A aquisição da posse pode se dar pelo modo originário ou derivado. Veja como funciona cada um deles…
Em qual momento ocorre a aquisição da posse
A posse é um poder e pelo que prevê o art. 1.204 do Código Civil, adquire-se a posse de um bem móvel ou imóvel desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade:
Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.
Código Civil
O Código Civil fixa o exato momento da aquisição da posse, ou seja, a possibilidade do exercício de um poder inerente ao direito de propriedade.
Momento da aquisição da posse e direito de propriedade
Note que o direito de propriedade consiste em um conjunto de poderes:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Código Civil
Usar, gozar, dispor e reaver a coisa (o bem) são poderes que formam o substrato do direito de propriedade, um direito subjetivo que o proprietário tem a faculdade ou não de exercer. Assim, se uma terceira pessoa exerce algum desses poderes, afastando o direito subjetivo do proprietário, diz-se que está de posse do poder.
Pode ser que alguém esteja apenas usando o bem (poder de usar), como no caso de uma casa para a sua moradia. Pretendendo o proprietário efetuar a venda do imóvel (poder de dispor) e o ocupante, de forma inequívoca, afirmar que permanecerá na posse do imóvel (poder de usar), em tese, resta configurado o exercício do poder de usar pelo ocupante.
Momento da aquisição da posse e relações familiares
É comum ocorrer a situação acima descrita em relações familiares, revelando um contrato de comodato, mas pode, de igual forma, e dependendo da atitude do proprietário, configurar uma inversão do caráter originário da posse, gerando direito à usucapião.
A este respeito, saiba mais acessando o post Comodato: herdeiros podem retomar imóvel de quem “mora de favor”.
Momento da aquisição da posse e usucapião
Como visto, o momento da aquisição da posse é sobretudo relevante para a contagem do tempo para a usucapião, cujo prazo pode variar entre 2 e 15 anos.
Para saber mais acerca do tempo de posse para usucapião de um bem imóvel, acesse o post Qual o tempo de posse para usucapião de um imóvel
É possível também a usucapião de bens móveis, como no caso de veículos.
Já sabemos o “momento” da aquisição da posse.
Resta saber “como” se adquire a posse.
Vamos adiante…
Quais os modos de aquisição da posse
A aquisição da posse de uma coisa móvel ou imóvel se dá de dois modos:
(i) pelo modo originário e (ii) pelo modo derivado.
Vejamos, então, como funciona cada um deles.
Aquisição da posse pelo modo originário
Quando se adquire a posse de um bem móvel ou imóvel pelo modo originário, o possuidor não a recebe de quem quer que seja. Diz-se, assim, que não existe translatividade.
Na aquisição originária da posse, não há transferência da posse de um possuidor a outro, já que a sua aquisição se dá de forma unilateral, bastando a mera apreensão da coisa pelo possuidor.
Dessa forma, pelo modo originário, a aquisição da posse não depende da concordância (expressão de vontade) de uma outra pessoa.
Consequência da aquisição da posse pelo modo originário
Como consequência da aquisição da posse pelo modo originário, o possuidor não herda quaisquer vícios apresentados na posse anterior, tendo em conta, como salientado, a aquisição da posse se dar de forma unilateral e sem translatividade. Um exemplo de aquisição da posse pelo modo originário é a apreensão da coisa pelo possuidor que, em síntese, consiste na apropriação de coisa que não possui proprietário, a chamada res nullius.
Como exemplos de res nullius temos a (i) coisa abandonada (lixo, entulho, detrito), (ii) a disponível à apropriação na natureza (pescado, lenha, flores), respeitada as normas do meio ambiente.
No caso de bens imóveis, a apreensão se dá pela ocupação para uso do bem.
Aquisição da posse pelo modo derivado
Ao contrário do modo originário, se a aquisição da posse se der pelo modo derivado, o adquirente vai recebê-la com todos os vícios ora existentes nas mãos do transmitente.
Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida.
Código Civil
Quanto o legislador fala em caráter da posse, refere-se principalmente às qualidades que a posse detinha no momento da sua aquisição: se a posse foi adquirida de boa-fé; se é ou não uma posse justa.
Vamos então a um exemplo!
Aquisição da posse x caráter da posse
A realidade fundiária do nosso país, onde um sem número de terrenos não consta matriculado em Cartório de Registro de Imóveis, faz sobretudo com que seja comum a compra e venda da posse para, em um segundo momento, o comprador efetuar a regularização da propriedade pela usucapião.
Nesses casos, o comprador deve dar atenção não só ao tempo em que vendedor exerce a posse sobre o imóvel, mas igualmente ao modo que se deu a sua aquisição originária.
Dependendo de como se deu a aquisição da posse pelo vendedor, pode haver surpresas e o comprador ter dificuldades para a regularização da propriedade, já que a aquisição da posse pode ter algum vício; tratar-se de mera detenção, ou decorra de um contrato, ainda que verbal, de comodato.
Lembre-se que, pelo modo derivado, o novo possuidor responde pelos vícios existentes na posse anterior, tomando importância o caráter da aquisição da posse pelo possuidor anterior!
Acerca do caráter da aquisição da posse, leia o post Usucapião: pode haver alteração do caráter originário da posse? para saber mais.
Aquisição da posse: modo originário e derivado
Se a aquisição da posse se deu pelo modo originário – unilateralmente e sem translatividade – não haverá necessidade do posseiro discutir a qualidade da posse exercida por eventual posseiro anterior, isto é, pouco importa se a posse pretérita era de má-fé ou injusta.
No entanto, se a aquisição da posse se der pelo modo derivado, o caráter da posse anterior se torna relevante.
A aquisição derivada da posse reconhece o exercício de uma posse anterior, cuja transmissão, ao adquirente, se dá por intermédio de um título jurídico e com a anuência do possuidor.
Há bilateralidade e translatividade na aquisição derivada da posse, sendo assim, os vícios apresentados na posse anterior maculam a posse atual.
Modo derivado de aquisição da posse x negócio jurídico
Pelo modo derivado de aquisição, a posse decorre de um negócio jurídico, sendo necessário estarem presentes os requisitos para a sua validade, previstos no art. 104 do Código Civil, são eles:
(i) agente capaz;
(ii) objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
(iii) forma prescrita ou não defesa em lei.
Se não estiverem presentes os requisitos para a validade do negócio jurídico, poderá haver a anulação do negócio ou, até mesmo a sua nulidade.
Assim, se o negócio jurídico for inválido, a aquisição da posse, pelo modo derivado, também será.
Cuidados ao comprar uma posse
Daí a importância de se averiguar com cuidado as qualidades do transmitente e da posse exercida.
Não basta constatar que o posseiro esteja na posse do imóvel devendo, para evitar surpresas indesejáveis, se levar em conta:
(i) o tempo exercido de posse;
(ii) se a posse é mansa e pacífica e sem contestação;
(iii) a forma de aquisição da posse da coisa móvel ou imóvel.
Aquisição da posse e invalidade do negócio jurídico
Mesmo ser for inválido o negócio jurídico, em determinados casos, pode ocorrer a regularização da posse caso transcorra tempo bastante para usucapir o bem.
A aquisição da propriedade de bens móveis se dá pela tradição e a de bens imóveis ocorre pela transcrição.
A transcrição é um ato solene, realizado perante o Cartório de Registro de Imóveis (CRI), onde o registrador lança à margem da matrícula do imóvel a propriedade do imóvel com base em um título (p. ex. escritura pública de compra e venda).
Dessa forma, só é proprietário de um bem imóvel quem constar na matrícula do imóvel do CRI.
Para aquisição da propriedade imobiliária, não basta a escritura pública, pois deve haver a sua averbação na matrícula.
Somente após a transcrição – registro da escritura à margem da matrícula – é que haverá a aquisição da propriedade sobre o imóvel.
Uma forma de aquisição originária do direito de propriedade é a usucapião.
No caso do negócio jurídico ser inválido, pode não ocorrer a perda da posse quando transcorrido tempo necessário – e demais requisitos – da usucapião.
Um bom exemplo é o contrato firmado por pessoa incapaz ou relativamente capaz.
Mesmo que o contrato seja inválido, se o adquirente não tem conhecimento desse fato, ainda assim resta caracterizado um justo título, servindo como documento para usucapião.
Aquisição derivada da posse e tradição
A tradição é um exemplo de aquisição derivada da posse sobre coisas e pressupõe um acordo de vontades a título oneroso, como na compra e venda, ou a título gratuito, como na doação.
A tradição é o ato mais frequente de aquisição de posse.
Na tradição, não há necessidade de uma declaração expressa de vontade do transmitente, sendo suficiente a intenção de transferir, com a entrega da coisa ao poder do adquirente, para que haja a aquisição da posse.
Espécies de tradição
Há três espécies de tradição:
– efetiva ou material;
– a simbólica ou ficta e a
– consensual.
Tradição efetiva ou material
A tradição efetiva ou material é a que se dá com a entrega real da coisa. É o caso do vendedor que passa ao comprador a coisa vendida em uma loja.
A tradição se trata de um ato bilateral, se manifestando através do ato da entrega material da coisa em si, ou sua possível transferência.
A tradição é a forma mais frequente de aquisição da posse.
Tradição simbólica ou ficta
Na tradição simbólica ou ficta há a substituição da entrega material da coisa por um ato que presume o propósito de transmitir a posse. Pela tradição simbólica ou ficta é realizado um ato que presume a alienação. A entrega das chaves de um apartamento que foi adquirido, é um exemplo de tradição simbólica ou ficta.
Tradição consensual
Há duas formas de tradição consensual:
– a traditio longa manu e
– a traditio brevi manu.
Em determinados casos, não é preciso que o adquirente “ponha a mão na própria coisa” para ser tido como possuidor; basta que ela esteja à sua disposição. É o caso da tradição longa manu.
Por sua vez, na tradição brevi manu, a pessoa já tem a coisa sobre a sua posse quando adquire o domínio, como no caso da aquisição da coisa pelo locatário ou pelo depositário, sendo necessário, dessa forma, a devolução da coisa ao antigo dono para que se faça a entrega ao adquirente pela tradição real.
Aquisição derivada da posse e constituto possessório
O constituto possessório (art. 1.267, parágrafo primeiro) ou cláusula constituti, funciona exatamente ao contrário da traditio brevi manu.
O locatário não precisa devolver o imóvel ao locador quando compra o imóvel (traditio brevi manu), já que a tradição é “breve”, e a transferência já se dá no momento da compra e venda do imóvel, consolidando a posse direta e indireta na pessoa do novo proprietário.
Para saber sobre posse direta e indireta, acesse o post O que é posse direta e indireta.
No constituto possessório, por sua vez, o possuidor de um bem, que o possui em nome próprio, passa a possui-lo em nome alheio.
É o que ocorre quando o proprietário vende uma coisa, mas continua a possui-la por alguma razão de direito (arrendamento, comodato, depósito etc.), havendo, portanto, o desdobramento da posse em posse direta e posse indireta.
Para o constituto possessório são necessários dois atos jurídicos:
(i) um ato de transferência da posse de um possuidor antigo a um novo possuidor, e outro;
(ii) de conservação da posse pelo antigo possuidor em nome do novo adquirente (reserva de usufruto, locação etc).
Aquisição derivada da posse e acessio possessionis
Na acessio possessionis, a posse é transmitida da pessoa do antecessor para a do sucessor.
É o que acontece na sucessão mortis causa (sucessão universal) onde a coisa é transmitida da pessoa falecida para seus herdeiros.
Por se tratar a acessio possessionis de um modo derivado de aquisição da posse, os bens transmitidos na sucessão mortis causa guardam os mesmos vícios que possuíam quando da posse anterior.
Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
Código Civil
A sucessão pode também se dar a título singular, como no caso da doação ou da dação em pagamento, onde a posse representa um fato novo.
Na sucessão a título singular, é possível ao adquirente unificar o tempo de posse, somando à sua, a posse exercida pelo antecessor.
Na sucessão a título universal, os herdeiros herdam necessariamente os vícios apresentados na posse anterior exercida pelo de cujus.
A sucessão a título singular é um modo derivado de aquisição de posse, no entanto, o sucessor não é obrigado a somar a posse anterior à sua, evitando os efeitos dos vícios apresentados na posse anterior.
Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
Código Civil
Quem pode adquirir a posse
O art. 1.205, do Código Civil, dispõe que a posse sobre determinada coisa pode ser adquirida por intermédio de representante:
Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:
I – pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;
II – por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação
Código Civil
No caso da aquisição por terceiro, o qual não possua mandato outorgado, o Código faculta a possibilidade de ratificação do ato de aquisição.
Atos que não geram posse
O art. 1.208, do Código Civil, prevê as hipóteses em que a posse não é caracterizada. Nesses casos, ocorre a mera detenção sobre a coisa:
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
Código Civil
Compreende-se como “mera permissão” a permissão expressa, concedida por escrito, ou a que, por algum meio de prova, for demonstrada que foi concedida. Em algum momento o proprietário escreveu ou disse: “Eu permito que você more no imóvel”.
A tolerância acontece de forma tácita, porém sempre em razão de uma boa justificativa, fazendo com que o proprietário se cale e nada faça frente ao fato de que alguém passou a ocupar o seu imóvel.
Atos de violência ou atos clandestinos não induzem a posse da coisa enquanto não chegarem a um final.
Significa dizer que, passada a violência, ou conhecido o ato clandestino pelo possuidor, a posse injusta pode ser desprezível autorizando inclusive a aquisição da propriedade pela usucapião.
Presunção de posse de bens móveis
Seguindo o princípio de que o acessório segue o principal, o art. 1.209 estabelece a presunção de que a posse das coisas móveis acompanham a posse do bem imóvel:
Art. 1.209. A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem.
Código Civil
Como expresso no dispositivo, nestas circunstâncias, a posse das coisas móveis trata-se de presunção relativa, admitindo prova em contrário.
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