Usucapião: exigências não previstas em lei. Não compete ao juízo de origem, por meio de ato normativo infralegal, impor a observância de requisitos não previstos em lei, dificultando o acesso à justiça e obstando a efetivação de direito constitucionalmente previsto.
Processo: 0300748-94.2018.8.24.0159 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Carlos Roberto da Silva
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 14/12/2023
Classe: Apelação
Apelação Nº 0300748-94.2018.8.24.0159/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
APELANTE: LUCILIA CORREA CARDOSO (AUTOR)
RELATÓRIO
Lucilia Corrêa Cardoso interpôs recurso de apelação contra sentença (evento 98 do processo de origem) que, nos autos da ação de ação de usucapião extraordinária, indeferiu a petição inicial e julgou o processo extinto sem resolução de mérito.
Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:
Trata-se de ação de usucapião extraordinária ajuizada por LUCILIA CORREA CARDOSO.
A parte autora foi intimada para apresentar documentos imprescindíveis para o prosseguimento da ação.
Decorrido o prazo, vieram os autos conclusos.
É o relato. (Grifos no original).
Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:
Ante o exposto, com fundamento no art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo, sem resolução do mérito.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais. Todavia, a exigibilidade de tais verbas resta suspensa, uma vez ser beneficiária da justiça gratuita.
Sem honorários advocatícios, porquanto ausente o contraditório.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se os autos. (Grifos no original).
Em suas razões recursais (evento 101 dos autos originários), a parte autora asseverou que “A ação foi instruída, os confrontantes foram devidamente citados, as Fazendas Públicas intimadas bem como, o Ministério Público e publicado o edital de citação dos alienantes, confrontantes e seus cônjuges, réus em lugar incerto e eventuais interessados, não havendo contestação ou objeção a posse exercida pelos autores” (p. 6).
Aduziu que, “após ter apresentado nos autos extensa relação de documentos, foi proferido decisão extinguindo o feito sem resolução do mérito por falta de juntada de documentos indispensáveis ao feito, entretanto, tal decisão merece ser reformada, uma vez a apelante juntou vários outros documentos e informações que individualizam e descrevem com precisão o imóvel, notadamente pela planta e memorial com coordenadas georreferenciadas” (p. 6).
Alegou que “Decisões como a atacada, com entendimento que se apoiam em fundamentos processuais que vêm impedindo a apreciação do mérito acerca da declaração do direito de propriedade efetivamente alcançado pelo cumprimento dos requisitos legais relativos à prescrição aquisitiva, restando afastado a primazia do exame do mérito no processo civil e os princípios da economia e celeridade processual” (p. 7).
Sustentou que deve ser reconhecido “o interesse de agir da Apelante e a prescrição aquisitiva em favor dos acionantes, nos moldes requeridos, face os preenchimento dos requisitos previstos na legislação de regência, situação que corrobora para a cassação da sentença” (p. 9).
Argumentou que “Os documentos solicitados pelo juízo não se tratam de documentos essenciais, muito menos servem para cumprir os requisitos da usucapião extraordinária, ainda mais o presente processo, em que o apelante juntou inúmeros documentos que cumprem os pressupostos da usucapião extraordinária, situação que poderia ser ratficada pela prova oral, em que se pese já exista as declarações de testemunhas anexadas nos autos, no entanto, por conta do costume local e por se tratar de imóvel rural, muitas vezes as partes possuem poucos documentos escritos, situação que somente a produção de prova oral testemunhal é que conferiria a elucidação dos fatos alegados e requeridos” (p. 10).
Por fim, postulou a anulação da sentença, com o retorno dos autos à origem para o regular processamento.
A Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer do Procurador de Justiça Américo Bigaton, opinou pelo conhecimento e provimento do reclamo (evento 13) e os autos vieram conclusos para julgamento.
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que indeferiu a petição inicial.
Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo interposto.
Tem-se como fato incontroverso, porque não impugnado, que o bem usucapiendo é representado por um imóvel com área de 6.715,05 m², localizado na Estrada Geral da Várzea das Canoas, s/n, Bairro Várzea das Canoas, Gravatal.
A controvérsia cinge-se em averiguar o (des)acerto da sentença que indeferiu a petição inicial e extinguiu o feito sem apreciação de mérito, e sobre tal ponto debruçar-se-á a presente decisão.
Adianta-se, desde já, que o apelo comporta acolhimento.
É sabido que havendo defeito ou irregularidade na petição inicial, o juiz deve determinar a intimação da parte autora para supri-los, sob pena de indeferimento da exordial. É o que preveem os arts. 319, 321 e 330 do CPC:
Art. 319. A petição inicial indicará:
I – o juízo a que é dirigida;
II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV – o pedido com as suas especificações;
V – o valor da causa;
VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
[…] Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.
Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial (grifo nosso).
[…]
Art. 330. A petição inicial será indeferida quando:
[…]
IV – não atendidas as prescrições dos arts. 106 e 321.
No caso em análise, o Juízo singular indeferiu a petição inicial diante do não cumprimento da decisão que determinou a intimação da parte demandante para, “no prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta dias), sob pena de extinção do processo, acostar aos autos documentos indispensáveis ao deslinde da demanda, documentos esses que foram devidamente elencados na decisão do evento 70, DESPA1” (Grifos no original – evento 98 da origem).
Infere-se do despacho do evento 70 da origem, que a Magistrada de origem determinou a intimação da parte autora para juntar aos autos:
[…] os documentos solicitados no Ofício do Registro de Imóveis de evento 65, bem ainda para que, no mesmo prazo, apresente os seguintes documentos faltantes (conforme listagem constante da Portaria n. 11/2022 deste Juízo – link http://www2.tjsc.jus.br/web/tjsc/atos-normativos-e-suspensao-de-prazos-e-expediente/armazem/portaria_2022011.pdf):
I. Descrever a origem da aquisição do imóvel usucapiendo;
II. Certidão relativa à inscrição (ou inexistência dela) do imóvel usucapido e dos confrontante no Registro Imobiliário respectivo;
III. Documentos que comprovem o recolhimento do IPTU/ITR, água, energia elétrica, contrato de compra e venda ou outros que indique o cuidado permanente para com o imóvel durante todo o período aquisitivo;
IV. Informação da existência ou não de edificação sobre o imóvel com indicação das suas características (alvenaria, madeira ou mista), área em metros quadrados e número de logradouro que recebeu;
V. Certidão positiva ou negativa de débitos municipais relativas ao imóvel expedida pela Municipalidade;
VI. Apresentar certidão e planta cadastral municipal a respeito da inscrição do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes no seu cadastro fiscal imobiliário, acompanhados dos respectivos boletins de cadastro imobiliário – BCI. Se o Município fornecer certidão atestando que o imóvel usucapiendo é rural, apresentar CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes, ou certidão negativa emitida pelo INCRA, certificação posicional do INCRA e certidão negativa do ITR perante a Receita Federal;
VII. Declaração extrajudicial de duas testemunhas, respondendo aos quesitos constantes da Portaria n. 11/2022, com firma reconhecida por autenticidade em cartório extrajudicial ou ata notarial;
VIII. Cópia legível do CPF e documento de identificação do(a) requerente, inclusive do cônjuge, se casado (ou convivente em união estável);
IX. Apresentar as certidões de inteiro teor, ônus e ações reais do Imóvel usucapiendo, com validade de 30 dias, considerando a data de prenotação no Ofício de Registro de Imóveis;
X. Os imóveis confrontantes devem ser indicados pelo número da matricula ou transcrição, e pelo nome dos proprietários. No caso de haver imóveis confrontantes sem registro, a planta e o memorial descritivo deverão indicar os nomes dos confrontantes ocupantes;
XI. Nova planta e memorial dotados de coordenadas geográficas (UTM) que possibilitem a localização espacial, acompanhados da respectiva ART/RRT com seu comprovante de pagamento, onde constem todos os atuais confrontantes, devendo a parte autora esclarecer, ainda, mediante documento escrito pelo profissional que elaborou a planta do imóvel usucapiendo: a) Como foram identificados os confrontantes ali indicados (Houve pesquisa no Registro de Imóveis?); b) Houve pesquisa no cadastro fiscal imobiliário da Prefeitura? c) Os confrontantes foram nominados pela parte autora? Com base em quê?);
XII. Deverá ser apresentado o CAR (Cadastro Ambiental Rural) do imóvel objeto da usucapião, no caso de imóvel rural. (Grifos no original).
No entanto, como se sabe, na ação que visa à aquisição originária da propriedade por usucapião, a petição inicial deve conter, além dos requisitos genéricos enumerados no art. 319 do CPC, o detalhamento preciso da causa de pedir, bem como a identificação do imóvel litigioso e dos confinantes.
Na hipótese, extrai-se da petição inicial que a autora qualificou os confinantes (evento 1, INIC1, p. 5) e apresentou: a) memorial descritivo do bem usucapiendo (evento 1, INF12, da origem); b) levantamento topográfico georreferenciado do imóvel (evento 1, INF13, da origem); c) fotografias (evento 1, INF6-7, da origem); d) tarifas de água (evento 1, INF5, da origem); e) histórico de consumo de energia (evento 1, INF8, da origem); f) anotação de responsabilidade técnica – ART (evento 1, PARECERTEC18, da origem); g) certidão do 2º Ofício do Registro de Imóveis da comarca de Tubarão (evento 6, INF21, da origem); h) declaração da Prefeitura Municipal de Gravatal no sentido de que o imóvel está localizado em zona rural (evento 8, INF23 da origem); i) declaração do Instituto do Meio Ambiente – IMA, informando que o imóvel está fora dos limites das unidades de conservação estaduais (evento 9, INF25 da origem); j) certidão de usucapião emitida pelo Registro de Imóveis da comarca de Armazém (evento 15, INF34 da origem).
Assim, em razão do preenchimento dos pressupostos legais, necessário reconhecer que a demandante apresentou informações suficientes ao recebimento da petição inicial.
Ademais, a descrição da origem da aquisição da posse do imóvel usucapiendo, a comprovação de recolhimento do IPTU/ITR, água, energia elétrica, o contrato de compra e venda ou outros que indique o cuidado permanente para com o imóvel durante todo o período aquisitivo, a apresentação de certidões de inteiro teor, ônus e ações reais do imóvel usucapiendo não são considerados documentos indispensáveis à propositura da ação de usucapião.
Por oportuno, extrai-se o seguinte excerto do parecer do Procurador de Justiça, que caminha no mesmo rumo do posicionamento aqui adotado (evento 13):
Ao compulsar os autos, verifica-se que a recorrente foi intimada para adequar o feito às exigências da Portaria n. 11/2022 do juízo de origem, a qual “estabelece procedimentos em relação às ações de Usucapião em trâmite na comarca de Armazém”. Com efeito, o aludido ato normativo previu uma série de requisitos e documentos a serem apresentados em ações dessa natureza, nos seguintes termos:
Art 2°. Com a petição Inicial de Usucapião deverão ser acostados os seguintes documentos:
I. Certidão relativa à inscrição (ou inexistência dela) do imóvel usucapido e dos confrontante no Registro Imobiliário respectivo;
II. Mínimo de 3 (três) fotografias atuais do imóvel;
III. Documento público que informe o valor venal do imóvel;
IV. Documentos que comprovem o recolhimento do IPTU/ITR, água, energia elétrica, contrato de compra e venda ou outros que indiquem o cuidado permanente para com o imóvel;
V. Informação da existência ou não de edificação sobre o imóvel com indicação das suas características (alvenaria, madeira ou mista), área em metros quadrados e número de logradouro que recebeu;
VI. Certidões dos dois Ofícios de Registro de Imóveis (Armazém e Tubarão – 2º ofício), dotadas de coordenadas geográficas (UTM) que possibilitem a localização espacial, atestando ou não a existência de proprietário registral do imóvel e a inclusão no polo passivo, qualificação completa e endereço válido para a citação deste, caso haja matrícula;
VII. Certidão de confrontantes expedida pela Municipalidade ou negativa de sua expedição, caso o imóvel seja urbano;
VIII. Certidões negativas dos distribuidores das justiças estadual (www.tjsc.jus.br) e federal (www.jfsc.jus.br) provindas do local da situação do imóvel usucapiendo e do domicílio do usucapiente, expedidas em nome: a) do usucapiente e do respectivo cônjuge, se houver; b) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges, se houver, em caso de sucessão de posse, que é somada à do usucapiente para se completar o período aquisitivo de usucapião;
IX. Certidão positiva ou negativa de débitos municipais relativas ao imóvel expedida pela Municipalidade;
X. Apresentar certidão e planta cadastral municipal a respeito da inscrição do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes no seu cadastro fiscal imobiliário, acompanhados dos respectivos Boletins de Cadastro Imobiliário (BCI). Se o Município fornecer certidão atestando que o imóvel usucapiendo é rural, apresentar Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) do imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes, ou certidão negativa emitida pelo INCRA, certificação posicional do INCRA e certidão negativa do ITR perante a Receita Federal;
XI. Declaração extrajudicial de duas testemunhas, respondendo aos quesitos a seguir, com firma reconhecida por autenticidade em cartório extrajudicial ou ata notarial:
a) Qualificação completa da testemunha (nos termos do art. 450 do CPC).
b) Possui parentesco, inimizade ou amizade íntima com a parte autora?
c) Possui interesse no processo?
d) Descrever o terreno usucapiendo, suas características, localização, área e eventuais acessões e/ou benfeitorias nele edificadas ou introduzidas.
e) Quem reside/residiu lá e por quanto tempo?
f) A posse é ininterrupta pelos autores e antecessores? Explique a forma de transmissão da posse, caso tenha ocorrido.
g) A posse é mansa e pacífica, ou seja, ninguém contesta que o imóvel é da parte autora?
h) A parte autora faz do local sua moradia?
i) Como a parte autora exerce/exerceu a posse sobre o terreno? (cultivo, moradia, depósito, etc)
j) Nome dos confrontantes e, se possível, de eventuais titulares de direitos reais e de outros direitos incidentes sobre o imóvel usucapiendo e sobre os imóveis confinantes;
k) Eventual questionamento ou impedimento ao exercício da posse pelo usucapiente;
l) Quem é reconhecido como dono do imóvel usucapiendo?
XII. Cópia legível do CPF e documento de identificação do(a) requerente, inclusive do cônjuge, se casado (ou convivente em união estável);
XIII. Certidão de Nascimento (se solteiro) ou Casamento (se casado, separado, divorciado ou viúvo);
XVI. Caso o(a) requerente seja casado(a) sob o regime da comunhão Universal de Bens após a Lei nº 6.515/77, que entrou em vigor em 26/12/1977, ou pelo regime de Separação de Bens Convencional, ou pelo regime da Participação Final nos Aquestos, deverá apresentar a certidão de inteiro teor atualizada do registro da escritura pública de pacto antenupcial, para a devida averbação;
XV. Para pessoas jurídicas: Contrato social e última alteração contratual arquivada na Junta Comercial competente ou no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas competente, acompanhados da Certidão Simplificada da Junta Comercial ou Certidão de personalidade jurídica do Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (validade de 30 dias);
XVI. Para pessoas jurídicas: Ato que confere poderes ao administrador para representar a pessoa jurídica: a) Sociedades (exceto S.A.): contrato social + última alteração + certidão simplificada expedida pela Junta Comercial; b) S.A: estatuto + ata + certidão simplificada expedida pela Junta Comercial; c) Fundações, associações e entidades religiosas: estatuto + ata + certidão de personalidade jurídica expedida pelo Ofício de Registro de Pessoas Jurídicas;
XVII. Para pessoas jurídicas: Cópia do CPF e documento de identificação do(a) representante da pessoa jurídica;
XVIII. Certidões de inteiro teor, ônus e ações reais do Imóvel usucapiendo, com validade de 30 dias, considerando a data de prenotação no Ofício de Registro de Imóveis;
XIX. Levantamento topográfico georreferenciado ao Sistema Geodésico Brasileiro, referenciado no sistema UTM, referenciado ao sistema central – 51WGr, Datum, SIRGAS 2000;
XX. Memorial descritivo do imóvel;
XXI. Nova planta e memorial dotados de coordenadas geográficas (UTM) que possibilitem a localização espacial, acompanhados da respectiva ART/RRT com seu comprovante de pagamento, onde constem todos os atuais confrontantes;
XXII. Manifestação do Instituto do Meio Ambiente (IMA) sobre a localização do imóvel em relação a unidades de conservação estaduais;
XXIII. Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel objeto da usucapião, no caso de imóvel rural;
XXIV. Certidão expedida pela Prefeitura Municipal mencionado o número da inscrição municipal, no caso de imóvel urbano;
XXV. Certidão expedida pela Prefeitura Municipal, mencionado se o imóvel objeto da usucapião fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, no caso de imóvel urbano. Parágrafo único. No tocante ao inciso XXI, deverá a parte autora esclarecer, ainda, mediante documento escrito pelo profissional que elaborou a planta do imóvel usucapiendo:
a) Como foram identificados os confrontantes ali indicados (Houve pesquisa no Registro de Imóveis?);
b) Houve pesquisa no cadastro fiscal imobiliário da Prefeitura?
c) Os confrontantes foram nominados pela parte autora? Com base em quê?
Contudo, em que pesem as aludidas disposições, convém mencionar que a ação de usucapião não está mais inserida dentro do espectro de procedimentos especiais no Novo Código de Processo Civil, devendo seguir o procedimento comum, que, aliás, nada prevê em relação à documentação que deve acompanhar a inicial da demanda.
No caso, constata-se que a petição inicial veio acompanhada de farta documentação, incluindo memorial descritivo do bem, Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), levantamento do imóvel por georreferenciamento, comprovantes de pagamento de tarifa de esgoto, água e energia elétrica, relação de confrontantes, fotografias do terreno, além de diversos outros documentos que permitem individualizar a área usucapienda.
Nesse contexto, entende-se que a petição inicial está apta para processamento, possuindo o indispensável para aferir a delimitação do imóvel e dar continuidade à demanda, sem necessidade de complementação da documentação de acordo com o extenso rol previsto na Portaria em questão.
Demais disso, destaca-se que não compete ao juízo de origem, por meio de ato normativo infralegal, impor a observância de requisitos não previstos em lei, dificultando o acesso à justiça e obstando a efetivação de direito constitucionalmente previsto.
Nesse sentido, já decidiu a colenda Corte Catarinense que “não se pode criar exigências e critérios que sejam incompatíveis com aqueles já estabelecidos pela legislação infraconstitucional, nem atribuir a essas portarias um tal rigor que impeça os cidadãos de acionarem a justiça. Aliás, o excesso de rigor nesse caso acaba até, contraditoriamente, ocasionando o oposto daquilo a que visam as portarias, burocratizando e prolongando desnecessariamente o processo, gerando mais custos à máquina judiciária”.
[…]
Diante desse contexto, não pode ser mantida a sentença de extinção do processo sem resolução de mérito, devendo o feito retornar ao juízo de origem para seu regular processamento. (Grifos no original).
Dessa forma, entende-se ter laborado em raro equívoco a Juíza sentenciante, porquanto o indeferimento da petição inicial mostrou-se desproporcional no caso em análise.
Nesse sentido, deste Órgão Fracionário:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DO AUTOR.PRETENDIDA A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA, SOB O FUNDAMENTO DE QUE FORAM ENCARTADOS TODOS OS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS AO PROCESSAMENTO DO FEITO. TESE ACOLHIDA. PETIÇÃO INICIAL SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDA. VERIFICADA A DELIMITAÇÃO DO IMÓVEL, APRESENTAÇÃO DE CERTIDÕES E ESPECIFICAÇÃO DAS PARTES QUE DEVEM SER CITADAS. REGRAMENTO PROCESSUAL VIGENTE QUE NÃO PREVÊ DOCUMENTOS ESPECÍFICOS E OBRIGATÓRIOS PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE USUCAPIÃO. REQUISITOS DO ART. 319 DO CPC PREENCHIDOS. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO.HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS NA ESPÉCIE.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5004251-19.2021.8.24.0091, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 31-08-2023).
E também desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL – USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – DETERMINAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS – PORTARIA DA COMARCA DE ORIGEM – CUMPRIMENTO PARCIAL – EXTINÇÃO – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO – CPC, ART 485, I – INVIABILIDADE1 “Para a análise do pedido de usucapião basta que os documentos juntados contenham a delimitação exata da área sobre a qual se pretende a declaração de domínio, possibilitando o conhecimento pelos confinantes, proprietário e entes públicos” (AC n. 0300844-12.2018.8.24.0159, Des. Saul Steil).2 Não se pode admitir, portanto, inviabilizar o acesso à justiça e o direito à obtenção da resolução de mérito mediante a imposição de exigências não previstas em lei. (TJSC, Apelação n. 0000981-14.2011.8.24.0159, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 29-08-2023).
E mais:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DO MUNICÍPIO ACERCA DOS CONFRONTANTES DO IMÓVEL DESATENDIDA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO. RECURSO DOS AUTORES. ACOLHIMENTO. PETIÇÃO INICIAL INSTRUÍDA COM OS DOCUMENTOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DA AÇÃO. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PROCESSUAIS EXIGÍVEIS (ARTS. 319 E 320 DO CPC). PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E DA CELERIDADE PROCESSUAL. PRECEDENTES. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO.”‘A inicial da ação de usucapião deverá contemplar a correta individualização do bem e os demais requisitos dispostos no artigo 942 do Código de Processo Civil/1973 (citação de eventual proprietário e dos confrontantes). […] A exigência de documentos diversos daqueles dispostos em lei e cuja não apresentação implica indeferimento da inicial configura óbice ao direito de acesso ao Judiciário’ (AC n. 2014.062832-0, de Garuva, Des. Sebastião César Evangelista)’ (TJSC, Apelação Cível n. 0500179-11.2013.8.24.0119, de Garuva, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 23-1-2017)’ RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJSC, Apelação n. 0301367-68.2017.8.24.0091, rel. Des. André Carvalho, j. de 05-07-2022).RECURSO CONHECIDOE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5011330-83.2020.8.24.0091, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 24-08-2023).
Em decorrência, preenchidos os pressupostos legais, verifica-se a incorreção da extinção prematura do feito de forma prematura, de modo que a cassação do pronunciamento originário é medida que se impõe.
Dessarte, considerando que a causa não se encontra madura para julgamento (art. 1.013, § 3º, do CPC), deve o feito retornar à origem para regular processamento.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para o regular processamento, conforme fundamentação.
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Apelação Nº 0300748-94.2018.8.24.0159/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
APELANTE: LUCILIA CORREA CARDOSO (AUTOR)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INDEFERIMENTO DA INICIAL E EXTINÇÃO DO FEITO.
INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.
ALEGAÇÃO DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO REGULAR ANDAMENTO DO PROCESSO. ACOLHIMENTO. IMÓVEL INDIVIDUALIZADO POR MEIO DE MEMORIAL DESCRITIVO. CONFINANTES DEVIDAMENTE QUALIFICADOS. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. IMPOSSIBILIDADE DE SUBORDINAR A ADMISSÃO DA AÇÃO A EXIGÊNCIAS NÃO PREVISTAS EM LEI. CAUSA NÃO MADURA PARA JULGAMENTO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA O REGULAR PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO.
“‘Se o indeferimento da inicial de ação de usucapião fundamenta-se na ausência de documentos não previstos em lei como obrigatórios e, ainda, no descumprimento de ordens de emenda, como se os interessados se mantivessem inertes às provocações do juízo, quando, em verdade, o que se verifica é o contrário, imperiosa a desconstituição do édito singular, sob pena de violação do direito constitucional de ação e acesso à Justiça'(AC n. 2014.062835-1, Des. Jorge Luis Costa Beber)” (TJSC, Apelação Cível n. 0316478-73.2015.8.24.0023, da Capital, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 28-05-2019).
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para cassar a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para o regular processamento, conforme fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de dezembro de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/12/2023
Apelação Nº 0300748-94.2018.8.24.0159/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
PRESIDENTE: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
PROCURADOR(A): ANDREAS EISELE
APELANTE: LUCILIA CORREA CARDOSO (AUTOR) ADVOGADO(A): Natalia Mendes Folster (OAB SC030140) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 14/12/2023, na sequência 317, disponibilizada no DJe de 27/11/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO PARA CASSAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA O REGULAR PROCESSAMENTO, CONFORME FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
Votante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVAVotante: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIORVotante: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE
TIAGO PINHEIROSecretário
Fonte: TJSC
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