Ter o imóvel em área de mangue é um drama para muitas famílias. A lei traça sérias restrições ambientais para construção ou reforma nessas áreas. Afora isso, o fato de parcela do imóvel constar em manguezal, prejudica ou impede a regularização fundiária, ou seja, de obter a escritura da casa, como é comum as pessoas falarem.
De acordo com o ICMBio, o Brasil é o segundo país em extensão de mangues, com aproximadamente 14.000 Km2 ao longo da sua costa. De outra parte, conforme o Ministério do Desenvolvimento Regional, metade dos imóveis no Brasil não tem escritura, ou seja, precisa de regularização fundiária.
Diante desse quadro, não são poucos os casos onde o proprietário ou o posseiro sofre as restrições ambientais acarretando consequências como o impedimento de acesso a serviços públicos essenciais como água e luz.
Muito embora os mangues desempenhem papel essencial para o equilíbrio do meio ambiente, construir em área de mangue é um tema é polêmico e causa indignação.
Este post tem por finalidade clarear um pouco esta questão e trazer para você em quais hipóteses a lei admite a construção ou a regularização da propriedade em área de mangue.
O que é área de preservação permanente?
Se o seu imóvel encontra-se próximo a uma área de mangue, ou o lote de terreno onde está a sua casa foi aterrado suprimindo vegetação de manguezal, um primeiro passo é você ter consciência do que é uma área de preservação permanente (APP).
Há ainda pessoas que pensam que o fato da APP não possuir mais vegetação autoriza construir no imóvel. É o caso de lotes de terrenos em áreas que naturalmente constituíam bosque de mangue. Veja o que diz a Lei 12.651/2012:
Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
O Código Florestal é claro quanto a área de preservação permanente poder ou não ter vegetação nativa.
Imagine um imóvel em um mangue seco em algum loteamento. Se houve aterro do mangue, pelo que diz a lei, nem por isso deixa de existir ali uma área de preservação permanente.
Um outro exemplo. Suponha que alguém comprou uma bela casa em um balneário e a construção se deu em área de mangue. Mais uma vez se presume existência de uma área de preservação permanente
A leis que tratam do meio ambiente são bastante rigorosas. O Ministério Público e o Poder Judiciário via de regra também o são, condenando o proprietário a recompor a vegetação nativa.
A proteção de áreas de preservação permanente é uma preocupação constante e qualquer dano ao meio ambiente é encarado com extrema gravidade pelos órgãos de fiscalização, acarretando consequências ao proprietário e ao infrator.
Se o seu caso envolver área de preservação permanente às margens de rio, não deixe de acessar o post O Que É Área Urbana De Uso Consolidado?
Vamos seguir adiante e saber quais são as consequências de um dano ao meio ambiente.
Quem responde por uma infração ambiental e quais as consequências?
Vamos falar agora das consequências pelo cometimento de uma infração ao meio ambiente. O que acontece se alguém suprimir vegetação de mangue? Quem comprou um imóvel em que houve aterro de mangue tem alguma responsabilidade ambiental?
Vamos ver bem como funciona isto!
Uma infração ambiental envolvendo uma área de preservação permanente pode gerar três consequências, a exemplo de:
– Pagar uma multa;
– Dever de recompor a vegetação nativa da APP;
– Responder por crime ambiental.
Veja que um mesmo fato acarreta consequências na área administrativa, civil e criminal.
Quem deve arcar com essas consequências é que pode variar!
Somente a pessoa que causou o dano ambiental tem a obrigação de responder pelo pagamento de uma multa aplicada pela polícia ambiental ou outro órgão de fiscalização.
É que a responsabilidade por uma infração administrativa ambiental depende da apuração de culpa.
A mesma lógica serve para um crime ambiental. A condenação criminal depende da apuração de culpa. Somente quem praticou o dano ao meio ambiente pode sofrer condenação.
Perceba que a uma infração administrativa envolvendo área de mangue a princípio deve responder a pessoa que causou o dano ambiental, como o aterramento ou a supressão de bosque de mangue.
O mesmo raciocínio é aplicável para ações por crimes ambientais envolvendo bosque de mangue. Somente quem provocou o dano pode sofrer condenação
ATENÇÃO! A obrigação de recompor a vegetação nativa funciona de forma diversa.
Quem deve reparar dano ambiental em área de preservação permanente?
Um ponto de grande importância é você ficar por dentro de como funciona a responsabilidade civil por dano ao meio ambiente. Quem deve recompor a vegetação do bosque de mangue?
Em direito ambiental, a responsabilidade civil não depende de culpa. O proprietário do imóvel tem a obrigação de reparar o dano ao meio ambiente tenha ou não provocado este dano.
Se você adquiriu um imóvel onde houve supressão de área de preservação permanente, a lei afirma que você tem a obrigação de recompor a APP.
Não só isso, se neste imóvel há uma construção em APP, você terá que demolir.
Em direito ambiental a responsabilidade é objetiva e a obrigação de reparar o dano é uma obrigação propter rem.
Para saber mais a respeito, acesse o post O adquirente de imóvel pode ser responsabilizado pela recuperação de área degradada?
Agora que você tem uma noção do que é uma área de preservação permanente e de como funciona a responsabilidade por dano ao meio ambiente, vamos tratar de área de mangue.
A quem pertence o manguezal?
Um primeiro ponto que você deve ficar por dentro é se um particular pode ser proprietário de mangue ou de parte dele.
Historicamente o manguezal é de domínio público. O pântano, o terreno de mangue, o bosque de mangue ou mangue não é propriedade particular desde o Brasil Colônia.
A respeito da evolução histórica da legislação que protege manguezais e da sua propriedade, para advogados, é interessante a leitura do Recurso Especial nº1.732.700 – SC (2018/0052074-4).
Não há referência expressa na Constituição quanto aos mangues pertencerem à União. Contudo, entende-se que os mangues pertencem à União. Os manguezais são bens públicos e compõem o patrimônio da União Federal.
Ao contrário dos imóveis particulares, que devem ter registro em um cartório de registro de imóveis, a Secretaria do Patrimônio da União é o órgão responsável pelo registro do bens da União.
Esta dualidade de registros pode gerar sobreposição de áreas, fazendo com que parcela de um imóvel particular seja de domínio da União Federal.
Quando falamos de mangue, a questão pode complicar mais ainda. Para entender melhor, você deve antes saber a diferença entre mangue e manguezal.
O que é mangue e manguezal?
Existe diferença entre mangue e manguezal.
O artigo 2º, inciso XIII, do Código Florestal traça o conceito legal do que deve se compreender como manguezal:
XIII – manguezal: ecossistema litorâneo que ocorre em terrenos baixos, sujeitos à ação das marés, formado por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se associa, predominantemente, a vegetação natural conhecida como mangue, com influência fluviomarinha, típica de solos limosos de regiões estuarinas e com dispersão descontínua ao longo da costa brasileira, entre os Estados do Amapá e de Santa Catarina;
O Código Florestal protege o manguezal, que é um espaço ou
habitat. A partir daí protege o bosque de mangue e todas as outras características botânicas do ecossistema.
Veja que há diferença entre manguezal e mangue. A grosso modo, o manguezal é a área do ecossistema, enquanto que o mangue é a vegetação.
Acontece que manguezais são áreas de preservação permanente e o Código Florestal é expresso ao afirmar que uma APP pode ou não ter vegetação nativa.
Perceba que o desaparecimento do bosque de mangue ou da vegetação preexistente via de regra não descaracteriza o ecossistema e, consequentemente, a área de preservação permanente.
Mangue é área de preservação permanente?
Mencionamos acima que manguezais são área de preservação permanente. Consequentemente o bosque de mangue recebe proteção legal. Vamos ver o que diz o Código Florestal (Lei 12.651/2012):
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(omissis)
VII – os manguezais, em toda a sua extensão;
Note que um mangue seco, por ser uma área de preservação permanente, via de regra, possui proteção legal. Como vimos acima, uma APP pode ou não ter cobertura vegetal nativa.
Pode construir em mangue?
O Código Florestal protege as áreas de preservação permanente estabelecendo que o proprietário, possuidor ou ocupante do imóvel deve manter a vegetação.
Havendo supressão da vegetação em APP, deve também promover a recomposição da vegetação, ressalvando os usos que a lei autoriza.
Como vimos acima, a obrigação de recompor a vegetação nativa, por ter natureza real, se transmite ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel.
A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente poderá ocorrer em três hipóteses:
– utilidade pública;
– interesse social;
– baixo impacto ambiental.
No que se refere a construções em área de mangue, afora as exceções acima, o particular não pode construir em área de mangue.
Mas existe uma outra hipótese onde excepcionalmente é possível construir em manguezal. Vamos ver adiante.
Quando pode construir em área de mangue?
O Código Florestal prevê uma hipótese excepcional onde é possível a intevenção ou supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente.
Vejamos o que diz a lei a esse respeito. – E não se preocupe, logo a seguir explicaremos de forma fácil o seu conteúdo:
Art. 8º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
(Omissis)
§ 2º A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda. (Vide ADC Nº 42) (Vide ADIN Nº 4.903)
Pois bem!
O Código Florestal protege o meio ambiente. Para isto, existem às áreas de preservação permanente. No entanto, a lei não fica alheia à realidade social, sobretudo, de que existem áreas que ao longo dos anos sofreram ocupação desordenada em meio urbano.
Nestas áreas há a necessidade de regularização fundiária. Ou seja, apesar da aquisição do imóvel, o proprietário não tem o registro em seu nome no Cartório de Registro de Imóveis.
A lei traça então condições para construir em mangue nestas áreas; são elas:
– iniciativa do Poder Público de regularização fundiária da área urbana;
– que a área urbana seja de uso consolidado;
– que população de baixa renda habite a área urbana.
Afora estas condições, há a condição mais importante: a função ecológica do manguezal estar comprometida!
Estes são os requisitos para poder construir – ou regularizar a propriedade – em área de mangue seco, ou que sofreu aterro, em meio urbano.
O que fazer para construir em área de mangue?
Como vimos acima, o Código Florestal restringe bastante edificações e construções em área de mangue.
Os manguezais são de propriedade da União Federal. Por aí, já se encontra um obstáculo para que alguém possa construir ou regularizar a propriedade de imóvel inserido em um manguezal.
Por outro lado, manguezais são área de preservação permanente. Nesta hipóteses, a propriedade particular também sofre restrições das APP’s.
Um primeiro passo para construir ou regularizar a propriedade em áreas de preservação permanente, sobretudo, em área de mangue, é o proprietário ou possuidor se dirigir à Prefeitura do seu Município.
Tomar informações quando a programas de regularização fundiária por ventura existentes é fundamental para não assumir responsabilidades por danos ao meio ambiente ou, pior que isto, provocar um novo dano ambiental, assumindo responsabilidades também na esfera administrativa e criminal.
Afora esta hipótese, o caminho correto a seguir, na dúvida, é levar a efeito processo administrativo de licenciamento ambiental principalmente para empreendimentos, partindo a consulta de um órgão ambiental estadual.
Nesses casos, é altamente aconselhável contar com a assessoria de um bom advogado em direito ambiental.
Uma última dica importante
A proteção do meio ambiente é uma preocupação necessária que requer medidas urgentes, com atuação ampla do Ministério Público e demais órgãos de fiscalização.
A responsabilidade por dano ambiental gera consequências das mais diversas nas esferas administrativa, criminal e civil, merecendo toda atenção do proprietário ou possuidor qualquer intervenção em área protegidas por lei, sobretudo, em áreas de preservação permanente.
Acontece que nem sempre o proprietário ou o possuidor deve responder por obrigações decorrentes de dano ambiental. Em infrações administrativas e em crimes ambientais, a lei assegura que somente quem provocou o dano deve sofrer a pena.
Por outro lado, via de regra, a reparação civil deve corresponder ao dano em si causado ao meio ambiente, havendo assim limitações legais para a obrigação do proprietário ou possuidor.
Em todos os casos, você deve contar com uma boa assessoria para se defender e ter ao seu lado um advogado experiente em questões de direito ambiental.
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