Usucapião: prova testemunhal. Na hipótese, portanto, em que pese a recorrente afirme que seria indispensável ouvir todas as testemunhas por ela arroladas, tem-se que as provas presentes aos autos já foram suficientes para que o juízo decidisse o feito, sem qualquer nulidade.
Processo: 0304064-76.2017.8.24.0054 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Flavio Andre Paz de Brum
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Civil
Julgado em: 30/11/2023
Classe: Apelação
+ Usucapião ou adjudicação compulsória?
Apelação Nº 0304064-76.2017.8.24.0054/SC
RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM
APELANTE: LOURDES DOS SANTOS ADVOGADO(A): FABIANA DOS SANTOS LINHARES (OAB SC015095) APELADO: JOSE DUARTE DA SILVA ADVOGADO(A): ALINE GREISEL SANTANA (OAB SC034273) APELADO: ANELISE WARMLING DA SILVA ADVOGADO(A): ALINE GREISEL SANTANA (OAB SC034273)
+ Qual o tempo de posse necessário para a usucapião de um imóvel?
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por LOURDES DOS SANTOS, contra sentença prolatada pelo juízo da Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da comarca de Rio do Sul, que nos autos da “Ação de Usucapião” n. 0304064-76.2017.8.24.0054, ajuizada contra JOSE DUARTE DA SILVA e outro, julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos (Evento 77, E1):
(…) Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por LOURDES DOS SANTOS e, em consequência, com fundamento no art. 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil, JULGO o presente processo, com RESOLUÇÃO DO MÉRITO. CONDENO a autora ao pagamento da multa por litigância de má-fé, a qual deverá corresponder a 01 (um) salário mínimo, a teor do contido no art. 81, §2º, do Código de Processo Civil. CONDENO, ainda, a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, de forma integral em razão da litigância de má-fé, estes que fixo no valor de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), a teor do contido no art. 85, §5º, do Código de Processo Civil. Contudo, suspensa a exigibilidade destas verbas em razão de ser beneficiária da gratuidade da justiça. P. R. I. Após o trânsito em julgado, arquive-se.
+ É possível usucapião de automóvel ou de outro bem móvel?
Inconformada, a apelante arguiu, preliminarmente, o cerceamento de defesa, porquanto o encerramento da instrução processual sem oitiva de testemunhas cruciais ao deslinde do feito, foi o nascedouro de grave nulidade da sentença. No mérito, sustentou que os próprios apelados reconheceram na contestação que a recorrente recebeu o imóvel por meio de doação – dos pais da apelada -, onde instalou residência há mais de vinte anos. Assim, certo o preenchimento dos requisitos da usucapião, sendo necessária a reforma integral da sentença. No mais, alegou inequívoca a exclusão da área da sua casa quando do ato registral para desmembramento das matrículas relacionadas, concluindo fazer jus à sua totalidade, devendo apenas a matrícula ser retificada para inclusão da área onde está sua casa. Outrossim, pugnou pelo afastamento da condenação em litigância de má-fé e, consequentemente, a condenação dos réus à tal importância. Não sendo reconhecida a titularidade da área equivalente a 1.605,00mts² do imóvel matriculado sob n. 48333, pugnou que “ao menos seja reconhecida como área usucapida o local onde está a casa da Apelante e seu entorno com mínimas medidas para escrituração na área urbana do Município de Aurora que é de 360,00 metros quadrados” (Evento 82, E1).
Com as contrarrazões (Evento 86, E1), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Em parecer da lavra do eminente Procurador Paulo Ricardo da Silva, a Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo parcial conhecimento do recurso interposto e, nesta extensão, pelo seu parcial provimento, tão somente para afastar a condenação da apelante em litigância de má-fé, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida (Evento 15, E2).
É o relatório.
VOTO
+ Usucapião: alteração do caráter originário da posse
O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele se conhece.
In casu, exsurge dos autos que a demandante ajuizou a presente actio objetivando, após o regular processamento do feito, a declaração de domínio sobre o imóvel matriculado sob o n. 48.333 no Ofício de Registro de Imóveis de Rio do Sul, situado na localidade de Santa Tereza, Aurora/SC, com área de 1.605,00 m² (Um mil, seiscentos e cinco metros quadrados), de propriedade de José Duarte da Silva e Anelise Warmling da Silva – requeridos -, e com as seguintes confrontações: “FRENTE: com a Rodovia SC 302, onde mede 43,70 metros; FUNDOS: com o Rio Itajaí do Sul, onde mede 37,60 metros; LADO DIREITO: com terras de Silvio Coelho, onde mede 43,03 metros, e do LADO ESQUERDO: com área sem utilização, onde mede 37,21 metros” (Evento 1, INF6).
Afirma a autora exercer a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, e com o tempo necessário para a verificação da prescrição aquisitiva, pois teria recebido o bem há mais de vinte anos de Blandino Warmling e Cecília Sebold Warmling.
Feito o breve escorço, de início, arguiu a nulidade da sentença, sob o fundamento de que cerceado o seu direito de defesa, haja vista não terem sido ouvidas testemunhas que, segundo informa, seriam cruciais ao deslinde do feito.
Todavia, o pleito não deve prosperar.
Isso porque, a respeito do encerramento dito antecipado da oitiva de testemunhas pelo magistrado, sabido competir a este, como destinatário das provas, dentro do princípio da persuasão racional adotado pelo art. 370 da Lei Processual Civil, decidir sobre a necessidade ou não da respectiva coleta a partir do livre convencimento motivado, afastando a realização daquelas diligências que entender dispensáveis ao caso.
Inclusive, nesse sentido, preconiza o mencionado art. 370 do Código de Processo Civil: “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito” e “indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias”, consoante dispõe o respectivo parágrafo único.
Na hipótese, portanto, em que pese a recorrente afirme que seria indispensável ouvir todas as testemunhas por ela arroladas, tem-se que as provas presentes aos autos já foram suficientes para que o juízo decidisse o feito, sem qualquer nulidade.
Desse modo, não se caracteriza cerceamento de defesa ou violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa o julgamento com base nos elementos constantes nos autos, quando suficientes à formação do convencimento do Julgador, como no caso.
A propósito, lecionando a respeito do tema, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery esmiúçam que:
“O juiz pode assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça, é certo, com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório. Tem o julgador iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como, por exemplo, quando esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes (STJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, RT 729/155). (…) Cabe ao juiz da matéria decidir sobre a necessidade da produção de provas (CPC/1973 130, 401) [CPC 370, CC 227], podendo ser a decisão revista em recurso especial quando, independentemente do exame da matéria de fato, ficar evidenciada a violação a princípio legal sobre prova, ou dissídio. Na espécie, a ré pretendia a oitiva do depoimento da autora para esclarecimento de fato considerado irrelevante para o julgamento da causa (STJ, 4.ª T., REsp 90435, rel. Min. Ruy Rosado, j. 24.6.1996, DJU 26.8.1996, p. 29695)” (Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.055).
Aliás, sobre o ponto, cumpre consignar o disposto no parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça (Evento 15, E2):
“[…] Assim, de primeiro, pertinente à preliminar de nulidade da sentença, aventada sob o argumento de cerceamento de defesa em razão do encerramento da instrução sem oitiva de testemunhas tidas como cruciais ao deslinde do feito, tal não deve prevalecer. Isso porque, enquanto em suas alegações finais a autora afirma que as testemunhas não ouvidas serão relevantes para demonstrar a situação de exclusão da casa quando do mapeamento feito pelos atuais proprietários do imóvel de matrícula n.º 48.333, no apelo em exame, defende, em síntese, que suas oitivas são relevantes à demonstração da prescrição aquisitiva.
Como se vê de todo processado, já quanto à referida preliminar há indícios da confusão do que seria de fato, a causa de pedir e o pedido da ação proposta, porquanto, ainda que a inicial e sua posterior emenda deixem explicitamente registrado que o imóvel de matrícula n.º 48.333 é o objeto da presente demanda (fls. 7/8 e 54), quando das alegações finais oralmente apresentadas, a procuradora da autora, além de registar que os herdeiros do imóvel em questão, filha e genro de Blandino e Cecília Warmling, ao regularizar o imóvel em questão, trataram de excluir a residência da autora – sendo este o motivo técnico pelo qual não está inserida nos 1.605,00m² em questão e dito na inicial – , requereu a oitiva das testemunhas pelos motivos já expostos e, ainda, pelo deferimento “[…] do pedido feito na inicial com a anulação da escritura que faz, em tese, fronteira com a casa da Dona Lourdes […]” (2’20”).
Com efeito, o pedido da inicial é “a procedência total do pedido para ao final conferir em prol da requerente a titularidade da área equivalente a 1.605,00m² (um mil e seiscentos e cinco metros quadrados) do imóvel mencionado nesta actio, consoante consta do material descritivo determinando-se a expedição do mandado de averbação para registro junto ao Cartório do Registro de Imóveis de Rio do Sul – matrícula nº 48333, Livro 2” (item f, dos pedidos – fls. 7/8, grifamos).
+ Qual a diferença entre posse e detenção?
A partir desses elementos é que se chega a conclusão em comento, tanto que a própria procuradora dos requeridos, em suas alegações finais, afirma que não se discute a posse do referido imóvel onde está situada a casa da autora, mas sim a do imóvel de matrícula n.º 48.333 (01’15”). Neste ponto, a autora tem razão quanto à alegada confissão dos réus, em razão de reconhecerem a posse dessa área há mais de 20 (vinte) anos. Isso é incontroverso nos autos!
Entretanto, eventual discussão sobre a nulidade da matrícula n.º 48.333 em razão da remota e maliciosa exclusão da área que faria parte do seu teor vai além do que a própria autora delimitou como causa de pedir e ora pede ao Poder Judiciário, não se podendo afirmar, portanto, que as testemunhas não ouvidas seriam essenciais ao deslinde do feito […].
Dito isso, e já adentrando no mérito do reclamo, observa-se da peça portal buscar a autora a declaração de prescrição aquisitiva da área de 1.605,00m², correspondente ao imóvel de matrícula n. 48.333, pertencente aos réus. Dispõe que recebeu o terreno, por meio de doação, dos genitores de um dos demandados (Sra. Anelise), ali construindo um imóvel, e no qual residiu por mais de vinte anos.
Aqui, cumpre consignar que não se discute a posse do terreno onde está localizada a residência, até porque, como inclusive confirmado pelos recorridos, “há mais de 20 anos atrás os senhores Blandino e Cecília Warmling realmente fizeram a doação de um lote para a construção de uma casa para a senhora Lourdes dos Santos e para o seu falecido marido Luiz Solon dos Santos”. No entanto, remanesce a questão quanto ao terreno de matrícula n. 48333, o qual é de propriedade dos requeridos, e, adianta-se, não restou comprovada a posse por parte da recorrente do referido terreno.
Repise-se, a inicial delimita o pedido – e sem qualquer ampliação, de que o pedido de anulação da escritura pública pleiteado pela advogada da autora em alegações finais (Evento 75, Vídeo 127) em nada altera a pretensão: “A procedência total do pedido para ao final conferir em prol da requerente a titularidade da área equivalente a 1.605,00 m² (um mil e seiscentos e cinco metros quadrados) do imóvel mencionado nesta actio, consoante consta do memorial descritivo determinando-se a expedição do mandado de averbação para registro junto ao Cartório do Registro de Imóveis de Rio do Sul – matrícula nº 48333, Livro 2” (Evento 1, PET1, fls 7/8).
De outro lado, após contestação, réplica e instrução probatória, desponta dos autos que a parte do lote da autora (cuja área precisa é desconhecida) se acha fora daquela matrícula n. 48.333, reconhecida pela advogada autora em audiência, afirmando que, com efeito, “tecnicamente”, fora em razão de duas matrículas abertas (Evento 75, Vídeo 127, 00:52sg em diante).
A rigor, a área de moradia da autora – imóvel recebido por doação -, não se acha inserida na área de 1.605,00m², tendo sido bem registrado pelo magistrado em instrução probatória, segundo se vê da gravação, o qual buscou investigar se o terreno ia além da área mais reduzida e restrita à casa edificada, sem exploração de área a maior. Aliás, vê-se que o ilustre magistrado fez perguntas à autora – depoimento pessoal -, e à testemunha, firmando seu convencimento.
Assim, sobretudo pela documentação rasa, nada crível tivesse a autora recebido área tão abrangente, integrando os 1.605,00m². Neste contexto, como já alhures consignado, eventual prova oral, seja qual for, não resultaria segura nem traria dados para convencimento distinto nesta instância, dado que não se pode ignorar o depoimento pessoal da requerida Anelise, que bem esclareceu as áreas distintas em questão, e aquela que limitada à autora.
+ O que é posse direta e posse indireta?
Ademais, a única testemunha também não registrou ocorrências e detalhamentos em prol da tese sustentada pela recorrente, do contrário, e nisso bem pontuou o Procurador Geral de Justiça ao sustentar que: “Relevante registrar que, quando da oitiva da testemunha Janete, o magistrado foi categórico ao afirmar que “o terreno da casa ninguém está discutindo aqui” (06’55”), fala que gerou confusão na própria testemunha, ensejando ao MMº Juiz de Direito explicar que a pretensão da autora é quanto a uma fração maior que ela afirma ter recebido, momento no qual a testemunha foi taxativa em afirmar que disso não tinha ciência e concluiu que a doação que tem conhecimento é da área onde foi construída a casa (06’55” a 8’40”)” (Evento 15, E2).
Assim, vênia entendimento contrário, dos pedidos da autora não se vê preenchidos os requisitos contidos no art. 1238, do CC, não havendo se falar em direito à aquisição da propriedade pela usucapião, razão pela qual devem ser julgados improcedentes os pedidos formulados na exordial.
No que tange ao pleito alternativo de “[…] que ao menos seja reconhecida como área usucapida o local onde está a casa da Apelante e seu entorno com mínimas medidas para escrituração na área urbana do Município de Aurora que é de 360,00 metros quadrados por ser o mínimo e elementar do direito da apelante”, não se conhece, pois evidente a inovação recursal.
Mudando-se o que deva ser mudado:
1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ.ALEGADA A AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO. ACOLHIMENTO. RÉ QUE DEFENDE QUE IMÓVEL USUCAPIENDO FOI-LHE DESTINADO QUANDO DO DIVÓRCIO COM EX-CÔNJUGE, PROPRIETÁRIO REGISTRAL. APESAR DAS VERSÕES CONFLITANTES APRESENTADAS PELAS PARTES, JUNTADA DE DIVERSOS DOCUMENTOS QUE COLOCAM EM DÚVIDA A ÁREA DO IMÓVEL ALEGADA PELA AUTORA E DEMONSTRAM O EXERCÍCIO DE POSSE PELA RÉ. AUTORA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO SEU ÔNUS PROBATÓRIO ACERCA DO FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO (ART. 373, INCISO I, DO CPC). RÉ, POR OUTRO LADO, QUE DEMONSTROU A EXISTÊNCIA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DA AUTORA (ART. 373, INCISO II, DO CPC). SENTENÇA REFORMADA PARA JULGAR IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS. RECURSO PROVIDO.ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO DA RÉ CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0300010-11.2018.8.24.0029, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Joao Marcos Buch, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 10-10-2023).
2) CIVIL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – REQUISITOS NÃO SATISFEITOS – ANIMUS DOMINI – INOCORRÊNCIAO reconhecimento do direito à aquisição da propriedade pela via da ação de usucapião extraordinária fica na dependência de o postulante demonstrar satisfatoriamente os requisitos determinados no art. 1.238, parágrafo único, do Código Civil: posse mansa e pacífica, com ânimo de dono, por 15 anos ou por 10 anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual ou realizado obras e serviços de caráter produtivo.Ausente a comprovação pelo usucapiente do exercício de posse com animus domini sobre o local vindicado, afigura-se inviável o reconhecimento do instituto, de modo que há de ser julgado improcedente o pedido. (TJSC, Apelação n. 0300140-25.2019.8.24.0042, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 10-10-2023).
+ Quem mora de favor pode pedir usucapião?
Por outro lado, a despeito da improcedência do pedido, desnecessária a condenação da autora em litigância de má-fé. Isto porque, no ponto, não há provas nos autos da existência de intenção deliberada de utilização do processo para prejudicar a parte recorrida. Não se verificam quaisquer das hipóteses previstas nos arts. 77 e 80 do CPC/2015, uma vez que o fato principal arguido pela parte apelante – declaração de domínio sobre o imóvel matriculado sob o n. 48.333 -, apesar de não ter se confirmado, não justifica, por si só, a aplicação de multa. Aliás, consoante explanou a douta PGJ, verbis: “[…] De outro norte, a partir da instrução processual do feito, tem-se que transparece mais uma dificuldade e confusão para delimitar a controvérsia do que necessariamente má-fé da autora, porquanto ainda que seja incontroverso que o imóvel de matrícula nº 48.333 é de propriedade de terceiro, também é incontroverso que a área sobre a qual aquela construiu sua casa é de posse mansa e pacífica. Nesta linha, aventou-se muito sobre a exclusão da sua área para não inclui-la na matrícula em questão, tese passível de análise e diretamente relacionada com a propriedade em si do imóvel”.
Logo, a sentença de piso merece reparo somente no tocante à condenação da apelante por litigância de má-fé. Mantida, por outro lado, a distribuição da sucumbência tal como estipulada em primeira instância.
Por fim, passa-se à análise da incidência, ou não, da fixação da verba honorária recursal estatuída no art. 85, §§ 1º e 11, do Código de Processo Civil.
Sobre a questão, Elpídio Donizete leciona que:
“Se o processo estiver em grau de recurso, o tribunal fixará nova verba honorária, observando os mesmos indicadores dos §§ 2º a 6º. De todo modo, o tribunal não poderá ultrapassar os limites previstos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento. Exemplo: fixação de 10% na sentença, 5% na apelação e 5% no recurso especial. Havendo recurso extraordinário, o STF não poderá elevar a verba, porquanto a fixação já atingiu o limite de 20%. Assim, se em primeiro grau já foi fixado o limite (20%), não há falar em majoração” (Novo Código de Processo Civil Comentado / Elpídio Donizetti – 3. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 79).
Urge se acrescente, ainda, ser necessário, para tanto, o preenchimento cumulativo dos requisitos especificados pelo Superior Tribunal de Justiça para o arbitramento da referida verba. Veja-se:
1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”;
2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente;
3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;
4. não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido;
5. não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo;
6. não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba (STJ, Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1357561/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 4-4-2017, DJe 19-4-2017).
+ Usucapião: qual documento é considerado “justo título”
Tendo por norte tais premissas, portanto, inviável o arbitramento dos honorários recursais no presente caso, eis que não configurados os supra mencionados pressupostos autorizadores da medida, pois parcialmente provido o recurso.
Ante o exposto, voto por se conhecer em parte do recurso e, nesta extensão, dar-lhe parcial provimento.
Documento eletrônico assinado por FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4197310v31 e do código CRC 3eb5ff4f.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUMData e Hora: 30/11/2023, às 16:26:45
Apelação Nº 0304064-76.2017.8.24.0054/SC
+ Quando ocorre a perda da posse?
RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM
APELANTE: LOURDES DOS SANTOS ADVOGADO(A): FABIANA DOS SANTOS LINHARES (OAB SC015095) APELADO: JOSE DUARTE DA SILVA ADVOGADO(A): ALINE GREISEL SANTANA (OAB SC034273) APELADO: ANELISE WARMLING DA SILVA ADVOGADO(A): ALINE GREISEL SANTANA (OAB SC034273)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL QUE EM NADA CONTRIBUIRIA PARA O DESFECHO DA CONTROVÉRSIA. MÉRITO. AUTORA POSSUIDORA DE IMÓVEL EM TERRENO LIMÍTROFE AO QUE BUSCA USUCAPIR. AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA DO EXERCÍCIO DA POSSE DO TERRENO AO LADO DO SEU. REQUISITOS DO ART. 1.238, DO CC, NÃO PREENCHIDOS. SENTENÇA MANTIDA. PEDIDO ALTERNATIVO DE RECONHECIMENTO DA USUCAPIÃO DO LOCAL ONDE ESTÁ FIXADA SUA CASA. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOMENTE NO QUE TANGE À LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA DE INTENÇÃO DELIBERADA DE UTILIZAÇÃO DO PROCESSO PARA PREJUDICAR A PARTE CONTRÁRIA. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, se conhecer em parte do recurso e, nesta extensão, dar-lhe parcial provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Florianópolis, 30 de novembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4197311v7 e do código CRC 260d9bbc.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUMData e Hora: 30/11/2023, às 16:26:45
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/11/2023
Apelação Nº 0304064-76.2017.8.24.0054/SC
RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM
PRESIDENTE: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM
PROCURADOR(A): PAULO RICARDO DA SILVA
APELANTE: LOURDES DOS SANTOS ADVOGADO(A): FABIANA DOS SANTOS LINHARES (OAB SC015095) APELADO: JOSE DUARTE DA SILVA ADVOGADO(A): ALINE GREISEL SANTANA (OAB SC034273) APELADO: ANELISE WARMLING DA SILVA ADVOGADO(A): ALINE GREISEL SANTANA (OAB SC034273)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 30/11/2023, na sequência 71, disponibilizada no DJe de 13/11/2023.
Certifico que a 1ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 1ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, SE CONHECER EM PARTE DO RECURSO E, NESTA EXTENSÃO, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM
Votante: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUMVotante: Desembargador SILVIO DAGOBERTO ORSATTOVotante: Desembargador EDIR JOSIAS SILVEIRA BECK
HUMBERTO RICARDO CORSOSecretário
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTESRessalva – Gab. 02 – 1ª Câmara de Direito Civil – Desembargador EDIR JOSIAS SILVEIRA BECK.Com ressalva quanto à pertinência da multa por exercício de má-fé, dada a clareza da prova produzida, acompanho o mui digno Relator.
Fonte: TJSC
Leia também
+ Usucapião: qual documento é considerado “justo título”
+ Usucapião ou adjudicação compulsória?
+ Aquisição da posse: modo originário e derivado
Imagem Freepik