Usucapião de bem móvel

Usucapião de bem móvel: tendo por norte o disposto no art. 1.267 do Código Civil, que delimita que a propriedade de bens móveis se transfere com a tradição, nota-se que o autor já é, segundo alega, proprietário do veículo, sendo a ação de usucapião absolutamente desnecessária para o atendimento do seu intento.

Processo: 0022921-71.2009.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Haidée Denise Grin
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 01/02/2024
Classe: Apelação

Apelação Nº 0022921-71.2009.8.24.0008/SC

RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN

APELANTE: ODILO SEVERINO BACK (AUTOR) ADVOGADO(A): CLÓVIS DARRAZÃO (OAB SC013037) ADVOGADO(A): GIANCARLO DEL PRÁ BUSARELLO (OAB SC012247) APELADO: DYNAMIS TRANSPORTES LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): GEAZI DE OLIVEIRA VIEGAS (OAB SC040385) APELADO: EDE ILSON CONSTANCIO (RÉU) ADVOGADO(A): UDELSON SOARES (OAB SC009389)

RELATÓRIO

Odílio Severino Back ajuizou esta ação de usucapião em face de Dynamins Transportes Ltda. e Ede Ilson Constancio perante a 1ª Vara da Fazenda Pública e Registros Públicos da comarca de Blumenau.
Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, extraio do relatório da sentença recorrida (Evento 138, da origem) que o autor alegou “em resumo, que detém a posse do veículo Mercedes Benz L 1113, ano e modelo 1978, placas MAQ 1810 desde o ano de 2000, sem, contudo, possuir o registro perante o órgão de trânsito competente. Asseverou que sua posse jamais foi contestada. Postulou a concessão de tutela provisória para determinar o registro do veículo perante a autoridade de trânsito. Requereu a procedência do pleito para declarar o domínio do autor sobre o veículo”.
Após o oferecimento de contestação por negativa geral pelo curador do réu revel, o MM Juiz de Direito Bernardo Augusto Ern proferiu sentença julgando extinto o feito sem resolução de mérito, ante a falta de interesse de agir na modalidade adequação, na forma do art. 485, VI, do Código de Processo Civil. Além disso, condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais, suspensa, contudo, a exigibilidade diante da gratuidade judiciária concedida em seu favor; por fim, fixou ao curador especial nomeado ao réu revel honorários no importe de R$ 1.072,03 (evento 138, na origem).
Irresignado, o autor interpôs o presente apelo (Evento 149, da origem). 
Nas suas razões recursais, sustentou que, conforme consta do registro do veículo perante o Detran catarinense, o caminhão encontra-se em nome da recorrida Dynamis Transportes Ltda.; neste sentido, o autor tem interesse de agir, pois pretende obter o reconhecimento da propriedade do veículo em seus registros legais e formais, inclusive perante o órgão de trânsito. Pugnou pelo conhecimento e provimento do apelo, com reforma da sentença, conferindo procedência ao pleito declaratório.
Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Américo Bigaton, opinou pela inexistência de interesse público a tutelar (Evento 10).
Vieram conclusos.
Este é o relatório.

+ É possível usucapião de automóvel ou de outro bem móvel?

VOTO

Inicialmente, registra-se que esta Relatora não desconhece a existência de outros feitos mais antigos em seu acervo, de modo que a apreciação deste recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no artigo 12, caput, do Código de Processo Civil, mas configura estratégia de gestão para enfrentamento em bloco das lides que versam sobre temáticas similares, tendo em vista o grande volume de ações neste grau recursal.
Preenchidos os demais requisitos extrínsecos/intrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.
Trata-se de recurso de apelação cível interposto por  Odílio Severino Back em face da sentença prolatada pelo Magistrado a quo que julgou extinto o feito sem resolução do mérito, ante a falta de interesse de agir na modalidade adequação, forma do art. 485, VI, do Código de Processo Civil. 
Infere-se dos autos que o apelante propôs esta ação de usucapião visando o reconhecimento da aquisição do domínio do caminhão Mercedes Benz L 1113, ano e modelo 1978, placas MAQ-1810. Para o demandante, persiste o interesse de agir, sobretudo por que a sentença de procedência, ao declarar a aquisição da propriedade do veículo, oportunizará a transferência do automóvel para seu nome perante os cadastros administrativos do Departamento de Trânsito (Detran) de Santa Catarina. 
É cediço que o manejo da ação de usucapião é modo de aquisição originária da propriedade através do exercício prolongado da posse e de outros requisitos legais.

+ Transportadora vence ação de usucapião de caminhão


Sobre o assunto, colhe-se da doutrina de Antonio Carlos Marcato:  
É modo originário de aquisição de domínio particular, pois inexiste vinculação entre o atual e o antigo proprietário do bem usucapido, vale dizer, ‘não há qualquer relação jurídica de causalidade entre o domínio atual e o estado jurídico anterior’, diversamente do que ocorre nos modos derivados de aquisição, em que existe essa relação de causalidade entre o domínio do adquirente e do alienante, representado por um fato jurídico” (MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 165).   
Sendo assim, para o sucesso da ação de usucapião, importa verificar o modo em que se deu a aquisição do bem e, nesse ponto, reside a controvérsia da presente demanda.   
Como bem afirmou o autor ao tempo da propositura desta ação, o caminhão foi adquirido da empresa demandada, estando na posse do demandante pelo menos desde os idos de 2000 (evento 124, item 1, fl. 3), 
Diante do conjunto fático-probatório constante dos autos, o Magistrado Singular entregou antecipadamente a prestação jurisdicional, concluindo que a propriedade já está consolidada em mãos do recorrente. Veja-se:
Assim, tendo por norte o disposto no art. 1.267 do Código Civil, que delimita que a propriedade de bens móveis se transfere com a tradição, nota-se que o autor já é, segundo alega, proprietário do veículo, sendo a ação de usucapião absolutamente desnecessária para o atendimento do seu intento.
Com efeito, agiu acertadamente Sua Excelência ao relembrar que, cuidando o objeto desta lide de um bem móvel, a sua propriedade é transmitida por meio da tradição.   
Não se desconhece o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no precedente REsp n. 1.582.177/RJ, da relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 25-10-2016, que concluiu haver “interesse de agir para propor ação de usucapião extraordinária aquele que tem a propriedade de veículo registrado em nome de terceiros nos Departamentos Estaduais de Trânsito competentes”.
Contudo, na hipótese, a busca pela retificação do prontuário do caminhão perante o órgão de trânsito catarinense pode e deve demandar o manejo de lide diversa da usucapião, a qual não se presta para tanto.
No mesmo sentido, deste Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL. SENTENÇA DE EXTINÇÃO, FUNDADA NO ART. 485, INCISO VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INSURGÊNCIA DO AUTOR. VERBERADA DEMONSTRAÇÃO DO INTERESSE PROCESSUAL. INSUBSISTÊNCIA. EXEGESE DO ART. 17 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INTERESSE PROCESSUAL QUE SE DIVIDE EM NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO. INSTRUMENTO PROCESSUAL QUE SE AFIGURA INADEQUADO À SATISFAÇÃO DA PRETENSÃO ALMEJADA. NARRATIVA EXORDIAL QUE REFERE À ALIENAÇÃO DO VEÍCULO POR NEGÓCIO JURÍDICO AVENÇADO VERBALMENTE, APARENTEMENTE DE FORMA REGULAR, SEGUIDO DA RESPECTIVA TRADIÇÃO. FALECIMENTO DO ALIENANTE APÓS A ENTABULAÇÃO DO PACTO. DECLARAÇÃO DE PROPRIEDADE PELA VIA DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA QUE É DESPICIENDA. REGULARIZAÇÃO DO REGISTRO PERANTE O ÓRGÃO DE TRÂNSITO QUE PODE SER REALIZADO POR DEMANDA QUE VISE A EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL, ACASO CONTE COM A ANUÊNCIA DO ESPÓLIO OU HERDEIROS, OU DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, SE HOUVER RESISTÊNCIA. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA.HONORÁRIOS RECURSAIS. ART. 85, §§ 1º E 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESCABIMENTO. RELAÇÃO PROCESSUAL NÃO TRIANGULARIZADA. AUSÊNCIA DE ESTIPULAÇÃO NA ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJSC, Apelação n. 5025358-14.2020.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 30-03-2023).
Dadas estas premissas, não subsistem outros elementos aptos a infirmar a sentença recorrida.
Por derradeiro, não obstante o recurso do autor ter sido desprovido, descabe a fixação de honorários recursais em seu desfavor, uma vez que não foi sucumbente em primeiro grau.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar a ele provimento, mantendo-se incólume a sentença hostilizada. 

Documento eletrônico assinado por HAIDÉE DENISE GRIN, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4355430v9 e do código CRC 0bd09d35.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HAIDÉE DENISE GRINData e Hora: 1/2/2024, às 18:42:10

Apelação Nº 0022921-71.2009.8.24.0008/SC

RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN

APELANTE: ODILO SEVERINO BACK (AUTOR) ADVOGADO(A): CLÓVIS DARRAZÃO (OAB SC013037) ADVOGADO(A): GIANCARLO DEL PRÁ BUSARELLO (OAB SC012247) APELADO: DYNAMIS TRANSPORTES LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): GEAZI DE OLIVEIRA VIEGAS (OAB SC040385) APELADO: EDE ILSON CONSTANCIO (RÉU) ADVOGADO(A): UDELSON SOARES (OAB SC009389)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL (ART. 485, VI, DO CPC).
INCONFORMISMO DO AUTOR. ALMEJADA A CASSAÇÃO DA SENTENÇA SOB O ARGUMENTO DE EXISTÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. INSUBSISTÊNCIA. BEM MÓVEL. CAMINHÃO ADQUIRIDO PELO AUTOR DO PROPRIETÁRIO ASSIM REGISTRADO NO ÓRGÃO DE TRÂNSITO. PROPRIEDADE TRANSMITIDA PELA TRADIÇÃO. EXEGESE DO ART. 1.267 DO CÓDIGO CIVIL. USUCAPIÃO PROPOSTA COM O FIM DE RETIFICAR O REGISTRO ADMINISTRATIVO PERANTE O DETRAN/SC. AUSÊNCIA DE INTERESSE DO MANEJO DESTA LIDE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SENTENÇA MANTIDA. 
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

+ Usucapião extraordinária de caminhão furtado

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar a ele provimento, mantendo-se incólume a sentença hostilizada, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 01 de fevereiro de 2024.

Documento eletrônico assinado por HAIDÉE DENISE GRIN, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4355431v5 e do código CRC 59fecdb1.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HAIDÉE DENISE GRINData e Hora: 1/2/2024, às 18:42:10

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/02/2024

Apelação Nº 0022921-71.2009.8.24.0008/SC

RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN

PRESIDENTE: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE

PROCURADOR(A): NEWTON HENRIQUE TRENNEPOHL
APELANTE: ODILO SEVERINO BACK (AUTOR) ADVOGADO(A): CLÓVIS DARRAZÃO (OAB SC013037) ADVOGADO(A): GIANCARLO DEL PRÁ BUSARELLO (OAB SC012247) APELADO: DYNAMIS TRANSPORTES LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): GEAZI DE OLIVEIRA VIEGAS (OAB SC040385) APELADO: EDE ILSON CONSTANCIO (RÉU) ADVOGADO(A): UDELSON SOARES (OAB SC009389) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 01/02/2024, na sequência 164, disponibilizada no DJe de 22/01/2024.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR A ELE PROVIMENTO, MANTENDO-SE INCÓLUME A SENTENÇA HOSTILIZADA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN
Votante: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRINVotante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVAVotante: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
TIAGO PINHEIROSecretário

Fonte: TJSC

Leia também

+ Usucapião: qual documento é considerado “justo título”

+ Usucapião ou adjudicação compulsória?

+ Aquisição da posse: modo originário e derivado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima