Usucapião: cerceamento de defesa

martelo de juiz
Usucapião: cerceamento de defesa

Usucapião: cerceamento de defesa. A parte apelante sustenta o cerceamento do direito de defesa, decorrente da improcedência dos pedidos inicias por ausência de provas do exercício da posse, sem possibilitar a oitiva de testemunhas em audiência de instrução.

Processo: 0303726-52.2015.8.24.0061 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alex Heleno Santore
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Oitava Câmara de Direito Civil
Julgado em: 12/12/2023
Classe: Apelação

Apelação Nº 0303726-52.2015.8.24.0061/SC

+ Usucapião ou adjudicação compulsória?

RELATOR: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

APELANTE: RAFAEL ROCHA (AUTOR) APELANTE: MILENE PINTO ROCHA (AUTOR) APELADO: Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São Francisco do Sul

RELATÓRIO

+ É possível usucapião de automóvel ou de outro bem móvel?

Trata-se de recurso de apelação interposto por RAFAEL ROCHA e MILENE PINTO ROCHA contra sentença proferida pelo juízo de origem nos autos n. 03037265220158240061.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processual (CF, art. 5º, inc. LXXVIII), adoto o relatório da sentença como parte integrante deste acórdão, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:
RAFAEL ROCHA e MILENE PINTO ROCHA propôs ação de usucapião extraordinária em favor de imóvel de área de 4.807,59 m² (descrito no memorial evento 1, INF 2), sob o argumento de ser possuidor há período de tempo suficiente para prescrição aquisitiva sem qualquer oposição.
Requereu a citação dos confinantes, bem como a intimação dos representantes da Fazenda Pública da União, do Estado e do Município, além da produção de provas, a procedência integral da pretensão, com o reconhecimento do domínio do imóvel. Valorou a causa.

+ Usucapião: requisitos e documentos necessários

Os seguintes confrontantes, devidamente citados, não apresentaram manifestação:
Maurício Rocha – evento 35Suéle Cristina Speck Rocha – evento 35Fábio Jose Vick – evento 46Boneval de Carvalho Ledoux – evento 48Dulcineia Ribeiro Ledoux – evento 48Citados por edital e pelo Diário da Justiça, todos confrontantes, assim como os terceiros interessados, ausentes, incertos e desconhecidos, não apresentaram contestação (evento 29/37).
As Fazendas Públicas (municipal, estadual e federal) foram devidamente citadas.
União – evento 35/42;Estado de Santa Catarina – evento 33/37;Município – evento 34/39.Apenas a Procuradoria Municipal compareceu ao feito e mostrou desinteresse na causa pois, apesar de a área usucapienda estar fora do quadro foreiro do Município, as áreas públicas estão sendo preservadas (evento 60). 
No evento 94 o Ministério Público requereu a citação o INCRA, considerando que o imóvel usucapiendo está inserido em zona rural, o qual foi citado (evento 92) e declarou seu desinteresse (evento 94). 
No evento 112 o Ministério Público se manifestou pela improcedência do pedido inicial, por entender que há fortes indícios de uma farsa.
A parte autora alegou que o pedido de improcedência não merece prosperar, haja vista que inexiste inverdade nas alegações trazidas nos presentes autos, sendo que as provas fornecidas pela autora são todas verdadeiras e dentro dos parâmetros legais (evento 127).
É o relatório. Decido.
Sentença (ev. 140.1): julgados improcedentes os pedidos formulados na inicial, conforme dispositivo a seguir transcrito:
Em face do que foi dito, julgo improcedente o pedido formulado na inicial, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil e condeno os demandantes ao pagamento das custas, suspenso o pagamento em razão da gratuidade da justiça conferida (evento 7). 
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. 
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
Razões recursais (ev. 147.1): requer a parte apelante: (a) a reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos iniciais; ou subsidiariamente (b) a cassação da sentença, para instrução do processo na origem.
Parecer ministerial (ev. 18.1): A Procuradoria-Geral de Justiça informa a desnecessidade de intervenção no feito.
É o relatório.

+ O que é posse de boa-fé?

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE
Preenchidos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.
2. PRELIMINAR
2.1. Cerceamento de defesa
A parte apelante sustenta o cerceamento do direito de defesa, decorrente da improcedência dos pedidos inicias por ausência de provas do exercício da posse, sem possibilitar a oitiva de testemunhas em audiência de instrução.
O argumento prospera.
Para elucidar, transcreve-se a fundamentação da sentença:
Ocorre que, salvante as declarações juntadas no evento 75 (que por si só não provam a posse sobre o bem), não há quaisquer outras provas ou indícios de provas materiais que demonstrem o exercício da posse sobre o imóvel pelo período mencionado.
A juntada do ITR do imóvel data de 2014 em diante. Período quase concomitante com o ajuizamento da ação, e não suficiente em razão prazo aquisitivo exigido por lei.
É estranho que do exercício da posse pelo lapso temporal defendido pelos autores não tenha sido possível amealhar quaisquer outros documentos em geral. Percebe-se das fotos juntadas (evento 107) que existe uma construção no local, aparentemente com luz e água, contudo, qualquer comprovante desses serviços foram juntados nos autos que demonstrem endereço e tempo na posse. Isso depõe contra a versão dos autores e leva a crer que, na realidade, não houve o efetivo exercício da posse daquele imóvel pelo lapso temporal necessário para a prescrição aquisitiva, o que redunda na improcedência dos pedidos.

+ O que é posse justa?

Ademais, conforme certidão emitida pelo cartório de registro de imóveis (evento 14) “certifico ainda que, pela planta apresentada, anexa ao requerimento, o imóvel acima descrito não se encontra registrado neste cartório, podendo estar caracterizado com descrição diversa ou inserido em área maior” o que acarreta mais cuidados ao deferimento do pedido.
Por fim, verifica-se que grande parte dos confrontantes (Maurício Rocha, Boneval de Carvalho, Dulcineia Ribeiro Ledoux e Suéle Cristina Speck Rocha) foram citados em cartório. E, quando da tentativa da citação do confrontante Maurício, o oficial certificou que no local “está estabelecido um comércio chamado Esquadrivila com uma casa nos fundos e mesmo, em horário comercial, estava fechado. Mesmo assim, bati palmas e ninguém atendeu”. 
Logo, fragilizada a comprovação de que os confrontantes indicados são legitimamente os confrontantes do imóvel, uma vez que o Oficial de Justiça não pôde encontrá-los em suas residências quando do cumprimento do mandado e quatro, dos cinco confrontantes, foram citados em juízo. 
A partir das alegações formuladas e das provas colhidas, não se vê substrato probatório que autorize a procedência dos pedidos.
Registro que deixo de designar audiência para oitiva de eventuais testemunhas, pois as circunstâncias expostas acima, notadamente acerca da real delimitação do imóvel e sem que o cartório de registro de imóveis informe em nome de quem está o imóvel que se almeja, são suficientes para a improcedência do pedido, como bem defendido pelo Ministério Público.
O r. juiz singular baseou a decisão de indeferimento da realização de audiência de instrução na suficiência das provas documentais produzidas nos autos, julgando improcedente a pretensão declaratória, especialmente, com base na ausência de informações sobre eventual inserção do imóvel em uma área maior registrada em cartório.
Os fundamentos, no entanto, não se sustentam.
No caso concreto, citados os confrontantes, não houve contestação. 
A demandante apresentou declaração pública firmada por duas testemunhas, atestando o exercício da posse pelo período necessário à prescrição aquisitiva, o que denota, a priori, início de prova dos fatos constitutivos de direito alegado (ev. 75.77).
Não é razoável punir a parte pela incompletude das informações lançadas pelo Oficial de Registro na certidão de ev. 14.19. Havendo dúvidas sobre o conteúdo das informações cartorárias atestadas, incumbe ao juízo oficiar o referido órgão para prestar esclarecimentos.
Logo, a consideração pela insuficiência de provas é incompatível com o julgamento pela improcedência da pretensão lastrada nesse argumento, representando violação ao exercício do contraditório e da ampla defesa.
Além disso, a oitiva de testemunhas possibilitará também ao Ministério Público confirmar ou não as suspeitas sobre a existência de possível ato simulado, circunstância, até o momento, fundada somente em suposições.
Para corroborar com a conclusão ora exarada, transcreve-se da jurisprudência deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DEMARCATÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DOS AUTORES. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRETENDIDA REALIZAÇÃO DE NOVA PROVA PERICIAL E AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SUBSISTÊNCIA. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO QUE REVELA A COMPLEXIDADE DA DEMANDA E, CONSEQUENTEMENTE, A NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL A FIM DE GARANTIR EFICIÊNCIA E SEGURANÇA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA ANULADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0010736-55.2007.8.24.0045, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 02-03-2023).
Em conclusão, no ponto, o recurso merece ser provido, prejudicado o exame das demais matérias suscitadas no apelo.

+ Qual a diferença entre posse e detenção?

3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para instrução.

Documento eletrônico assinado por ALEX HELENO SANTORE, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4221715v8 e do código CRC 1cd5e2db.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALEX HELENO SANTOREData e Hora: 13/12/2023, às 12:12:1

Apelação Nº 0303726-52.2015.8.24.0061/SC

RELATOR: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

APELANTE: RAFAEL ROCHA (AUTOR) APELANTE: MILENE PINTO ROCHA (AUTOR) APELADO: Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São Francisco do Sul

+ O que é posse direta e posse indireta?

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRETENDIDA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SUBSISTÊNCIA. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO QUE REVELA A COMPLEXIDADE DA DEMANDA E, CONSEQUENTEMENTE, A NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL PARA GARANTIR EFICIÊNCIA E SEGURANÇA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. SENTENÇA CASSADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

+ Quem mora de favor pode pedir usucapião?

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para instrução, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

+ Usucapião: alteração do caráter originário da posse

Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por ALEX HELENO SANTORE, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4221716v4 e do código CRC d5ce932b.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALEX HELENO SANTOREData e Hora: 13/12/2023, às 12:12:1

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/12/2023

Apelação Nº 0303726-52.2015.8.24.0061/SC

+ Usucapião: qual documento é considerado “justo título”

RELATOR: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

PRESIDENTE: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

PROCURADOR(A): MURILO CASEMIRO MATTOS
APELANTE: RAFAEL ROCHA (AUTOR) ADVOGADO(A): Natalia Mendes Folster (OAB SC030140) APELANTE: MILENE PINTO ROCHA (AUTOR) ADVOGADO(A): Natalia Mendes Folster (OAB SC030140) APELADO: Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São Francisco do Sul MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 12/12/2023, na sequência 65, disponibilizada no DJe de 22/11/2023.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO PARA CASSAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA INSTRUÇÃO.

+ Qual a relação entre posse de boa-fé e usucapião?

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ALEX HELENO SANTORE
Votante: Desembargador ALEX HELENO SANTOREVotante: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULARTVotante: Juiz JOAO MARCOS BUCH
MARCIA CRISTINA ULSENHEIMERSecretária

Fonte: TJSC

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Imagem Freepik

Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

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