Usucapião: alteração do caráter originário da posse

Usucapião: alteração do caráter originário da posse. Para haver alteração do caráter originário da posse, é necessário provar que em algum momento o possuidor se opôs ao direito do proprietário anterior.

A posse mantém o mesmo caráter da aquisição

Dispõe o Código Civil:

Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.

Código Civil

Quando o legislador faz menção a “caráter”, refere-se às “qualidades” da posse no momento da sua aquisição.

Por exemplo, já sabemos que a posse é justa quando não for violenta, clandestina ou precária.

Sabemos, também, que a posse é de boa-fé quando o possuidor ignora vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Dentre outras, essas qualidades formam o “caráter originário” da posse sobre a coisa móvel ou imóvel e que, salvo prova em contrário, não se alteram com o decurso do tempo afirmando o princípio da continuidade do caráter da posse.

A causa da posse se presume ser a mesma da aquisição

Um outro ponto que merece destaque é o de que a causa do exercício da posse “presume” não se alterar com o decurso do tempo.

Assim, se alguém passou a exercer a posse sobre determinado imóvel em função de um contrato de comodato, salvo prova em contrário, não poderá alegar que, transcorrido o tempo, adquiriu a propriedade do imóvel pela usucapião.

Ou, ainda, se o exercício da posse decorreu de um contrato de locação, o possuidor não poderá alegar que, com o tempo, passou a ser um comodato.

Pode haver alteração do caráter originário da posse?

Sim, o “caráter” da posse pode sofrer alteração ao longo do tempo.

Existe uma presunção de que a causa e as qualidades da posse continuam a ser as mesmas da sua aquisição, porém, é possível que haja alterações.

Seguindo à risca o disposto no art. 1.203, do Código Civil, “Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.”

Caso o possuidor efetue prova eloquente, poderá se reconhecer a alteração do caráter possessório.

Na jurisprudência, há casos reconhecendo o direito do promitente-comprador ingressar com ação de usucapião – um exemplo nítido de inversão do caráter originário da posse.

Deve restar claro o animus domini ou ânimo de proprietário

O assunto é controvertido.

Se por um lado o art. 1.203, do Código Civil, admite a alteração do caráter originário da posse, antes de partir para qualquer ilação quanto a sua alteração, deve-se questionar em qual momento houve esta inversão, ou seja, em qual momento o exercício da posse passou a se dar com o manifesto ânimo de proprietário da coisa e não como mero detentor ou possuidor direto.

Em tese, até mesmo a posse precária pode ser sofrer mutação para uma posse dominial.

O importante, porém, é ter bem claro que o ânimo de proprietário deve ser revelado em um ato inequívoco, claro e potente frente ao proprietário original.

Para que haja alteração do caráter da posse, em algum momento o possuidor deve provar que se opôs ao direito do proprietário anterior, na sua presença ou com o seu consentimento – como no exemplo do possuidor impedir o proprietário de adentrar o imóvel alegando se tratar de propriedade particular e exclusiva.

A usucapião extraordinária não leva em conta título ou boa-fé

Uma última nota que instiga a possibilidade da alteração do caráter originário da posse em circunstâncias iniciais de detenção ou de posse direta, é o fato de que, na usucapião extraordinária, a aquisição da propriedade se dá independentemente de título ou boa-fé:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”

Código Civil

Mesmo a aquisição da posse de má-fé não impede a usucapião.

É o caso da usucapião extraordinária.

Na aquisição da propriedade por intermédio da usucapião extraordinária, é dispensável o interessado apresentar em juízo um justo título, bem como, totalmente desprezível a análise do exercício da posse de boa-fé.

Base legal

Código Civil

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Jurisprudência

USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PROMESSA DE VENDA E COMPRA. TRANSMUTAÇÃO DA POSSE, DE NÃO PRÓPRIA PARA PRÓPRIA. ADMISSIBILIDADE.? “O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-comprador de imóvel, em princípio, não impede que este adquira a propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a transformação do caráter originário daquela posse, de não própria, para própria? (REsp nº 220.200/-SP). (REsp 143976, Relator: BARROS MONTEIRO, Órgão Julgador: QUARTA TURMA, Data do julgamento: 2004)

Promessa de compra e venda de imóvel. Usucapião extraordinário. Transformação do caráter originário da posse. Dissídio. Caracterização. – O fato de ser possuidor direto na condição de promitente-comprador de imóvel, a princípio, não impede que este adquira a propriedade do bem por usucapião, uma vez que é possível a transformação do caráter originário daquela posse, de não própria, para própria. – A caracterização do dissídio jurisprudencial ensejador de Recurso Especial exige que o acórdão recorrido tenha divergido de afirmação assentada no paradigma e que os julgados comparados tenham analisado questão delineada faticamente de modo semelhante. Recurso Especial não conhecido. (REsp 220200, NANCY ANDRIGHI, Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA, Data do julgamento: 20030916)

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