O adquirente de imóvel pode ser responsabilizado pela recuperação de área degradada?
Por Emerson Souza Gomes
O adquirente de imóvel pode ser responsabilizado pela recuperação de área degradada?
A responsabilidade pela reparação de danos causados ao meio ambiente independe da existência de culpa. Afora isto, na aquisição de domínio ou posse, a obrigação é transmitida ao sucessor de qualquer natureza – é o que prevê a Lei.
(post atualizado em 10 de janeiro de 2021)
Basta ser proprietário ou possuidor do imóvel para ser obrigado reparar dano ao meio ambiente
Mesmo que determinada pessoa não tenha provocado a degradação, responde pela recuperação ambiental da área. Basta, para tanto, ser proprietária ou possuidora do imóvel.
Como exemplo, supondo existir construção irregular em área de preservação permanente (APP), a responsabilidade pela recomposição ambiental é do proprietário do bem, independentemente de ter sido ele que a tenha construído.
A responsabilidade por danos ao meio ambiente é objetiva e propter rem.
Leia também
+ Área de preservação permanente pode ser incluída no cálculo da reserva legal
+ Comprador de imóvel é obrigado a recompor área de preservação permanente
+ Quando é permitido suprimir vegetação de área de preservação permanente
Responsabilidade objetiva na reparação de danos ao meio ambiente
A responsabilidade civil, no ordenamento jurídico brasileiro, comporta duas modalidades:
(i) a subjetiva, para cuja configuração se exige a ocorrência de um dano, uma conduta comissiva ou omissiva culposa ou dolosa e o nexo causal entre essa conduta e aquele dano;
(ii) e a objetiva, que também demanda o dano, a conduta e o nexo, mas abstrai da presença de dolo ou culpa na conduta.
A responsabilidade objetiva, por responsabilizar o agente da
conduta independentemente de sua intenção de lesionar, ou não,
terceiro, é excepcional, somente se verificando nos casos expressamente
previstos em lei – como ocorre em relação aos danos ambientais.
Obrigação propter rem de reparar o dano ao meio ambiente
As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor, é o teor da Súmula 623, do Superior Tribunal de Justiça. Mas o que é obrigação propter rem?
Se por um lado a responsabilidade objetiva, aplicável a lides que tenham por pretensão a recomposição de danos provocados ao meio ambiente, dispensa apreciar se o proprietário ou o possuidor do imóvel agiu com culpa ou com dolo, fazendo com que a existência de um (I) dano ambiental, (ii) uma conduta (omissiva ou comissiva) e (iii) o nexo causal entre a conduta e o resultado danoso, sejam bastantes para impor a obrigação de reparar o dano, a obrigação propter rem – obrigação em razão da propriedade da coisa – uma obrigação que decorre meramente de um direito real, que são exemplos a propriedade ou a posse de um imóvel.
A obrigações mais importantes no Direito Ambiental são as de fazer ou de não-fazer; são obrigações diretamente ligadas à preservação da natureza (e.v. recompor um dano ao meio ambiente, restaurá-lo, não degradar vegetação nativa). Independentemente da alienação da coisa, ou seja, da venda do imóvel, tais obrigações aderem a coisa e dela não podem ser subtraídas. São obrigações que, no mundo do direito, têm a denominação de obrigações “propter rem”; obrigações que seguem com a propriedade e a posse, fazendo com que o titular atual do direito real tenha que cumpri-las, ainda que não seja o autor do dano ao meio ambiente.
Cuidado necessário do comprador
Pelo visto, em função da responsabilidade objetiva, aplicável à reparação de danos ao meio ambiente, como também, pela peculiaridade da obrigação propter rem ser natural a quem é titular de um direito real (propriedade ou posse), cabe ao adquirente ser diligente e, antes de efetuar a compra, verificar as restrições ambientais que recaiam sobre o imóvel.
No caso de aquisição do imóvel, havendo a possibilidade de caracterização de área de preservação permanente degradada, diante da liberdade de contratar, cabe ao adquirente, para que não venha a ser surpreendido, considerar a necessidade de incluir cláusula contratual que preveja o vendedor se obrigar a ressarcir eventuais danos patrimoniais oriundos de responsabilidade por danos ambientais, sobretudo no momento em que reste caracterizado que violações à legislação ambiental provêm de atos ou omissões de terceiros, inclusive, do vendedor do imóvel.
Base legal
Jurisprudência: dano ambiental, obrigação propter rem
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO PERANTE O STJ. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
PREQUESTIONAMENTO DEMONSTRADO.
- O reconhecimento da legitimidade da parte, em casos como o presente, não reclama o reexame de fatos ou provas. Com efeito, o juízo que se impõe se restringe ao enquadramento jurídico, ou seja, à consequência que o Direito atribui aos fatos e às provas que, tal como delineados pelas instâncias ordinárias, darão suporte (ou não) à inclusão da agravante no polo passivo da lide.
- A partir da fundamentação do acórdão recorrido, percebe-se claramente que a Corte local julgou a tese jurídica referente à legitimidade da agravante para responder pelos danos cometidos contra o meio ambiente, denotando-se o efetivo prequestionamento da matéria.
- Havendo construção irregular em Área de Preservação Permanente, a responsabilidade pela recomposição ambiental é objetiva e propter rem, atingindo o proprietário do bem, independentemente de ter sido ele o causador do dano.
- Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1856089/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/06/2020, DJe 25/06/2020)