo dos requeridos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 28 de novembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4014743v35 e do código CRC d9ea6f12.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTAData e Hora: 29/11/2023, às 13:45:3
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 28/11/2023
Apelação Nº 0301900-37.2017.8.24.0023/SC
RELATORA: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
PRESIDENTE: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
PROCURADOR(A): ONOFRE JOSE CARVALHO AGOSTINI
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: LUIS HENRIQUE CURY CASAROTTO por A. ANGELONI & CIA. LTDA
APELANTE: A. ANGELONI & CIA. LTDA (AUTOR) ADVOGADO(A): LUIS HENRIQUE CURY CASAROTTO (OAB SC038496) ADVOGADO(A): ALBERT ZILLI DOS SANTOS (OAB SC013379) APELANTE: MARLI MEDEIROS FOGAÇA (RÉU) ADVOGADO(A): GUILHERME RODRIGUES DE LISBOA (OAB SC018922) ADVOGADO(A): JORGE RICARDO SILVA (OAB SC005464) APELANTE: ANTONIO BENCZ (RÉU) ADVOGADO(A): GUILHERME RODRIGUES DE LISBOA (OAB SC018922) ADVOGADO(A): JORGE RICARDO SILVA (OAB SC005464) APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 28/11/2023, na sequência 34, disponibilizada no DJe de 13/11/2023.
Certifico que a 3ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 3ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PRINCIPAL APRESENTADO PELO AUTOR E NEGAR PROVIMENTO AO APELO ADESIVO DOS REQUERIDOS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
Votante: Desembargadora MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTAVotante: Desembargador SÉRGIO IZIDORO HEILVotante: Desembargador SAUL STEIL
DANIELA FAGHERAZZISecretária
Fonte: TJSC
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