Usucapião: imóvel integra área maior

Usucapião: imóvel integra área maior. Aplica-se à hipótese, o entendimento de cabimento excepcional da propositura de ação usucapião, quando impossível ou excessivamente difícil o registro da propriedade com base no instrumento contratual apresentado.

Processo: 5005643-80.2021.8.24.0030 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alexandre Morais da Rosa
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Oitava Câmara de Direito Civil
Julgado em: 12/12/2023
Classe: Apelação

+ Usucapião ou adjudicação compulsória?

Apelação Nº 5005643-80.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

APELANTE: DAVID ANSELMO DE SOUZA (AUTOR) APELANTE: DENISE BARROS CAPAVERDE DE SOUZA (AUTOR) APELADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Imbituba

+ Qual o tempo de posse necessário para a usucapião de um imóvel

RELATÓRIO

+ É possível usucapião de automóvel ou de outro bem móvel?

Trata-se de recurso de apelação em que figuram como apelantes DAVID ANSELMO DE SOUZA e DENISE BARROS CAPAVERDE DE SOUZA, interposto contra sentença proferida pelo juízo de origem nos autos n. 50056438020218240030.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processual [CR, art. 5º, inciso LXXVIII], adoto o relatório da sentença como parte integrante deste acórdão, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:

+ Usucapião: alteração do caráter originário da posse

DENISE BARROS CAPAVERDE DE SOUZA e DAVID ANSELMO DE SOUZA ajuizaram a presente “ação de usucapião” objetivando a aquisição do título de propriedade do imóvel descrito na exordial. 
Alegaram que exercem mansa e pacificamente, sem contestação, a posse do imóvel, embasada em justo título e boa-fé, há mais de 15 anos, possuindo-o com animus domini.
Juntaram procuração e documentos.
No decorrer do processamento do feito, remetidos os autos ao Ministério Público, este pugnou pela extinção do processo em razão da inviabilidade da pretensão pela via eleita.
A parte autora, intimada, alegou inexistência de relação jurídica entre ela e o proprietário registral e a ausência de certeza de que o imóvel está inserido em área matriculada.
Vieram-me os autos conclusos. 
Sentença [ev. 21]: julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, com fundamento na impossibilidade jurídica do pedido [CPC, art. 485, VI].
Razões recursais [ev. 34]: requer a parte apelante [a] a cassação da sentença, para que os autos retornem ao primeiro grau para prosseguimento; [b] o prequestionamento da matéria.
Dispensada a intimação para contrarrazões, porque não consta parte apelada nos autos.
Ministério Público [ev. 16]: opinou, neste grau recursal, pela cassação da sentença e pelo retorno dos autos à origem.
É o relatório.

+ O que é posse de boa-fé?

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por DAVID ANSELMO DE SOUZA e DENISE BARROS CAPAVERDE DE SOUZA contra sentença que julgou extinta, sem resolução de mérito, a ação de usucapião ajuizada pelos apelantes.

+ O que é posse justa?

1. ADMISSIBILIDADE
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
2. MÉRITO
A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, pela qual a pessoa que exerce a posse prolongada adquire o domínio do bem, diversamente à transmissão por meio de um negócio jurídico [aquisição derivada].
Nesse viés, a ação de usucapião não pode servir de atalho à discussão de possível inexecução contratual entre vendedor e comprador [obrigação de regularização registral], com a consequente modificação da natureza por meio da qual a propriedade foi adquirida.
A hipótese em questão, contudo, reveste-se de peculiaridades.
O pretendido imóvel integra área maior, matriculada no Registro de Imóveis de Laguna em nome de Francisco Antonio [ev. 14.6]. Segundo consta nos autos, os apelantes celebraram contrato particular de compra e venda em 2021 para aquisição do imóvel de Valdir de Carvalho, o qual teria adquirido o bem de Rubens Fernandes Kuhn Júnior e Daniela Bernardino Carvalho Kuhn no ano de 2017; estes, a seu turno, teriam adquirido o imóvel de Viviani Bueno dos Reis, em 2015, cujo contrato faz menção à precedente aquisição do proprietário registral [ev. 1.6].
Diante da inexistência de vínculo jurídico direto e imediato entre a apelante e o proprietário registral, não há como considerar demonstrada a aquisição derivada da propriedade, remanescendo, portanto, o enquadramento como aquisição originária.
Aplica-se à hipótese, aliás, o entendimento de cabimento excepcional da propositura de ação usucapião, quando impossível ou excessivamente difícil o registro da propriedade com base no instrumento contratual apresentado [conforme amplamente aceito na jurisprudência, a exemplo de: TJSC, Apelação n. 5001268-76.2022.8.24.0070. Relator: Des. Eduardo Gallo Jr. Sexta Câmara de Direito Civil. Julgada em: 10.10.2023]. 
Em caso recente e similar, assim decidiu esta Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR, DECORRENTE DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. RECURSO DOS AUTORES. POSSE DO IMÓVEL USUCAPIENDO RECEBIDA DE TERCEIROS, SEM RELAÇÃO COM OS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS. AQUISIÇÃO, EM TESE, ORIGINÁRIA DOS DIREITOS POSSESSÓRIOS. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO DO PROCESSO PARA VERIFICAÇÃO CONCRETA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO PROVIDO. [TJSC. Apelação n. 0001370-33.2012.8.24.0104. Relator: Des. Alex Heleno Santore. Oitava Câmara de Direito Civil. Julgada em: 10.10.2023].
De outras Câmaras deste Tribunal, também cita-se:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, COM FUNDAMENTO NO ART. 485, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AUTORA. ALEGADA CONFIGURAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO VISANDO A AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE PELA PRESCRIÇÃO. SUBSISTÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL FIRMADO ENTRE OS REQUERENTES E TERCEIROS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DIRETA COM O PROPRIETÁRIO REGISTRAL. ADOÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA PROCESSUAL E AJUIZAMENTO DE DUPLICIDADE DE AÇÕES VISANDO O MESMO OBJETIVO – AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. NECESSÁRIA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA PARA SE AVERIGUAR O PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA POSSE. “Os precedentes mais recentes acerca da temática têm permitido considerar, mesmo nas hipóteses de aquisição derivada da propriedade, que a ocupação há muito consolidada de determinada área, de sorte a preencher os requisitos da aquisição do domínio pela usucapião, pode ser buscada nesta via. É o caso, por exemplo, em que se revelar difícil ou impossível dar seguimento à obtenção do registro da propriedade com base no contrato de compra e venda por eventuais dificuldades apresentadas no caso concreto (REsp n. 1818564/DF, Min. Moura Ribeiro)” (AC n. 5001977-43.2021.8.24.0007, Des. Luiz César Medeiros). SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. [TJSC, Apelação n. 0300176-46.2017.8.24.0104. Relator: Des. José Agenor de Aragão. Quarta Câmara de Direito Civil. Julgada em: 16.03.2023].
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECONHECIMENTO DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR E INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INSURGÊNCIA DO AUTOR. PLEITO DE CASSAÇÃO DO DECISUM. ACOLHIMENTO. JULGADO DE PRIMEIRO GRAU QUE CONCLUIU A OCORRÊNCIA DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. INSUBSISTÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL FIRMADO ENTRE O REQUERENTE E TERCEIROS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DIRETA COM A PROPRIETÁRIA REGISTRAL OU SUPOSTA HERDEIRA. INEXISTÊNCIA DE AQUISIÇÃO DERIVADA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. [TJSC, Apelação n. 5002913-58.2021.8.24.0075. Relator: Des. Jairo Fernandes Gonçalves. Quinta Câmara de Direito Civil. Julgada em: 24.05.2022].
Assim, a sentença merece ser desconstituída, determinando-se o regular prosseguimento do feito, com o retorno aos autos à origem, porquanto a causa ainda não se encontra madura para julgamento.

+ Usucapião: requisitos e documentos necessários

3. PREQUESTIONAMENTO
Quanto ao prequestionamento, o art. 1.025 do Código de Processo Civil dispensa a menção expressa a dispositivo constitucional para fins de interposição de recurso às Cortes Superiores.
4. HONORÁRIOS RECURSAIS
Desconstituída a sentença, incabível a fixação de honorários recursais.
5. DISPOSITIVO
Por tais razões, voto por conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, Juiz de Direito de Segundo Grau, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4216394v8 e do código CRC ed14e8e6.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALEXANDRE MORAIS DA ROSAData e Hora: 12/12/2023, às 18:20:11

Apelação Nº 5005643-80.2021.8.24.0030/SC

+ Emprestei um imóvel e a pessoa não quer mais sair. O que fazer?

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

APELANTE: DAVID ANSELMO DE SOUZA (AUTOR) APELANTE: DENISE BARROS CAPAVERDE DE SOUZA (AUTOR) APELADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Imbituba

EMENTA

USUCAPIÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO [CPC, ART. 485, VI]. RECONHECIDA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. RECURSO DOS AUTORES. IMÓVEL ADQUIRIDO DE TERCEIROS POR MEIO DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA DIRETA E IMEDIATA ENTRE A USUCAPIENTE E O TITULAR DO DIREITO DE PROPRIEDADE. INEXISTÊNCIA DE AQUISIÇÃO DERIVADA. CABIMENTO EXCEPCIONAL DA USUCAPIÃO. CASO DE IMPOSSIBILIDADE OU EXCESSIVA DIFICULDADE DE REGISTRO COM BASE NO INSTRUMENTO CONTRATUAL APRESENTADO NA INICIAL. CASSAÇÃO DA SENTENÇA. CAUSA NÃO MADURA. RETORNO AO PRIMEIRO GRAU PARA PROSSEGUIMENTO. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE MENÇÃO EXPRESSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO À SUPREMA CORTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.025 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO PROVIDO.
1. A usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, pela qual a pessoa que exerce a posse prolongada adquire o domínio do bem, diversamente à transmissão por meio de um negócio jurídico [aquisição derivada]. 
2. Quando a pretensão tem origem em relação jurídica direta com o proprietário registral do bem, a ação de usucapião é meio inidôneo, sob pena de configurar atalho à regularização registral, com a consequente modificação da natureza por meio da qual a propriedade foi adquirida.
3. Em contrapartida, quando inexistente vínculo jurídico direto e imediato entre a parte autora e o proprietário registral, não há como considerar demonstrada a aquisição derivada da propriedade, ainda que a ação esteja embasada em instrumento contratual celebrado com terceiro, remanescendo, portanto, o enquadramento da aquisição como originária.
4. Aplicável ao caso o entendimento de excepcional cabimento da usucapião quando impossível ou excessivamente difícil o registro da propriedade com base no título apresentado.

+ Quando ocorre a perda da posse?

ACÓRDÃO

+ Usucapião: qual documento é considerado “justo título”

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, Juiz de Direito de Segundo Grau, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4216395v4 e do código CRC 02b45d38.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ALEXANDRE MORAIS DA ROSAData e Hora: 12/12/2023, às 18:20:11

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/12/2023

Apelação Nº 5005643-80.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

PRESIDENTE: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

PROCURADOR(A): MURILO CASEMIRO MATTOS
APELANTE: DAVID ANSELMO DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO(A): EDUARDO BORBA BENETTI (OAB SC018635) APELANTE: DENISE BARROS CAPAVERDE DE SOUZA (AUTOR) ADVOGADO(A): EDUARDO BORBA BENETTI (OAB SC018635) APELADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Imbituba MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 12/12/2023, na sequência 210, disponibilizada no DJe de 22/11/2023.

+ Quem mora de favor pode pedir usucapião?

Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Votante: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSAVotante: Desembargador ALEX HELENO SANTOREVotante: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
MARCIA CRISTINA ULSENHEIMERSecretária

Fonte: TJSC

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