Usucapião: Portaria n. 01/2023 da 2a. Vara da Comarca de São Francisco do Sul (SC) orienta processo de usucapião.
ESTADO DE SANTA CATARINA
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE SÃO FRANCISCO DO SUL – 2ª VARA CÍVEL
Portaria N. 01/2023
Estabelece diretrizes para o procedimento da usucapião judicial.
O Juiz de Direito titular da 2ª Vara Cível da Comarca de São Francisco do Sul, Dr. João Carlos Franco, usando de suas atribuições legais e regimentais e
CONSIDERANDO que se aplica o rito do procedimento ordinário comum aos processos que versem sobre pedidos de usucapião ordinário e extraordinário,
CONSIDERANDO a exigência de que, apesar do rito comum, é necessária a citação dos confinantes do imóvel usucapiendo e o atendimento aos requisitos específico para a declaração da prescrição aquisitiva da propriedade demonstráveis por meio de documentos,
CONSIDERANDO a impossibilidade de usucapião sobre terras públicas, assim como a existência do quadro foreiro na cidade de São Francisco do Sul, cujos imóveis são afetados ao município,
CONSIDERANDO a necessidade de racionalizar os trabalhos judiciários diante do elevado número de ações dessa natureza nesta Comarca, assim como diversos indícios de fraudes, sobreposições de áreas e irregularidades nesses processos,
RESOLVE:
Art. 1º As demandas judiciais de usucapião deverão atender aos requisitos da petição inicial, estabelecidos pelo art. 319 do Código de Processo Civil – CPC, observado também o seguinte:
I – Qualificação completa da parte autora e seu cônjuge/companheiro, se houver;
II – A modalidade de usucapião requerida e sua base legal ou constitucional;
III – A origem da aquisição da posse pela parte requerente, instruída com os respectivos documentos;
IV – O tempo e as características da posse da parte requerente e de seus antecessores, com a descrição da cadeia possessória, especificando os possuidores anteriores, a duração de cada período, o que se torna necessário quando alegada cessão ou junção de posse (CC, arts. 1.207, 1.243 e 1.262), declinando o nome dos cônjuges/companheiros da referida cadeia;
V – O nome, estado civil, endereço e número de CPF dos confinantes (proprietários e/ou possuidores);
VI – O nome, estado civil, endereço e número de CPF do proprietário registral e respectivo cônjuge, no caso de imóvel com inscrição no ofício de registro de imóveis;
VII – O nome, estado civil, endereço e número de CPF do promitente comprador e respectivo cônjuge, no caso de imóvel com inscrição no ofício de registro de imóveis e com compromisso de compra e venda registrado na matrícula;
VIII – O número da matrícula, a transcrição da área onde se encontra inserido o imóvel usucapiendo ou a informação de que não se encontra matriculado ou transcrito;
IX – O valor venal do imóvel usucapiendo, que corresponderá ao indicado no último lançamento do imposto predial e territorial urbano, do imposto territorial rural, ou, quando não estipulado, ao valor de mercado aproximado. Em todos os casos, deverá a parte autora comprovar documentalmente o valor indicado;
X – Informar se há edificação sobre o imóvel e fazer constar as plantais e memoriais com a indicação das características (alvenaria, madeira ou mista), área em metros quadrados e o número de logradouro que recebeu. Não havendo edificações, basta declarar na petição inicial, sujeito às penas processuais caso verificada a não veracidade da informação.
Parágrafo primeiro: Se a parte autora for viúvo(a) e o tempo necessário para a consumação da prescrição aquisitiva tiver se implementado antes do falecimento do cônjuge, deverá ser apresentada a certidão de óbito e a qualificação completa de todos os herdeiros do falecido e de seus respectivos cônjuges, caso não exista inventário em andamento. Se houver inventário em andamento, deverá ser apresentada apenas a qualificação e endereço do inventariante, além de cópia do respectivo termo de nomeação.
Parágrafo segundo: Em alternativa às providências previstas no parágrafo primeiro, os herdeiros e respectivos cônjuges poderão compor o polo ativo da lide.
Parágrafo terceiro: caso haja requerimento expresso do autor na petição inicial, a citação do cônjuge do confrontante ou de seus herdeiros (em se tratando de pessoa falecida), apesar de recomendável, poderá ser dispensada, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1432579/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 23/11/2017), assumindo a parte autora o risco de, comprovado prejuízo, ter o processo ou o título declarado inválido futuramente.
Parágrafo quarto: Nas hipóteses dos itens VI e VII, em se tratando de pessoa(s) falecidas(s), deverão ser apresentadas a certidão de óbito e a qualificação completa de todos os herdeiros e respectivos cônjuges, caso não exista inventário em andamento. Se houver inventário em andamento, deverão ser apresentados apenas a qualificação e o endereço do inventariante, além de cópia do respectivo termo de nomeação.
Parágrafo quinto: caso o autor não saiba informar o paradeiro do(s) proprietário registral(ais), do(s) confinante(s), do(s) promitente(s) comprador(es) e do(s) respectivo(s) cônjuge(s), conforme o caso, poderá requerer a utilização do serviço de acesso automatizado às bases de dados conveniadas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina, para viabilizar a pesquisa de informações de endereços. Para tanto, deverá apresentar o número de CPF da pessoa a ser pesquisada, sob pena de inviabilidade de uso do sistema.
Parágrafo sexto: Fica autorizado o cartório judicial a fazer a consulta às bases de dados conforme parágrafo quinto, independentemente de conclusão para despacho.
Art. 2º A petição inicial deverá ser instruída, ainda, com os seguintes documentos:
I – Procuração outorgada pela parte autora;
II – Procuração outorgada pelo cônjuge da parte autora ou autorização de ajuizamento, exceto na hipótese de casamento sob o regime de separação absoluta de bens (art. 73/CPC);
III – Cópia atualizada da matrícula do imóvel, no caso de área com inscrição no ofício de registro de imóveis;
IV – Certidão negativa do registro imobiliário, se o imóvel não possuir inscrição no ofício de registro de imóveis;
V – Planta e memorial descritivo assinados por profissional legalmente habilitado e com prova da Anotação da Responsabilidade Técnica – ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica – RTT no respectivo conselho de fiscalização profissional, preferencialmente instruída com georreferenciamento homologado junto ao INCRA, em se tratando de imóvel rural;
VI – Justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a cadeia possessória e o tempo de posse;
VII – Certidões negativas dos distribuidores da Justiça Estadual (sistema Eproc e SAJ, primeiro grau) do local da situação do imóvel usucapiendo, demonstrando a inexistência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, em nome das seguintes pessoas:
a) da parte autora e respectivo cônjuge/companheiro, se houver;
b) do proprietário do imóvel usucapiendo e respectivo cônjuge, se houver;
c) de todos os demais possuidores e respectivos cônjuges, se houver, em caso de sucessão de posse, desde que tenham exercido a posse do imóvel dentro do último período aquisitivo de posse declarado.
VIII – Declaração de prescrição aquisitiva assinada por duas testemunhas que não sejam confrontantes do imóvel, em cartório extrajudicial ou com firma devidamente reconhecida. A declaração deve mencionar a descrição do imóvel, se as testemunhas conhecem os autores e os possuidores anteriores, se eles são/eram ocupantes da área, há quanto tempo a ocupação perdura/perdurou e, ainda, se em algum momento alguém se opôs à posse da parte autora;
IX – No mínimo três fotografias atualizadas do imóvel usucapiendo, tiradas de perspectivas diferentes, e, se existentes, também fotografias pretéritas; além de imagens de satélite obtidas pela internet que mostrem a situação do imóvel no decorrer dos anos, salvo impossibilidade de fazê-lo.
X – Em se tratando de usucapião ordinária (CC, art. 1.242), deverá ser apresentado o justo título, assim entendido como o instrumento hábil para transmitir o domínio ou outro direito real, mas que padece de vício extrínseco, ou seja, é o instrumento que, em tese, poderia transferir a propriedade, mas que por lhe faltar algum requisito não produz o efeito jurídico almejado. São exemplos de justo título: compromisso de compra e venda, escritura pública de compra e venda, escritura pública de transferência de direitos possessórios etc.
Parágrafo primeiro: Se na certidão negativa de registro imobiliário constar alguma ressalva com relação a possível sobreposição com área inscrita em determinada matrícula, o autor deverá se pronunciar a respeito e apresentar cópia da matrícula mencionada, indicando endereço do(s) respectivo(s) proprietário(s) registral(is) e cônjuge para citação.
Parágrafo segundo: Na hipótese de as certidões de feitos ajuizados indicarem a existência de ações que caracterizem oposição à posse do imóvel, deverá ser esclarecido e demonstrado se a(s) demanda(s) apontada(s) possui(em) alguma relação com o bem objeto do feito.
Parágrafo terceiro: Embora recomendada, fica dispensada a apresentação do georreferenciamento certificado junto ao INCRA no caso de imóvel rural, o qual, no entanto, será exigido no momento de se registrar a sentença perante o registro de imóveis, como condição para a sua efetivação.
Parágrafo quarto: Cada um dos documentos indicados nesse dispositivo deve ser acostado aos autos digitais de forma individualizada, em anexo próprio, facilitando, assim, a conferência pelo Juízo. Fica vedada a juntada de PDF único, com todos os documentos.
Art. 3º. Não será admitida declaração por escrito de confinantes como forma de suprir a necessária citação. Poderá a parte interessada, no entanto, apresentar procuração dos confinantes em favor de seu advogado, com poderes especiais para citação, podendo assim declarar o que de direito.
Art. 4º. A citação mediante o aplicativo Whatsapp será permitida apenas na hipótese de as citações por correio e por oficial de justiça forem inviáveis ou restarem infrutíferas.
Art. 5º. A citação por edital será admitida nas seguintes hipóteses: a) se esgotadas todas as possibilidades de perfectibilização do ato citatório pelos meios ordinários, incluindo a pesquisa de endereços mediante acesso automatizado às bases de dados da CGJ/SC, ou; b) se a pesquisa de endereço mediante acesso automatizado às bases de dados da CGJ/SC não resultar em êxito na citação.
Art. 6º: Encontrando-se o imóvel dentro do quadro foreiro do município, o pedido deverá se limitar à usucapião do respectivo domínio útil, sujeito à análise do respectivo ente público.
Art. 7º. Não será admitida a usucapião, sendo causa de indeferimento da petição inicial ou extinção do processo, sem julgamento de mérito:
I – Se o imóvel usucapiendo não possuir matrícula própria, mas for parte integrante de área maior, com registro imobiliário, e tiver sido adquirido diretamente do proprietário registral, caracterizando mero desmembramento, exceto se a parte autora demonstrar ser inviável ou extremamente dificultosa a obtenção de registro de propriedade de outra maneira, circunstância que será analisada pelo julgador;
II – Se o imóvel usucapiendo possuir registro imobiliário próprio e tiver sido adquirido diretamente do proprietário registral ou dos herdeiros deste, exceto se a parte autora demonstrar ser inviável ou extremamente dificultosa a obtenção de registro de propriedade de outra maneira, circunstância que será analisada pelo julgador.
Parágrafo único: não se enquadram na exceção prevista nos itens I e II, o desconhecimento da qualificação e/ou do paradeiro dos proprietários registrais e o falecimento do proprietário registral.
Art. 8º. Não estando a petição inicial elaborada e instruída conforme as condições retro, a parte autora será intimada para emendá-la no prazo de 30 dias, que somente será prorrogado em caso de justificativa específica dada pela parte.
Parágrafo único: Decorrido o prazo sem o atendimento completo às determinações de emenda, omitindo-se a parte autora em relação a quaisquer delas, sem justificar o motivo do não atendimento, a petição inicial será indeferida, condenando-se em custas e despesas processuais.
Art. 9º. Ficam revogadas as disposições em contrário de portarias anteriores.
Art. 10. Esta portaria entra em vigência na data de sua publicação.
Afixe-se no átrio do fórum e encaminhe-se cópia ao Ministério Público de Santa Catarina e à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Santa Catarina, subseção São Francisco do Sul.
Arquive-se.
Fonte: Comarca de São Francisco do Sul (SC), 2a. Vara Cível
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