TJSC não aplica Código Ambiental a cursos d’água em Joinville.
TJSC não aplica Código Ambiental a cursos d’água em Joinville
Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) não aplica Código Ambiental a cursos d’água em Joinville. De acordo com precedentes do Tribunal, tanto o Código Florestal como a Lei do Parcelamento do Solo Urbano, via de regra, devem ceder espaço para aplicação da legislação municipal, sobretudo no que se refere a recuos às margens de rios e de demais cursos d’água.
Razão para tanto, são as peculiaridades do território do município de Joinville, entrecortado por rios, muitos já canalizados ou em áreas de uso consolidado, onde se vê inviável a recuperação de áreas de preservação permanente.
Seguindo esse entendimento, em sede de mandado de segurança, empresa teve assegurado o direito de construir à margem de curso d’água alterado no processo de urbanização, sob a condição de respeitar os recuos previstos na legislação municipal.
O julgamento é de 10 de novembro de 2020.
Leia abaixo a íntegra do Acórdão.
Jurisprudência
Íntegra do Acórdão
Apelação / Remessa Necessária Nº 5008808-82.2019.8.24.0038/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA
APELANTE: MUNICÍPIO DE JOINVILLE (INTERESSADO) APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) APELADO: [OMITIMOS O NOME DO IMPETRANTE] (IMPETRANTE) APELADO: Secretário – MUNICÍPIO DE JOINVILLE – Joinville (IMPETRADO) APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
O Município de Joinville e o Ministério Público do Estado de Santa Catarina interpuseram recursos de apelação contra sentença que, nos autos de mandado de segurança impetrado por [OMITIMOS O NOME DO APELADO], concedeu a segurança almejada, determinando que a autoridade impetrada “observe as disposições do artigo 119-C, inciso IV, da Lei Estadual n. 16.342/14 (Código Estadual do Meio Ambiente), em relação ao corpo d’água referido na Análise n. 081/2019/SAMA/UGA, para fins de emissão da licença referida na exordial”.
Em suas razões, defenderam, em síntese, que a aplicabilidade do Código Florestal, especialmente do art. 4º da Lei nº 12.651/2012, se estende às áreas urbanas, devendo prevalecer sobre normas estaduais e municipais menos restritivas, de forma que incidiria na hipótese o afastamento de trinta metros previsto no dispositivo em questão. Arguiram a inconstitucionalidade do art. 119-C, IV, da Lei Estadual nº 14.675/2009 (Código Estadual do Meio Ambiente), introduzido pela Lei Estadual nº 16.342/2014, por violar a competência da União para estabelecer normas gerais sobre meio ambiente. Ressaltaram a inaplicabilidade da teoria do fato consumado em matéria ambiental.
Com as contrarrazões (evento 39 dos autos de origem), ascenderam os autos a esta Corte.
O Des. Henry Petry Junior, então Relator, identificou distinção com o Tema 1010 do STJ e indeferiu o requerimento de efeito suspensivo (evento 2).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Rogê Macedo Neves, opinando pelo conhecimento e provimento dos recursos a fim de que seja denegada a segurança.
Foram os autos redistribuídos a este Relator.
Este é o relatório.
VOTO
Conheço dos recursos, porquanto satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
1. Do sobrestamento em razão do Tema 1010 do STJ:
Ambos os recorrentes defendem o sobrestamento dos recursos, alegando que as questões em debate estão abrangidas pela controvérsia afetada ao Tema 1010 do STJ, assim delimitado:
“Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d’água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea ‘a’, da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.”
Sem razão.
O caso em apreço apresenta distinção do Tema 1010 do STJ, porquanto o debate restringe-se à incidência do Código Florestal ou de normas estaduais e municipais acerca da distância a ser conservada em relação ao curso d’água, não abordando a aplicabilidade da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979).
Importa esclarecer que a controvérsia do Tema 1010/STJ cinge-se à interpretação do direito federal infraconstitucional, isto é, se em áreas urbanas consolidadas se aplica o Código Florestal ou a Lei de Parcelamento do Solo.
Em contrapartida, a questão debatida no presente caso corresponde a matéria constitucional, a saber, a competência dos municípios para promulgar leis que reduzam o parâmetro mínimo de proteção ambiental estabelecido em lei federal.
Aliás, na época em que este Relator, então como 2º Vice-Presidente desta Corte, formulou a proposta de afetação do atual Tema 1010 do STJ, vislumbrou-se a possibilidade de formar outro grupo de recursos representativos destinado ao STF, sobre essa questão da competência municipal para legislar sobre a distância das margens de curso d’água em trechos urbanos, diminuindo a metragem. Porém, até o fim da gestão, em janeiro de 2020, não se observou um número expressivo de recursos para justificar a afetação do tema.
Em virtude da distinção acima demonstrada, nada justifica o sobrestamento dos presentes recursos de apelação.
Nesse sentido, oportuno citar a seguinte decisão deste Órgão Fracionário:
“AGRAVO INTERNO (ART. 1.021 DO CPC/15). AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE, EM OBSERVÂNCIA À ORDEM PROFERIDA NO TEMA 1.010 DO STJ – DISCUSSÃO QUE TEM POR INTUITO A DEFINIÇÃO DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI NACIONAL N. 12.651/12) OU DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (LEI NACIONAL N. 6.766/79) EM TRECHOS CARACTERIZADOS COMO ÁREA URBANA CONSOLIDADA – SUSPENDEU O JULGAMENTO DO FEITO. TEMA, CONTUDO, QUE NÃO SE ENQUADRA NO CASO EM ANÁLISE, EM QUE SE DISCUTE A APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI N. 12.651/2012), QUE EXIGE A OBSERVÂNCIA DE FAIXA NON EDIFICANDI DE 30 METROS AO CURSO D’ÁGUA OU SE É O CASO DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE DE JOINVILLE (LCM N. 29/1996), QUE ESTABELECE DISTÂNCIA MENORES. DECISÃO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DO FEITO REVOGADA. RECURSO PROVIDO.” (TJSC, Agravo Interno n. 0322515-37.2016.8.24.0038, de Joinville, rel. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 29-10-2019)
Portanto, diante da distinção com o Tema 1010 do STJ, os recursos não devem ser sobrestados.
2. Do distanciamento do corpo hídrico:
Irresignados com o provimento jurisdicional exarado na origem, que concedeu a segurança para ordenar que as autoridades impetradas se abstenham de exigir o recuo de trinta metros previsto no Código Florestal, determinando a observância do art. 119-C, IV, da Lei Estadual nº 14.675/2009 (Código Estadual do Meio Ambiente), introduzido pela Lei Estadual nº 16.342/2014, o Município de Joinville e o Ministério Público interpuseram recursos de apelação sustentando a legalidade da exigência.
A sentença também está submetida à remessa necessária, por força do art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/2009.
Razão não assiste às partes apelantes.
A análise da questão demanda exame acurado das normas concernentes à proteção do meio ambiente e ao direito de construir.
Nessa tarefa, cumpre, desde logo, enfatizar o que preceitua o art. 225 da Constituição Federal:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; […]III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;” [Sublinhou-se.]
Da leitura do caput e do primeiro inciso do §1º, extrai-se que, mais do que somente preservar o meio ambiente, incumbe ao Poder Público restaurar os processos ecológicos essenciais, não só para as gerações presentes, mas também para as futuras. Dessa forma, mesmo que a legislação anterior permita a exploração de determinados espaços, sobrevindo a vedação desta, cabe ao Poder Público buscar, tanto quanto possível, a restauração das áreas anteriormente utilizadas, ressalvados os direitos adquiridos na vigência da norma pretérita.
Com isso em vista, emerge do inciso III em destaque a dicção constitucional que, em tese, poderia dar guarida ao ato municipal em discussão. Isto é, colhe-se do dispositivo em referência que a alteração e a supressão de espaços territoriais e seus componentes especialmente protegidos poderão ser permitidas somente através de lei, sendo, entretanto, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.
Sobre a importância da conservação das faixas marginais dos cursos d’água, vale citar o seguinte trecho de subementa em que discorre o Ministro Herman Benjamin:
“A Constituição Federal ampara os processos ecológicos essenciais, entre eles as Áreas de Preservação Permanente ciliares. Sua essencialidade decorre das funções ecológicas que desempenham, sobretudo na conservação do solo e das águas. Entre elas cabe citar a) proteção da disponibilidade e qualidade da água, tanto ao facilitar sua infiltração e armazenamento no lençol freático, como ao salvaguardar a integridade físico-química dos corpos d’água da foz à nascente, como tampão e filtro, sobretudo por dificultar a erosão e o assoreamento e por barrar poluentes e detritos, e b) a manutenção de habitat para a fauna e formação de corredores biológicos, cada vez mais preciosos em face da fragmentação do território decorrente da ocupação humana.” (STJ, REsp: 176753 SC 1998/0040595-0, rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 7-2-2008)
Com o advento da Lei nº 12.651/2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, revogando o Código Florestal anterior (Lei 4.771/1965), superou-se qualquer dúvida de que as áreas de preservação permanente nela previstas incidem indiscriminadamente sobre zonas rurais ou urbanas, ante o expresso teor do art. 4º, caput.
Acerca da aplicabilidade da legislação federal ambiental em zonas urbanas municipais, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“AMBIENTAL. AÇÃO POPULAR. MATA ATLÂNTICA. ÁREA URBANA. BALNEÁRIO DE CAMBORIÚ. CÓDIGO FLORESTAL E DECRETO DA MATA ATLÂNTICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL FEDERAL A ZONA URBANA DOS MUNICÍPIOS.1. A legislação federal de proteção do meio ambiente e da flora, independentemente de referência legal expressa, aplica-se à área urbana dos Municípios. Precedentes do STJ.2. Agravo Regimental provido.” (STJ, AgRg no REsp 664.886/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Rel. p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 4-2-2010)
Assim, observa-se que, mesmo em perímetro urbano, são áreas de preservação permanente as faixas marginais de cursos d’água naturais perenes e intermitentes, consoante a redação do atual inciso I do art. 4º, caput, da Lei nº 12.651/2012, cuja alínea “a” estabelece uma largura mínima de trinta metros para aqueles com menos de dez metros de largura (equivalente ao art. 2º, ‘a’, ‘1’, da revogada Lei nº 4.771/1965).
Considerando as disposições constitucionais acima transcritas, constata-se que é rígido o regime de proteção das áreas de preservação permanente, sendo defesa a utilização dessas áreas a não ser nas hipóteses previstas em lei como de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, nos termos dos artigos 3º, VIII, IX e X, e 8º da Lei nº 12.651/2012 (equivalente ao art. 4º da revogada Lei nº 4.771/1965).
Cumpre ressaltar que a autorização para intervenção em APP nesses casos excepcionais está condicionada a prévio licenciamento ambiental pelo órgão competente. Ademais, o fato de se tratar de área urbana consolidada, por si só, não corresponde a uma das hipóteses em que a intervenção pode ser admitida, mas apenas a uma das condições exigidas para o implemento de regularização fundiária de interesse social ou específico, consoante os artigos 64 e 65 da Lei 12.651/2012.
Vale também salientar que a regra emanada do art. 4º, caput, III, da 6.766/1979, ao prever a reserva de uma faixa não-edificável de quinze metros ao longo das águas correntes e dormentes, não contraria as disposições relativas à proteção ambiental da mata ciliar, na medida em que expressamente ressalva “maiores exigências da legislação específica”.
Dessa maneira, quando se tratar de curso d’água natural, aplica-se a Lei 12.651/2012, devendo ser respeitada a faixa marginal com largura mínima de trinta metros, e, em caso de corpos hídricos artificiais, deve-se exigir o afastamento de cunho urbanístico determinado pela Lei do Parcelamento do Solo Urbano, observando-se a distância de quinze metros.
Diante desse cenário normativo, resplandece, à primeira vista, a legalidade do ato municipal que exigiu a observância do recuo de trinta metros do curso d’água existente à margem do imóvel.
Contudo, é necessário sopesar as particularidades do contexto urbano em que os lotes examinados se inserem.
Importa considerar que os precedentes desta Corte Estadual são uníssonos ao afastar a incidência tanto do Código Florestal como da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, especialmente diante das peculiaridades da disposição dos recursos hídricos que compõem o Município de Joinville, reconhecendo o direito de construir à margem de cursos d’água alterados no processo de urbanização, desde que respeitados os recuos previstos na legislação municipal.
Atualmente, a questão encontra-se disciplinada pela Lei Complementar Municipal nº 551/2019 de Joinville, que revogou o art. 93 da Lei Complementar Municipal nº 29/1996 – Código Municipal do Meio Ambiente, passando a estabelecer “as diretrizes quanto a delimitação das áreas não edificáveis, localizadas às margens dos corpos d’água, em Área Urbana Consolidada, nos termos dos art. 4º da Lei Federal 12.651, de 12 de maio de 2012, art. 4º da Lei Federal 6.766 de 19 de dezembro de 1979 e art. 122-A, da Lei Estadual 14.675, de 13 de abril de 2009”. Colhem-se da lei municipal em referência os seguintes dispositivos legais:
“Art. 5º As margens dos corpos d’água localizados em Área Urbana Consolidada (AUC), integrados à rede de drenagem pluvial, anteriormente a 22 de dezembro de 2016 e que apresentarem-se tubulados, em galeria fechada, ou em canais, terão tratamento de acordo com o disposto na presente Lei Complementar, levando-se em consideração a necessidade de observância do Princípio do Desenvolvimento Sustentável e das peculiaridades locais, quando:I – Ocorrer a perda das funções ecológicas inerentes as Áreas de Preservação Permanentes (APP);II – Houver irreversibilidade da situação, por se mostrar inviável, na prática, a recuperação da área de preservação;III – Houver irrelevância, dos efeitos positivos que poderiam ser gerados com a observância da área de proteção em relação a novas obras.
Art. 6º Fica estabelecida uma área ‘non aedificandi’, como faixa de serviço, de no mínimo 5,00 (cinco) metros para cada lado das margens dos corpos d’água tubulados, em galeria fechada, ou em canais, localizados em Área Urbana Consolidada (AUC), integrados como microdrenagem no sistema de drenagem do município, anteriormente a 22 de dezembro de 2016.
Art. 7º Fica estabelecida uma área ‘non aedificandi’, como faixa de serviço, de no mínimo 15,00 (quinze) metros para cada lado das margens dos corpos d’água tubulados, em galeria fechada, ou em canais, localizados em Área Urbana Consolidada (AUC), integrados, como macrodrenagem, no sistema de drenagem pluvial do município, anteriormente a 22 de dezembro de 2016.
Art. 8º Havendo via pública oficial localizada ao longo do curso d’água natural, nas áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água, a Área de Preservação Permanente (APP) a ser considerada será a faixa marginal até o alinhamento da via pública.
Art. 9º A partir de 22 de dezembro de 2016 a faixa de serviço, a que se referem os arts. 6º e 7º da presente Lei Complementar, será aplicável somente para os casos de canalização ou tubulação devidamente autorizados pelo órgão ambiental competente.”
À luz das normas locais, a jurisprudência deste Sodalício entende que, sendo o território do Município de Joinville completamente entrecortado por galerias hídricas construídas artificialmente, à margem das quais a cidade se desenvolveu por décadas até os dias atuais, em que a situação já se apresenta irreversível, não se justifica a adoção da regra geral ditada pela legislação federal ambiental.
Nessa linha, colhem-se as seguintes decisões deste Órgão Fracionário:
“REEXAME NECESSÁRIO, APELAÇÕES CÍVEIS E RECURSO ADESIVO EM MANDADO DE SEGURANÇA. NEGATIVA DE CONCESSÃO DE ALVARÁ PARA REGULARIZAÇÃO DE EDIFICAÇÃO, AO ARGUMENTO DE QUE O IMÓVEL ESTÁ SITUADO A MENOS DE 30M (TRINTA METROS) DE LEITO DE RIO QUE CORTA ÁREA DENSAMENTE URBANIZADA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI FEDERAL Nº 4.717/65). IMÓVEL INSERIDO ÁREA URBANA INEQUIVOCADAMENTE CONSOLIDADA. INCIDÊNCIA, NO CASO, DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANO (LEI Nº 6.766/79), QUE PREVÊ AFASTAMENTO DE 15M (QUINZE METROS) DAS ÁGUAS CORRENTES. SENTENÇA DE CONCESSÃO DA ORDEM PARA APLICAÇÃO DO ARTIGO 93, § 1º, DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 29/96. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ANÁLISE DAS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. CONCESSÃO DO ALVARÁ QUE SE IMPÕE. SITUAÇÃO AMBIENTAL, ADEMAIS, QUE NÃO SE MODIFICARÁ COM A REGULARIZAÇÃO DO IMÓVEL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. REMESSA NECESSÁRIA, RECURSOS DO MUNICÍPIO E DO PARQUET DESPROVIDOS. RECURSO DOS IMPETRANTES PARCIALMENTE PROVIDO. ‘Considerando o conflito reinante da legislação federal com a estadual e a municipal acerca das faixas não edificáveis em áreas de preservação permanente ao longo dos cursos d’água situados em região urbana, deve-se interpretar com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para que a edificação, além de preservar razoavelmente o meio ambiente, seja adequada a uma boa ordenação da cidade e cumpra a função social da propriedade sob o pálio do desenvolvimento sustentável, da precaução e da cautela, em atenção a cada caso concreto’ (TJSC, AC em MS n. 2011.092623-4, rel. Des. Jaime Ramos, j. 31/5/2012).’ (Apelação Cível n. 2015.090280-3, de Rio do Sul, Rel. Des. Subst. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 28/3/2016).” (TJSC, Apelação / Reexame Necessário n. 0301768-66.2016.8.24.0038, de Joinville, rel. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 18-07-2017)
“APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. CONSTRUÇÃO CONDICIONADA AO AFASTAMENTO DE 30 METROS DO CORPO D’ÁGUA, CONFORME DISPÕE O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL. CORPO HÍDRICO RETIFICADO E CANALIZADO, INSERIDO EM IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA URBANA INEQUIVOCADAMENTE CONSOLIDADA. EXIGÊNCIA DISPENSADA, A TEOR DO ART. 119-C, IV, DO CÓDIGO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO E DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. SENTENÇA QUE CONCEDEU A ORDEM MANTIDA. APELO E REMESSA DESPROVIDOS. De acordo com a documentação acostada aos autos, está claro que a área que se busca preservar, impondo-se o recuo da construção em relação ao corpo hídrico, não mais exerce suas funções ambientais, motivo por que se vê descaracterizada a APP e, por consectário, a exigência de observância de área non aedificandi, com fundamento no art. 119-C, da Lei n. 16.342/14 (Código Estadual do Meio Ambiente).” (TJSC, Apelação Cível n. 0319567-88.2017.8.24.0038, de Joinville, rel. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 02-06-2020)
Oportuno ainda citar os seguintes julgados das Câmaras de Direito Público deste Tribunal, todos oriundos da Comarca de Joinville: TJSC, Apelação / Reexame Necessário n. 0318858-24.2015.8.24.0038, rel. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 21-11-2017; Apelação / Remessa Necessária n. 0322515-37.2016.8.24.0038, rel. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 16-06-2020; Apelação / Remessa Necessária n. 0328376-33.2018.8.24.0038, rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 18-08-2020; Apelação / Reexame Necessário n. 0315669-72.2014.8.24.0038, rel. Vera Lúcia Ferreira Copetti, Quarta Câmara de Direito Público, j. 17-05-2018; e Apelação / Remessa Necessária n. 0310801-46.2017.8.24.0038, rel. Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, j. 03-09-2020.
Trata-se, pois, de local caracterizado como área urbana consolidada, hipótese em que pode prevalecer o direito à moradia, ou mesmo o direito de propriedade, em face da proteção ao meio ambiente, a depender do caso concreto. Nesses casos, em que se identifica o entrechoque de direitos fundamentais, inafastável um juízo de ponderação, à luz do princípio da proporcionalidade.
Obtempera-se, por oportuno, que a existência de julgados nesse sentido não significa a introdução no mundo jurídico de uma regra genérica permissiva à ocupação indiscriminada das margens de curso d’água situadas em áreas urbanas consolidadas, sem a observância dos recuos de trinta ou quinze metros exigidos pelo regramento geral estabelecido nas leis federais. Isso porque o caráter genérico é inerente à lei, enquanto as decisões judiciais são regras de aplicação específica ao caso concreto, embora também sejam regidas pelo princípio da isonomia. Por isso, a análise da proporcionalidade da regra de afastamento de trinta metros em face do direito à moradia ou de propriedade deve ser realizada caso a caso.
Neste norte, dessume-se que o reconhecimento da inaplicabilidade da regra disposta na legislação ambiental prevendo a conservação das faixas marginais dos cursos d’água ocorre apenas em circunstâncias especiais, exigindo a conjunção dos seguintes pressupostos fáticos:
– ocupação urbana consolidada à margem de curso d’água sem a observância do afastamento legal;
– consequente perda das funções ecológicas inerentes às faixas marginais de curso d’água;
– irreversibilidade da situação, por se mostrar inviável, na prática, a recuperação da faixa marginal;
– irrelevância, nesse contexto, dos efeitos positivos que poderiam ser gerados com a observância do recuo em relação às novas obras;
– ausência de alternativa técnica ou locacional para a execução da obra (via de regra, em virtude da extensão reduzida dos lotes);
– por fim, a prevalência do princípio da isonomia de tratamento concernente ao exercício do direito de propriedade sobre a proteção da inteira extensão da faixa marginal do curso d’água.
Verificados esses pressupostos, é prescindível a declaração de inconstitucionalidade das normas federais em exame para se afastar sua aplicação no caso concreto, consoante se denota dos julgados desta Corte (vide: TJSC, Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2013.057136-5, de Joinville, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 10-12-2013). Pelo contrário, reforça-se a validade constitucional de referidas normas, enquanto se reconhece a necessidade de conter sua incidência nas hipóteses em que provocaria intervenção indesejável – pelo próprio legislador, embora omisso – e desproporcional em direito fundamental de igual importância normativa.
Na hipótese em apreço, os documentos acostados à petição inicial do mandado de segurança (evento 1), aliadas às informações prestadas pela autoridade impetrada (evento 19), demonstram situação que se enquadra nas condições acima destacadas.
O terreno em que a parte impetrante, aqui recorrida, pretende edificar situa-se na esquina da Rua Indaial com a Rua Aracaju, bairro Saguaçu. Sob a Rua Aracaju, passa o Rio Aracaju, afluente do Rio Cachoeira. O curso d’água, naquele trecho, encontra-se integrado à rede de microdrenagem do Município, e sequer pode ser visto, por estar debaixo da via pública, à margem da qual situam-se diversos lotes construídos, consoante se depreende das imagens e ilustrações de anexadas no evento 1 – documentos 10 a 18.
Dessa forma, o corpo hídrico, no trecho em questão, não exerce qualquer função ambiental, de modo que a situação se mostra irreversível. Nesse contexto, mostra-se irrelevante a preservação das margens do curso d’água naquele curto trecho em que se localiza o imóvel.
Cumpre ainda ressaltar que o imóvel possui apenas 23,50 metros de profundidade, de forma que a aplicação do afastamento de trinta metros previsto no art. 4º, caput, I, ‘a’, da Lei nº 12.651/2012 equivaleria à desapropriação do imóvel. Por sua vez, a observância do recuo de quinze metros inviabilizaria qualquer construção. Isso revela a ausência de alternativa técnica e locacional para o aproveitamento do terreno.
Nesse cenário, a hipótese se amolda à exceção admitida pela jurisprudência desta Corte de Justiça, devendo ser observado o recuo disposto nas normas municipais vigentes, ante a ausência de função ambiental do curso d’água.
Diante de tais evidências e do entendimento pacífico deste Sodalício acerca do tema, a pretensão recursal merece ser rejeitada.
Ante o exposto, voto por conhecer de ambos os recursos de apelação e negar-lhes provimento; e confirmar a sentença em remessa necessária.
Documento eletrônico assinado por CARLOS ADILSON SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 416705v21 e do código CRC fe515dbb.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ADILSON SILVAData e Hora: 10/11/2020, às 17:22:31
Apelação / Remessa Necessária Nº 5008808-82.2019.8.24.0038/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA
APELANTE: MUNICÍPIO DE JOINVILLE (INTERESSADO) APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) APELADO: [OMITIMOS O NOME DO IMPETRANTE] (IMPETRANTE) APELADO: Secretário – MUNICÍPIO DE JOINVILLE – Joinville (IMPETRADO) APELADO: OS MESMOS
EMENTA
APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. JULGAMENTO CONJUNTO. CONSTITUCIONAL. AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENDIDA CONSTRUÇÃO EM LOTE URBANO. EXIGÊNCIA DE RECUO DE TRINTA METROS PARA A CONCESSÃO DA LICENÇA (ALVARÁ). ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE FORMADA PELA FAIXA MARGINAL DE CURSO D’ÁGUA (RIO MATIAS). SENTENÇA QUE CONCEDEU A SEGURANÇA, DETERMINANDO A OBSERVÂNCIA DO AFASTAMENTO PREVISTO NA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 29/1996. INSURGÊNCIAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE. RECURSOS INICIALMENTE SOBRESTADOS EM RAZÃO DO TEMA 1010 DO STJ. SOBRESTAMENTO CESSADO COM FUNDAMENTO EM DISTINÇÃO.
PRELIMINAR. AVENTADA NECESSIDADE DE SOBRESTAMENTO EM VIRTUDE DO TEMA 1010 DO STJ. CONTROVÉRSIA SOBRE A APLICABILIDADE DO CÓDIGO FLORESTAL OU DE NORMAS LOCAIS (ESTADUAIS E MUNICIPAIS). AUSÊNCIA DE DEBATE A RESPEITO DA INCIDÊNCIA DO ART. 4º, CAPUT, III, DA LEI Nº 6.766/1979. DISTINÇÃO DO TEMA 1010 DO STJ. PREFACIAL REJEITADA.
RECURSOS DE APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO AFASTAMENTO DE TRINTA METROS DISPOSTO NO ART. 4º, CAPUT, I, “A”, DA LEI Nº 12.651/2012. SUSTENTADA, POR CONSEGUINTE, A INAPLICABILIDADE DAS NORMAS ESTADUAL E MUNICIPAL MENOS RESTRITIVAS. IMÓVEL SITUADO EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA. CURSO D’ÁGUA QUE PASSA SOB A VIA PÚBLICA NAQUELE TRECHO, SEQUER SENDO VISÍVEL DA SUPERFÍCIE. PONDERAÇÃO DE NORMAS-PRINCÍPIO À LUZ DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DIREITO AO MEIO AMBIENTE E DIREITO DE PROPRIEDADE. EDIFICAÇÕES QUE AVANÇAM SOBRE A FAIXA MARGINAL DO CURSO D’ÁGUA EM TODA VIZINHANÇA. SITUAÇÃO CONSOLIDADA. IRREVERSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ALTERNATIVA TÉCNICA E LOCACIONAL, DIANTE DA PROFUNDIDADE INSUFICIENTE DO TERRENO. PREVALÊNCIA, NA HIPÓTESE, DA ISONOMIA CONCERNENTE AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. INAPLICABILIDADE, NESSE CONTEXTO, DO AFASTAMENTO ESTABELECIDO NO CÓDIGO FLORESTAL. DESNECESSIDADE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
O reconhecimento da inaplicabilidade da regra disposta na legislação ambiental prevendo a conservação das faixas marginais dos cursos d’água ocorre apenas em circunstâncias especiais, exigindo a conjunção dos seguintes pressupostos fáticos:
– ocupação urbana consolidada à margem de curso d’água sem a observância do afastamento legal; – consequente perda das funções ecológicas inerentes às faixas marginais de curso d’água; – irreversibilidade da situação, por se mostrar inviável, na prática, a recuperação da faixa marginal; – irrelevância, nesse contexto, dos efeitos positivos que poderiam ser gerados com a observância do recuo em relação às novas obras; – ausência de alternativa técnica ou locacional para a execução da obra (via de regra, em virtude da extensão reduzida dos lotes); – prevalência do princípio da isonomia de tratamento em relação ao exercício do direito de propriedade.
Presentes tais premissas, deve ser observado, em vez do afastamento de trinta metros, o recuo exigido de acordo com o disposto no Código Municipal do Meio Ambiente de Joinville.
RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer de ambos os recursos de apelação e negar-lhes provimento; e confirmar a sentença em remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por CARLOS ADILSON SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 416706v6 e do código CRC 8bd72837.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ADILSON SILVAData e Hora: 10/11/2020, às 17:22:32
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/11/2020
Apelação / Remessa Necessária Nº 5008808-82.2019.8.24.0038/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA
PRESIDENTE: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
PROCURADOR(A): PLÍNIO CESAR MOREIRA
APELANTE: MUNICÍPIO DE JOINVILLE (INTERESSADO) APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP) APELADO: [OMITIMOS O NOME DO IMPETRANTE] (IMPETRANTE) ADVOGADO: MARCELO BARON (OAB SC011575) APELADO: Secretário – MUNICÍPIO DE JOINVILLE – Joinville (IMPETRADO) APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 10/11/2020, na sequência 44, disponibilizada no DJe de 23/10/2020.
Certifico que o(a) 2ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DE AMBOS OS RECURSOS DE APELAÇÃO E NEGAR-LHES PROVIMENTO; E CONFIRMAR A SENTENÇA EM REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA
Votante: Desembargador CARLOS ADILSON SILVAVotante: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETOVotante: Desembargador SÉRGIO ROBERTO BAASCH LUZ
JOAO BATISTA DOS SANTOS Secretário
Fonte: TJSC