Usucapião ou adjudicação compulsória?

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Usucapião ou adjudicação compulsória?

Podem surgir dúvidas quanto ao uso da usucapião ou da adjudicação compulsória para regularizar a propriedade de um imóvel.

Neste post vamos esclarecer quando usar cada uma das ações.

O que é usucapião

A usucapião é o exemplo clássico de aquisição originária da propriedade, pressupondo a inexistência de uma transação ou alienação da coisa por um antigo proprietário.

A usucapião também apaga eventuais ônus que acompanham a coisa.

Na usucapião não há continuidade causal entre o direito do proprietário anterior e a alegada posse ad usucapionem do autor da ação de usucapião.

Não há aí qualquer relação jurídica de transmissão entre comprador e vendedor.

Daí se dizer que a usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade.

Modalidades de usucapião

Existem várias modalidades de usucapião previstas na lei, variando os seus requisitos sobretudo no que compete ao tempo de posse necessário para declaração do direito de propriedade.

+ Qual o tempo de posse para usucapião de um imóvel

Quanto ingressar com ação de usucapião

A ação de usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade através do cumprimento de requisitos exigidos em lei, principalmente, do exercício prolongado da posse.

Sendo um modo originário de aquisição de domínio particular de um imóvel, inexiste qualquer vínculo entre o atual e o antigo proprietário do bem que se pretende usucapir.

+ Usucapião: requisitos e documentos necessários

Significa dizer que não há qualquer relação jurídica – por exemplo, um contrato – entre o proprietário anterior e o autor da ação de usucapião – diversamente do que ocorre nos modos derivados de aquisição.

Deve, assim, ser utilizada a ação de usucapião quando o direito de propriedade decorrer exclusivamente do exercício da posse no tempo, desvinculada de qualquer causa anterior, ou seja, de eventual negócio jurídico com o antigo proprietário.

Modo originário e o modo derivado de aquisição da propriedade

É importante você saber a diferença entre o modo originário e o modo derivado da aquisição da propriedade.

O Código Civil não diferencie especificamente quais são as formas originárias e derivadas de aquisição da propriedade.

A doutrina define como originária a aquisição decorrente de um fato jurídico stricto sensu. – É o exemplo do exercício de posse contínua pelo decurso do tempo que gera a usucapião.

Por sua vez, a aquisição derivada está vinculada à existência prévia de um negócio jurídico.

Assim, no caso da usucapião, o direito sobre a propriedade do imóvel decorre sobretudo do exercício prolongado da posse mansa e pacífica ao longo do tempo.

Já no modo derivado, a aquisição da propriedade decorre comumente de um contrato, onde uma pessoa vende a outra a propriedade do imóvel.

+ Aquisição da posse: modo originário e derivado

Caso haja uma relação de causalidade entre o domínio do comprador e do vendedor, via de regra, não se deve utilizar a ação de usucapião para obter o registro do imóvel.

Inexistência de relação jurídica com o proprietário anterior

A aquisição da propriedade é originária quando desvinculada de qualquer relação com um eventual proprietário anterior do imóvel.

Na aquisição originária da propriedade, não existe relação jurídica de transmissão.

Não há qualquer relevância jurídica a figura do antecessor.

A ocupação, a usucapião e a acessão natural são exemplos de aquisição originária da propriedade.

Nessas três modalidades, não existe relação jurídica do adquirente com o proprietário precedente. 

Possuidor para efeito de usucapião

Possuidor é pessoa que não é proprietária do imóvel, mas se comporte como tal.

Mesmo não sendo proprietário o possuidor pode, por exemplo, plantar, construir e, até mesmo morar no imóvel.

No entanto, nem todo possuidor poderá adquirir a propriedade do imóvel por meio da usucapião.

Caso a aquisição da propriedade se dê de forma derivada, ainda que exercendo a posse ao longo do tempo, via de regra, o possuidor não poderá ingressar com ação de usucapião.

A aquisição da posse deve decorrer da aquisição originária da propriedade – e não de um contrato, como o contrato de aluguel, a promessa de compra e venda, a doação etc.

Na aquisição originária pela usucapião, o bem usucapido pode até ter pertencido a outrem, mas o usucapiente dele não recebe a coisa.

Na usucapião o direito de posse não decorre do antigo proprietário!

Sendo a usucapião uma aquisição originária, o único elemento que para ela concorre é o próprio fato ou ato jurídico que lhe dá nascimento, a posse mansa, pacífica, sem contestação ao longo do tempo.

Usucapião e promessa de compra e venda

A origem da posse de quem tenciona ingressar com uma ação de usucapião não pode decorrer de um contrato, por exemplo, de uma promessa de compra e venda.

Na promessa de compra e venda a aquisição da propriedade se dá de forma derivada.

Mesmo que o comprador exerça a posse ao longo de anos e mais anos, pela promessa de compra e venda, a aquisição da posse sobre o imóvel se dá de forma derivada, através de um negócio jurídico, ou seja, de um contrato.

+ Promessa de compra e venda e escritura do imóvel

Nesses casos, não é aconselhável utilizar a ação de usucapião para regularizar a propriedade do imóvel.

Entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Para as Câmaras de Direito Civil do TJSC, a ação de usucapião é via inadequada para regularizar transmissão da propriedade adquirida por derivação do proprietário anterior, tal como por contrato de compra e venda, doação ou mesmo causa mortis.

O entendimento visa, sobretudo, evitar a burla ao recolhimento de tributos de transmissão (ITBI, ITCMD e causa mortis) e eventualmente ao procedimento de prévio desmembramento do imóvel (TJSC, Apelação n. 0001733-74.2009.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina).

No entanto, referido entendimento tem sido relativizado na hipótese de se revelar difícil ou impossível obter o registro da propriedade em razão de dificuldades apresentadas no caso concreto (TJSC, Apelação n. 5002990-31.2022.8.24.0011, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina).

Usucapião para casos de aquisição derivada

A usucapião é uma forma originária de aquisição do direito de propriedade.

Mas se encontram julgados que autorizam excepcionalmente a propositura da ação de usucapião para os casos de aquisição derivada (e.v. TJSC, Apelação n. 5001268-76.2022.8.24.0070). 

Para que isso seja possível, o autor da ação de usucapião deve demonstrar a impossibilidade ou excessiva dificuldade de registro da propriedade.

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Usucapião e negócio jurídico

Quando a aquisição da propriedade se dá de forma derivada, revelando um negócio jurídico, a ação de usucapião deve ser julgada extinta por falta de interesse de agir – uma das condições da ação.

No entanto não é todo e qualquer negócio jurídico envolvendo o bem que se pretende usucapir que fará desaparecer o interesse de agir para a propositura da ação de usucapião.

Para que haja aquisição derivada, é preciso existir uma relação jurídica de transmissão estabelecida entre o proponente e o proprietário registral do imóvel.

De outra parte, quando for inviável, por outro meio idôneo (administrativo ou judicial), a regularização da propriedade derivada de posse prolongada, é necessário e adequado percorrer-se a via formal da usucapião para que o possuidor consiga obter o título de propriedade do bem (v. TJSC, Apelação n. 0300496-26.2019.8.24.0040, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina).

Usucapião e ocupação consolidada

Precedentes mais recentes do TJSC têm permitido, mesmo nas hipóteses de aquisição derivada da propriedade, que a ocupação há muito consolidada de determinada área, possa ser objeto de usucapião.

Para isso, deve se revelar difícil ou impossível dar seguimento à obtenção do registro da propriedade com base no contrato de compra e venda por eventuais dificuldades apresentadas no caso concreto (REsp n. 1818564/DF) (TJSC – Apelação Cível nº 0300106-92.2018.8.24.0104).

Usucapião e Provimento do Conselho Nacional de Justiça

Há orientação no Provimento nº 65/2017 do Conselho Nacional de Justiça que vê com bons olhos que o interessado, no procedimento da usucapião extrajudicial, exiba, como justo título, instrumentos que provem a existência de relação jurídica com o titular registral.

Isso, desde que haja justificativa, evitando-se, assim, o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários’ (art. 13, § 2º)” (Apelação n. 0300493-26.2019.8.24.0040, rel. Roberto Lepper, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13-09-2022).

O que é adjudicação compulsória

A ação de adjudicação compulsória visa a transferência do bem imóvel para o nome do promitente-comprador, através da carta de adjudicação

A carta de adjudicação substitui a escritura definitiva, possibilitando o registro da propriedade do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis.

A ação de adjudicação compulsória tem previsão no Decreto Lei nº 58/1937 e na nº Lei 6.766/79.

O Código Civil de 2002 revitalizou o instituto dispondo sobre o seu cabimento nos artigos 1.417 e 1.418. vejamos:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Código Civil

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Código Civil

Quando ingressar com ação de adjudicação compulsória

Ao contrário da usucapião, utiliza-se a ação de adjudicação compulsória para regularizar a propriedade de um bem imóvel cuja aquisição da posse de deu pelo modo derivado.

Por exemplo, se a aquisição do imóvel se deu por intermédio de uma promessa de compra e venda, via de regra, o correto é empregar a ação de adjudicação compulsória.

A adjudicação compulsória visa, portanto, resolver o problema da possibilidade de se obter o registro de um imóvel para o qual se tem somente um contrato particular como é o caso do compromisso de compra e venda.

Utilizando a ação de adjudicação compulsória, o promitente comprador pode obter a chamada carta de adjudicação, por meio da qual o Poder Judiciário determina que se proceda ao registro de propriedade em seu nome junto ao Ofício de Registro de Imóveis.

São condições da ação de adjudicação compulsória:

I) a individualização do imóvel;

II) a validade do instrumento de compromisso de compra e venda;

III) a quitação do preço acordado; e

IV) a negativa sem justo motivo de outorgar-se a escritura definitiva do bem.

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas de Usucapião no TJSC

É controversa a possibilidade de regularização da propriedade do imóvel através da usucapião nos casos em que ocorre aquisição derivada da propriedade.

Em sede de Tribunal de Justiça de Santa Catarina, é possível encontrar decisões admitindo ou não a ação de usucapião, sobretudo, nos casos em que se vê difícil a regularização registral do bem.

Tendo em conta a matéria ser bastante apreciada pelas Câmaras de Direito Civil, existindo decisões divergentes, consta em trâmite, perante o TJSC, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) (Apelação: 0300234-49.2017.8.24.0104).

Usucapião ou adjudicação compulsória?

Faz-se o uso da ação de usucapião quando:

(i) a aquisição da propriedade se dá pelo modo originário, decorrendo o direito de propriedade tão somente dos requisitos legais para a usucapião;

(ii) a origem da propriedade não decorrer de um negócio jurídico, por exemplo, de uma promessa de compra e venda.

Já nos casos onde a aquisição da propriedade se dá pelo modo derivado, existindo um contrato, a regularização da propriedade deve se dar, via de regra, pelo uso da ação de adjudicação compulsória.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) entende que a ação de usucapião é inadequada nos casos onde ocorre aquisição derivada da propriedade.

Caso o autor prove, no entanto, extrema dificuldade para regularizar o registro pelos meios formais, o TJSC admite a usucapião para regularização do direito de propriedade nos casos de aquisição derivada.

Tramite perante o TJSC incidente de resolução de demandas repetitivas visando pacificar o entendimento do uso da usucapião para casos de aquisição derivada do direito de propriedade.

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Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

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