O que fazer quando há busca e apreensão de veículo financiado
Caso esteja difícil manter em dia as prestações de veículo financiado, você deve saber o que fazer na hipótese de busca e apreensão.
O que é alienação fiduciária em garantia
A alienação fiduciária é uma espécie de garantia real bastante empregada em financiamentos de automóveis.
Através dela, o devedor transfere a propriedade do bem financiado para o banco credor, permanecendo com a posse direta do bem durante o prazo do financiamento. É o que dispõe o art. 66, do Decreto-lei 1969.
A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.
Decreto-lei 1969, art. 66
Somente com a liquidação do financiamento o devedor (re)adquire a propriedade do bem, devendo ser efetuada a baixa do ônus nos registros do Detran.
Atenção! Você não pode vender o automóvel durante o financiamento
No dia a dia da advocacia, não se contam as vezes em que um consumidor chega ao escritório informando que vendeu o automóvel financiado a pessoa que, muito embora fosse da sua confiança, não efetuou o pagamento das prestações conforme o combinado. Afora isso, agência de cobrança passou a efetuar ligações e enviar cartas prevenindo o consumidor quanto a uma possível busca e apreensão do bem, caso não seja colocado em dia o financiamento.
Somente pode vender um bem quem é o seu proprietário. Como salientado, o devedor tão somente exerce a posse direta do bem durante o financiamento. O proprietário do veículo é o banco. A compra e venda de veículo financiado é nula de pleno direito.
Nestes casos, além do consumidor ter que arcar com as prestações em atraso, pode vir a responder por crime de estelionato, em virtude de ter vendido coisa alheia como se fosse de sua propriedade:
§ 8º O devedor que alienar, ou der em garantia a terceiros, coisa que já alienara fiduciàriamente em garantia, ficará sujeito à pena prevista no art. 171, § 2º, inciso I, do Código Penal.
Decreto-lei 911-1969, art. 66, § 8º
A autorização do banco é condição para a validade da compra e venda do bem financiado. O banco deverá promover as alterações no contrato de financiamento passando a constar o comprador do automóvel como único devedor.
Não é necessário o atraso de 3 prestações para a busca e apreensão
Embora seja uma prática comum do mercado, não é necessário que o consumidor atrase 3 prestações do financiamento para que o banco possa ingressar com a busca e apreensão do automóvel. Constando uma prestação em atraso, o banco já poderá tomar as providências para reaver o automóvel financiado.
Notificação do devedor pelo correio
Para que o banco possa ingressar com a busca e apreensão do bem – uma medida judicial – deverá informar o devedor da mora, ou seja, informar o consumidor que o financiamento está em atraso. Para isso, basta o envio de uma carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. Também não é exigida a indicação do valor em débito na notificação, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas
Súmula 245, do Superior Tribunal de Justiça
por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito.
Notificação frustrada em virtude da “ausência” do devedor
Há divergência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca da necessidade, ou não, de efetiva entrega da notificação no endereço cadastral do devedor para se comprovar a mora.
É certo que, caso o devedor se mude de endereço, sem comunicar o credor fiduciário deste fato, a notificação será perfeita mesmo que seja devolvida pelos correios. No caso, a não-comunicação da alteração de endereço representa uma violação da boa-fé objetiva – princípio que orienta a conduta dos contratantes.
De outra parte, caso a notificação retorne com a informação dos correios de que o devedor estava “ausente”, não se arrosta qualquer violação do princípio, não se prestando [a notificação] para constituição da mora.
Liminar judicial de busca e apreensão
Após notificado o devedor, em sendo ajuizada a ação, uma liminar será deferida para que se proceda a busca e apreensão do automóvel. Até este momento, o consumidor ainda não terá recebido qualquer comunicado da Justiça.
5 dias para pagamento da dívida
De posse da liminar, um oficial de justiça efetuará a busca e apreensão e citará o devedor da existência da ação. O devedor deverá entregar o bem e seus respectivos documentos
O devedor terá prazo de 5 dias para purgar a mora – para pagar todas as prestações em atraso, conforme o cálculo apresentado pelo banco – e retomar a posse do bem.
15 dias para apresentar defesa
O devedor também terá um prazo de 15 dias para apresentar a sua defesa.
Caso o consumidor tenha efetuado o pagamento, dentro do prazo de 5 dias, do valor apresentado pelo banco, entendendo que lhe foi cobrado valor a maior, poderá pedir a devolução da diferença.
Ainda que não tenha efetuado o pagamento da dívida, o devedor poderá assim mesmo apresentar defesa no prazo de 15 dias.
Venda do bem para pagamento da dívida
De posse do bem, o banco poderá vendê-lo, não sendo necessário leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial.
O valor obtido com a venda deverá ser abatido na dívida, prestando contas ao devedor.
Caso o preço da venda não seja bastante para liquidar o total do financiamento, o banco poderá cobrar o saldo remanescente.
O que fazer quando há busca e apreensão de veículo financiado
– Certifique-se que no documento do automóvel consta registrada alienação fiduciária em garantia ou qualquer outra espécie de gravame. Esta informação você também poderá obter no contrato de financiamento;
– Caso você não possua a sua via do contrato, entre em contato com a instituição financeira que efetuou o financiamento. Se o contato se der por telefone, exija um número de protocolo. Se o contato for por email ou pelo site, arquive cópias;
– Tenha em mãos o carnê de pagamento e eventuais depósitos bancários ou recibos avulsos do pagamento de prestações;
– Caso o banco ainda não tenha ingressado com a busca e apreensão – a dívida ainda estiver com a agência de cobrança – deve ser analisada a viabilidade de uma ação revisional. Medida judicial também pode ser proposta após a busca e apreensão, mas o ideal é se antecipar ao banco;
– Por vezes, é necessário contar com o auxílio de um contador especializado em cálculos judiciais que comumente trabalha em parceria e sob a orientação de um advogado que atua nesta espécie de ação;
– No momento da busca e apreensão, o consumidor não deverá entregar o automóvel a estranhos, mas a um oficial de justiça, portando a liminar judicial.
Devolução amigável do veículo
A entrega amigável do veículo não está prevista em lei, ou seja, não é um direito do consumidor. Mas é uma espécie de acordo onde as partes pactuam a devolução do veículo financiado, evitando dissabores na Justiça.
Como se trata de um acordo, o consumidor deve ficar atento às suas condições e ter a certeza de que haverá quitação total da dívida. Caso contrário, apesar de entregar o bem, o consumidor ainda pode continuar com dívidas junto à instituição financeira.
Para efeito de entrega do bem, deve também ser levado em consideração as prestações pagas do financiamento para que o consumidor não arque com um prejuízo maior do que o necessário.
Base legal
Código Civil
Decreto-lei 911 /1969
Lei 8.078/ 90
Jurisprudência: busca e apreensão, alienação fiduciária
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATOS BANCÁRIOS.
VIOLAÇÃO AOS ARTS. 489, § 1º, IV, E 1.022, II, DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL REALIZADA NO ENDEREÇO CONTRATUAL DO DEVEDOR. MORA COMPROVADA.
ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 478, 479 E 480 DO CÓDIGO CIVIL, 4º, IV, 6º, V, 51, IV, X, § 1º, I, 52, II, DO CDC, 2º E 5º DO DECRETO-LEI 911/69. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA MÉDIA DO MERCADO. COBRANÇA ABUSIVA. LIMITAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO.
SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
- Não se verifica a alegada violação aos arts. 489 e 1.022, na medida em que a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas. De fato, inexiste omissão no aresto recorrido, porquanto o Tribunal local, malgrado não ter acolhido os argumentos suscitados pela parte recorrente, manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.
- Conforme entendimento firmado no âmbito da Quarta Turma do STJ, “a demonstração da mora em alienação fiduciária ou leasing – para ensejar, respectivamente, o ajuizamento de ação de busca e apreensão ou de reintegração de posse – pode ser feita mediante protesto, por carta registrada expedida por intermédio do cartório de títulos ou documentos, ou por simples carta registrada com aviso de recebimento – em nenhuma hipótese, exige-se que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário” (REsp 1.292.182/SC, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 29/09/2016, DJe de 16/11/2016). - Fica inviabilizado o conhecimento de temas trazidos na petição de recurso especial, mas não debatidos e decididos nas instâncias ordinárias, porquanto ausente o indispensável prequestionamento.
Aplicação das Súmulas 282 e 356 do STF. - Inexiste contradição em se reconhecer a inexistência de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 e, ao mesmo tempo, assentar que os arts. 478, 479 e 480 do Código Civil, 4º, IV, 6º, V, 51, IV, X, § 1º, I, 52, II, do CDC, 2º e 5º do Decreto-Lei 911/69, não estão prequestionados.
- A jurisprudência do STJ orienta que a circunstância de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média do mercado não induz, por si só, à conclusão de cobrança abusiva, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras.
- Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1577203/PB, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2020, DJe 24/11/2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. PACTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE, AO DEFERIR A LIMINAR, ESTABELECEU A PERMANÊNCIA DO VEÍCULO NA COMARCA PELO PRAZO DE 5 DIAS APÓS A EXECUÇÃO DA MEDIDA, FIXOU O TERMO INICIAL PARA PURGA DA MORA A PARTIR DA CIÊNCIA DO RÉU ACERCA DA RETOMADA DO BEM.
RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AUTORA.
ALEGADA CONSOLIDAÇÃO DA POSSE E PROPRIEDADE NO PATRIMÔNIO DO CREDOR FIDUCIANTE, APÓS O TRANSCURSO DE CINCO DIAS DA EXECUÇÃO DA MEDIDA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 3º, § 1º, DO DECRETO-LEI N. 911/1969. DISPOSIÇÃO OBSERVADA PELO JUÍZO SINGULAR. PREJUÍZO NÃO CONSTATADO.
MARCO INICIAL PARA O TRANSCURSO DO PRAZO PARA A PURGA DA MORA PELO DEVEDOR FIDUCIANTE. CÔMPUTO QUE DEVE OCORRER A PARTIR DA EXECUÇÃO DA MEDIDA LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 3º, §§ 1º E 2º DO DECRETO-LEI 911/69. ENTENDIMENTO DOMINANTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
“O Decreto-Lei n. 911/1969, nos parágrafos 1º e 2º do art 3º, confere ao devedor fiduciário o prazo de 5 dias – a partir da execução da liminar de busca e apreensão – para pagar a integralidade da dívida pendente, nos termos do pedido inicial. O mandado de busca e apreensão/citação veicula, simultaneamente, a comunicação ao devedor acerca da retomada do bem alienado fiduciariamente e sua citação, daí decorrendo dois prazos diversos: (i) de 5 dias, contados da execução da liminar, para o pagamento da dívida (art. 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei n. 911/1969, c/c 240 do CPC); e (ii) de 15 dias, a contar da juntada do mandado aos autos, para o oferecimento de resposta (art. 297, c/c 241, II, do Código de Processo Civil) […]” (REsp 1148622/DF, rel. Min. Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 1º-10-2013)
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5016763-50.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Zanelato, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 17-12-2020).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEVEDORA. VENDA DO BEM OBJETO DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO DEVER DE PRESTAÇÃO DE CONTAS SOBRE EVENTUAL SALDO REMANESCENTE, PELO CREDOR, NOS AUTOS DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. POSSIBILIDADE. EXEGESE DO ART. 2º DO DECRETO-LEI N. 911/1969. PRESTAÇÃO DE CONTAS A SER REALIZADA EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. SENTENÇA REFORMADA, NO PONTO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. DIMINUTA ALTERAÇÃO DA DECISÃO COMBATIDA. MANUTENÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO SUCUMBENCIAL FEITA NA ORIGEM. HONORÁRIOS RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 0305819-18.2019.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Izidoro Heil, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 15-12-2020).