Usucapião: impossibilidade de desmembramento

martelo de juiz
Usucapião: impossibilidade de desmembramento

Usucapião: impossibilidade de desmembramento. Na espécie, contudo, não vislumbro provas de dificuldades na obtenção do registro de propriedade que justifiquem o manejo desta ação. A alegação de impossibilidade de desmembramento da área, ressalto, não foi em momento algum comprovada pela parte apelante. Pelo que se conclui, o apelante nem sequer empreendeu esforços para a regularização do bem, optando diretamente pela via que entendia mais célere e, certamente, menos custosa.

Processo: 0316815-10.2015.8.24.0008 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Alexandre Morais da Rosa
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Oitava Câmara de Direito Civil
Julgado em: 28/11/2023
Classe: Apelação

Apelação Nº 0316815-10.2015.8.24.0008/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

APELANTE: ALESSANDRO RENGEL (AUTOR) APELADO: JOAO DORVINO DA SILVEIRA (RÉU) APELADO: ROSA DA SILVEIRA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação em que figuram como apelante ALESSANDRO RENGEL e apelados JOAO DORVINO DA SILVEIRA e ROSA DA SILVEIRA, interposto contra sentença proferida pelo juízo de origem nos autos n. 03168151020158240008.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processual [CR, art. 5º, inciso LXXVIII], adoto o relatório da sentença como parte integrante deste acórdão, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:
Cuida-se de Ação de Usucapião na qual figuram como parte(s) autora(s) ALESSANDRO RENGEL e, como réu(s), JOAO DORVINO DA SILVEIRA e ROSA DA SILVEIRA todos devidamente qualificados.
Narrara(m) que o bem imóvel situado na rua Cedro Alto, 203, bairro Valparaíso, Blumenau/SC, com área de 718,99m², registrado sob a matrícula de n. 18.829 junto ao 1° Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Blumenau fora adquirido diretamente dos proprietários registrais (João Dorvino da Silveira e Rosa da Silveira) em outubro de 2003.
O pedido de justiça gratuita foi deferido.
Vieram-me conclusos.
Sentença [ev. 74]: indeferiu a petição inicial, em razão da falta de interesse de agir, julgando o processo extinto sem resolução de mérito [CPC, arts. 330, III, c/c 485, I e VI, e §3º].
Razões recursais [ev. 80]: requer a parte apelante a reforma da sentença, para determinar o prosseguimento da ação de usucapião.
Dispensada a intimação para contrarrazões, porque as partes indicadas no polo passivo não contestaram o feito.
É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ALESSANDRO RENGEL contra sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinta, sem resolução de mérito, a ação de usucapião ajuizada pelo apelante.
1. ADMISSIBILIDADE
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O apelante, anote-se, é beneficiário da justiça gratuita [ev. 2].
2. MÉRITO
A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, pela qual a pessoa que exerce a posse prolongada adquire o domínio do bem, de modo diverso à transmissão por meio de negócio jurídico [aquisição derivada].
No caso concreto, o apelante narra estar na posse do imóvel desde 2003, quando adquiriu a propriedade por meio de contrato de compra e venda celebrado com os proprietários registrais [ev. 1.8, p. 2].
A pretensão, portanto, tem origem em relação jurídica direta com os proprietários registrais do bem, devendo a controvérsia ser objeto de ação própria visando efetivar o negócio jurídico. A ação de usucapião não pode servir de atalho à obrigação de regularização registral, com a consequente modificação da natureza por meio da qual a propriedade foi adquirida.
Não se ignora que julgados recentes autorizam excepcionalmente a propositura da ação de usucapião para os casos de aquisição derivada, desde que demonstrada a impossibilidade ou excessiva dificuldade de registro da propriedade [nesse sentido, cita-se: TJSC, Apelação n. 5001268-76.2022.8.24.0070. Relator: Des. Eduardo Gallo Jr. Sexta Câmara de Direito Civil. Julgada em 10.10.2023]. 
Na espécie, contudo, não vislumbro provas de dificuldades na obtenção do registro de propriedade que justifiquem o manejo desta ação. A alegação de impossibilidade de desmembramento da área, ressalto, não foi em momento algum comprovada pela parte apelante. Pelo que se conclui, o apelante nem sequer empreendeu esforços para a regularização do bem, optando diretamente pela via que entendia mais célere e, certamente, menos custosa.
O reconhecimento da usucapião no presente caso, portanto, caracterizaria burla ao recolhimento de tributos de transmissão e eventualmente ao procedimento de prévio desmembramento. 
Em caso recente e similar, assim decidiu esta Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. RECURSO DOS AUTORES. ALEGAÇÃO DE QUE OS REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL POR USUCAPIÃO FORAM PREENCHIDOS. INSUBSISTÊNCIA. AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. FRAÇÃO DE TERRAS INSERIDA EM ÁREA MAIOR DEVIDAMENTE REGISTRADA. ÁREA ADQUIRIDA DIRETAMENTE DOS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS DA GLEBA MAIOR. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL E POSTERIOR TRANSMISSÃO REGULAR DA PROPRIEDADE COM BASE NO TÍTULO OSTENTADO PELOS DEMANDANTES. MANEJO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE, NESSE CENÁRIO, REPRESENTA BURLA AO SISTEMA REGISTRAL E AO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS DEVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS MANTIDOS CONFORME A ORIGEM. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. [TJSC. Apelação n. 0006976-05.2013.8.24.0008. Relator: Des. Joao Marcos Buch. Oitava Câmara de Direito Civil. Julgada em 05.09.2023].
E de outras Câmaras, extraio os seguintes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DOS AUTORES. INSISTÊNCIA NA UTILIDADE/NECESSIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. INSUBSISTÊNCIA. AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. FRAÇÃO DE TERRAS INSERIDA EM ÁREA MAIOR DEVIDAMENTE REGISTRADA. ÁREA ADQUIRIDA DIRETAMENTE DOS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS DA GLEBA MAIOR. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL E POSTERIOR TRANSMISSÃO REGULAR DA PROPRIEDADE COM BASE NO TÍTULO OSTENTADO PELOS DEMANDANTES. MANEJO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE, NESSE CENÁRIO, REPRESENTA BURLA AO SISTEMA REGISTRAL E AO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS DEVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. [TJSC. Apelação n. 0312143-56.2015.8.24.0008. Relator: Des. Saul Steil. Terceira Câmara de Direito Civil. Julgada em 25.07.2023].
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DA INICIAL ANTE A AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. INSURGÊNCIA DOS AUTORES. PRETENDIDO O PROSSEGUIMENTO DO FEITO PARA OBTENÇÃO DA DECLARAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL EM DECORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. IMPOSSIBILIDADE. AQUISIÇÃO DERIVADA DO IMÓVEL. AUSÊNCIA, OUTROSSIM, DE ELEMENTOS A INDICAR A EXISTÊNCIA DE ÓBICE INTRANSPONÍVEL À OBTENÇÃO DA PROPRIEDADE NA VIA ADMINISTRATIVA. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS INDEVIDOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. [TJSC. Apelação n. 0307860-82.2018.8.24.0008. Relatora: Desa. Rosane Portella Wolff. Segunda Câmara de Direito Civil. Julgada em 06.10.2022].
A alegação de nulidade da compra e venda, por sua vez, configura flagrante violação à boa-fé, dada a intenção do apelante de se beneficiar de sua própria torpeza, adquirindo a propriedade de forma originária, livre de tributos, além de configurar comportamento contraditório [venire contra factum proprium], porque ao ajuizar a ação fundou seu direito, justamente, no título em questão.
Logo, mantém-se a sentença que julgou extinto o processo sem resolução do mérito.
3. HONORÁRIOS RECURSAIS
Deixo de majorar os honorários, porquanto não houve fixação na origem.
4. DISPOSITIVO
Por tais razões, voto por conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

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Apelação Nº 0316815-10.2015.8.24.0008/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

APELANTE: ALESSANDRO RENGEL (AUTOR) APELADO: JOAO DORVINO DA SILVEIRA (RÉU) APELADO: ROSA DA SILVEIRA (RÉU)

EMENTA

USUCAPIÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR [CPC, ART. 485, I E VI]. RECURSO DO AUTOR. INSISTÊNCIA NA NECESSIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. INSUBSISTÊNCIA. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA CELEBRADO COM OS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS. TRANSMISSÃO NÃO AVERBADA NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. IRRELEVÂNCIA. CASO DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE IMPOSSIBILIDADE OU EXCESSIVA DIFICULDADE PARA A REGULARIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DE IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL E POSTERIOR TRANSMISSÃO ORDINÁRIA DA PROPRIEDADE COM BASE NO TÍTULO OSTENTADO PELO APELANTE. TENTATIVA DE BURLA AO SISTEMA REGISTRAL E AO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS DEVIDOS. INVIABILIDADE DE REGULARIZAÇÃO POR MEIO DE AÇÃO DE USUCAPIÃO. NECESSÁRIO AJUIZAMENTO DA DEMANDA ADEQUADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, pela qual a pessoa que exerce a posse prolongada adquire o domínio do bem, de modo diverso à transmissão por meio de negócio jurídico [aquisição derivada]. 
2. Quando a pretensão tem origem em relação jurídica direta com os proprietários registrais do bem, a ação de usucapião não é meio idôneo, sob pena de configurar atalho à regularização registral, com a consequente modificação da natureza por meio da qual a propriedade foi adquirida.
3. Não se ignora o entendimento de excepcional cabimento da usucapião nos casos de aquisição derivada quando impossível ou excessivamente difícil o registro da propriedade. Cabe à parte interessada, contudo, a prova de tal dificuldade.
4. Sem prova de excepcionalidade, mostra-se correta a extinção do feito sem resolução do mérito pela inadequação da via eleita.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 28 de novembro de 2023.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 28/11/2023

Apelação Nº 0316815-10.2015.8.24.0008/SC

RELATOR: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA

PRESIDENTE: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

PROCURADOR(A): SONIA MARIA DEMEDA GROISMAN PIARDI
APELANTE: ALESSANDRO RENGEL (AUTOR) ADVOGADO(A): CEZAR AUGUSTO CAMPESATTO DOS SANTOS (OAB SC027033) APELADO: JOAO DORVINO DA SILVEIRA (RÉU) APELADO: ROSA DA SILVEIRA (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 28/11/2023, na sequência 229, disponibilizada no DJe de 13/11/2023.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Votante: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSAVotante: Desembargador ALEX HELENO SANTOREVotante: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
MARCIA CRISTINA ULSENHEIMERSecretária

Fonte: TJSC

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Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

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