Paguei o terreno, mas não consigo a escritura

Paguei o terreno, mas não consigo a escritura

O só fato do promitente-comprador efetuar o pagamento do preço referente à compra de um imóvel não faz com que se torne dele proprietário. É necessário registrar a escritura no Cartório de Registro de Imóveis. Mas o que fazer quando o promitente-vendedor não quer passar a escritura?

Registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis

A propriedade é um direito real; de acordo com o art. 1.227, do Código Civil, os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Assim, para que o promitente-comprador adquira a propriedade do imóvel, deverá efetuar o registro da respectiva escritura de compra e venda perante o CRI. Sem que isso aconteça, ainda que tenha efetuado o pagamento do preço combinado, para efeitos legais, o proprietário do imóvel será a pessoa que figurar à margem da respectiva matrícula perante o CRI.

Da promessa de compra e venda ao registro no CRI

É comum a compra de lotes de terreno em prestações. Nessa circunstância, comprador e vendedor costumam firmar um contrato preliminar denominado de “promessa de compra e venda”.

Pelo contrato de promessa de compra e venda, o promitente-comprador adquire o direito real de adquirir o imóvel, ou seja, o promitente-vendedor fica obrigado, após efetuado o pagamento do preço ajustado, a passar a escritura definitiva do imóvel para que esta seja registrada perante o CRI.

A importância do registro é fundamental para que o promitente-comprador adquira a propriedade. Caso não haja o registro frente ao CRI, ainda que pago integralmente o preço, o imóvel poderá ser vendido a um terceiro que, adquirindo-o de boa-fé, não poderá ser obrigado a devolvê-lo.

Registro da promessa de compra e venda em CRI com transferência da propriedade

De acordo com a Lei 6.766/79, que trata do parcelamento do solo urbano, são irretratáveis os compromissos de compra e venda, que poderão se dar por escritura pública ou por instrumento particular, devendo conter as seguintes indicações:

a) nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;

b) denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

c) descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;

d) preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;

e) taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

f) indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;

g) declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

Observados os requisitos da Lei, os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.      

Paguei o terreno mas o vendedor não quer passar a escritura

Há casos que, por razões adversas, após o pagamento das prestações ajustadas, o promitente-comprador encontra dificuldade para que o promitente-vendedor efetue a escritura pública de compra e venda do imóvel – documento necessário para registro e transferência da propriedade.

Nesses casos, encerrada as possibilidades de negociação, resta ao promitente-comprador o recurso ao Poder Judiciário para requerer a adjudicação compulsória do imóvel.

Adjudicação compulsória

A adjudicação compulsória tem por finalidade a transferência obrigatória de um bem imóvel, desde que cumpridas certas condições.

Com a adjudicação, o promitente-comprador obtém a carta de adjudicação, que tem por efeito substituir a escritura definitiva, possibilitando o registro da propriedade à margem da matrícula do imóvel frente ao Cartório de Registro de Imóveis.

A ação de adjudicação compulsória é uma medida processual, prevista no Decreto Lei nº 58/1937 e na nº Lei 6.766/79. O Código Civil de 2002 revitalizou o instituto dispondo sobre o seu cabimento nos artigos 1.417 e 1.418. vejamos:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Código Civil

Firmado contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel, por instrumento público ou particular, e não tendo sido pactuado entre as partes a possibilidade de arrependimento, cabível a adjudicação compulsória do imóvel, no caso do comprador passar por algum embaraço para obter a escritura definitiva.

É bom deixar registrado que, apesar do Código Civil exigir o registro do contrato de promessa de compra e venda em Cartório, a Súmula 239, do Superior Tribunal de Justiça, preceitua que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Promessa de compra e venda e usucapião

Resta ainda mencionar que a promessa de compra e venda constitui justo título para a aquisição originária da propriedade imobiliária – uma condição para usucapião ordinária.

Ainda que seja mais ágil ingressar com uma eventual adjudicação compulsória, por razões adversas, pode ser aconselhável o promitente-comprador ingressar com ação de usucapião para que o imóvel passe a figurar em seu nome frente ao registro público.

É bom dar destaque às várias modalidades existentes de usucapião, com prazos diferenciados, podendo, inclusive, o interessado efetuar a soma do tempo de posse para ingressar com a ação e ter declarado o seu direito de propriedade sobre o imóvel.

Base Legal

Código Civil

Lei 6.766/79

Decreto Lei nº 58/1937

Jurisprudência: promessa de compra e venda e adjudicação compulsória

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CESSÃO DE DIREITOS. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. SÚMULA 239/STJ. REEXAME DOS CONTRATOS FIRMADOS E DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF.

  1. Hipótese em que o Tribunal local consignou (fl. 172, e-STJ): “Diante da cessão de direitos oriundos de promessa de compra e venda, os cessionários podem exigir do promitente vendedor – já quitado o preço – a outorga da escritura definitiva. Trata-se de exigir cumprimento de obrigação de fazer, e não há necessidade de registro da cadeia de cessões, imponível apenas a quem quer o efeito real da promessa e posteriores cessões. Como não há terceiro afetado, e já passadas décadas desde a promessa, a cessionária faz jus à adjudicação do imóvel em seu favor (súmula n º 239 do STJ)”.
  2. O STJ possui jurisprudência de que na “ação de adjudicação compulsória não é necessária a participação dos cedentes como litisconsortes, sendo o promitente vendedor parte legítima para figurar no pólo passiva da demanda” (AgRg no Ag 1.120.674/RJ, Rel.
    Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 13.5.2009).
  3. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem, ou seja, de que a falta de registro do instrumento particular de promessa de compra e venda não impede a propositura de ação de adjudicação compulsória, está em sintonia com a orientação jurisprudencial do STJ, consolidada na Súmula 239/STJ. 4. Além disso, para modificar o entendimento firmado no acórdão recorrido, seria necessário exceder as razões colacionadas no acórdão vergastado, o que demanda incursão no contexto fático-probatório dos autos, bem como examinar os contratos firmados, o que é impossível no Recurso Especial, ante os óbices contidos nas Súmulas 5 e 7 do STJ. 5. Finalmente, ainda que se afastassem tais óbices, não se pode conhecer da irresignação contra a ofensa aos arts. 195 e 237 da Lei 6.015/1973 e aos arts.
    4º, § 4º, e 20 do Decreto 55.738/1965, uma vez que os mencionados dispositivos legais não foram analisados pela instância de origem.
    Ausente, portanto, o indispensável requisito do prequestionamento, o que atrai, por analogia, o óbice da Súmula 282/STF.
  4. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
    (REsp 1698807/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017)

RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL QUITADO.
OUTORGA DA ESCRITURA DEFINITIVA. IMPOSSIBILIDADE. BLOQUEIO DE TODOS OS BENS DA CONSTRUTORA DETERMINADO PELA JUSTIÇA FEDERAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE BAIXA DO GRAVAME JUDICIAL COM OUTORGA DA ESCRITURA, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RÉU IMPOSSIBILITADO DE CUMPRIR VOLUNTARIAMENTE A OBRIGAÇÃO. FIXAÇÃO DE ASTREINTES QUE NÃO SE JUSTIFICA. INDISPONIBILIDADE DOS BENS QUE NÃO ALCANÇA O PROMITENTE COMPRADOR NA HIPÓTESE, POR SE TRATAR DE OBRIGAÇÃO PRETÉRITA E TOTALMENTE QUITADA. ACOLHIMENTO DO PEDIDO SUBSIDIÁRIO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DO IMÓVEL, COM BAIXA DO GRAVAME JUDICIAL.
POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

  1. Hipótese em que, após o pagamento total do imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda, a construtora não outorgou ao comprador a respectiva escritura definitiva, tendo em vista a indisponibilidade de todos os seus bens determinada pela Justiça Federal.
  2. A aludida constrição patrimonial visa impedir apenas a alienação dos bens da empresa em benefício próprio, a fim de evitar prejuízos aos demais credores, não se aplicando a bens dos promitentes compradores de imóveis negociados antes da decretação de indisponibilidade, máxime em razão do direito real à aquisição do imóvel previsto no art. 1.417 do Código Civil.
  3. Considerando que a restrição imposta pelo Poder Judiciário impede não só a alienação do patrimônio da construtora, mas, também, a prática de quaisquer atos cartorários que possam viabiliza-la, é de se concluir pela impossibilidade de cumprimento voluntário da obrigação (baixa do gravame judicial e outorga da escritura), revelando-se, em consequência, descabida a fixação da multa diária.
  4. Diante das particularidades do caso e da necessidade de solucionar o litígio de forma efetiva, deve ser acolhido o pedido subsidiário formulado na ação, no sentido de ser proferida sentença declaratória de outorga da escritura definitiva (adjudicação compulsória), determinando-se a baixa da restrição existente no imóvel aludido, a teor do comando do art. 466-B do CPC/1973.
  5. Recurso especial provido.
    (REsp 1432566/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. TESE DE QUE A ANÁLISE SE PAUTOU EM CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PARA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO QUE FULMINA A PRETENSÃO POSSESSÓRIA E A PETITÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA A NON DOMINO. DOCUMENTO QUE SE PRESTA A CONFIGURAR JUSTO TÍTULO PARA FINS DE USUCAPIÃO. “Justo título, sabidamente, se perfaz através de qualquer documento que faça o possuidor imaginar possa com ele assumir a condição de proprietário, porém tal efeito aquisitivo resulta inviabilizado por conta de algum defeito nele inserido. Partindo dessa compreensão, lícito é afirmar que a promessa de compra e venda, em princípio, é instrumento que exige o manejo da ação de adjudicação compulsória quando a pretensão atinente à obtenção do domínio é veiculada diretamente pelo promitente comprador contra o proprietário registral (promissário vendedor) ou seus sucessores (aquisição derivada). Episodicamente, porém, a promessa de compra de compra e venda poderá servir como justo título para o pleito de usucapião, desde que evidenciado algum vício intrínseco, como a hipótese de compra e venda a non domino. O documento não tem eficácia para diretamente ensejar a transferência imobiliária, sendo inegável, porém, através dele, a demonstração da existência da posse com o ânimo de dono no período necessário à prescrição aquisitiva. ‘É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que justo título ‘para efeito da usucapião ordinária, deve-se compreender o ato ou fato jurídico que, em tese, possa transmitir a propriedade, mas que, por lhe faltar algum requisito formal ou intrínseco (como a venda a non domino), não produz tal efeito jurídico. Tal ato ou fato jurídico, por ser juridicamente aceito pelo ordenamento jurídico, confere ao possuidor, em seu consciente, a legitimidade de direito à posse, como se dono do bem transmitido fosse (‘cum animo domini’)’ (Resp 652.449/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 15/12/2009, DJe 23/03/2010).’ (STJ – Resp Nº 1.334.591 – RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 14/03/2018).” (Apelação Cível n. 0301579-05.2017.8.24.0022, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 20-02-2020). TESE DE FRAGIBILIDADE DA PROVA. INSUBSISTÊNCIA. ADOÇÃO, COMO REGRA, DO SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO EM DETRIMENTO DA PROVA TARIFADA. AUSÊNCIA, EM ORDINÁRIO, DE HIERARQUIA ENTRE OS MEIOS DE PROVA. SIMPLES FATO DE OS TESTIGOS COMPOREM A VIZINHANÇA DO RÉU QUE NÃO LHES DEPRIME A CREDIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0300146-19.2014.8.24.0103, de Araquari, rel. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 30-07-2020).

Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

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