Ocorre a perda da posse toda vez que o possuidor não exerce ou não pode exercer algum poder inerente à propriedade. A posse é que dá visibilidade ao domínio.
1. Quando ocorre a perda da posse
Haverá a perda da posse toda vez que o possuidor deixar de se comportar como proprietário, não havendo, assim, necessidade de se discriminar por quais os meios há a perda de posse.
A posse é a exteriorização da propriedade. Para que a posse continue a existir, é necessário o seu exercício.
Não obstante, é corrente a enumeração dos modos mais frequentes de perda da posse. O Código Civil, nos arts. 1.223 e 1.224, estabeleceu quais as causas que geram a perda da posse; são elas:
– o abandono;
– a tradição;
– a perda da coisa;
– a inalienabilidade da coisa;
– a posse de outrem;
– o constituto possessório.
2. Modos de perda da posse
De acordo com Savigny, a posse resulta da concorrência do corpus e do animus, sendo que, caso um desses elementos deixe de existir, perde-se a posse.
Seguindo esta inteligência, distribuem-se em três grupos os modos de perda da posse:
– Corpus e de animus;
– Animus;
– Corpus.
2.1 Perda da posse pelo corpus e animus
Na perda da posse em razão da ausência do corpus e do animus o possuidor intencionalmente deixa exercer o poder material sobre a coisa.
Nesse grupo, encontramos o abandono e a tradição como exemplos de perda da posse.
2.1.1 Abandono da coisa
O abandono é o primeiro modo de perda da posse pelo perecimento concomitante do corpus e do animus.
Desfazendo-se de coisa que não mais deseja, o possuidor manifesta a intenção de não mais exercer poder, desfazendo-se da coisa.
Como exemplo de abandono temos alguém que joga fora um objeto que lhe pertence.
O abandono se distingue da simples perda pelo fato de que, nesta, o possuidor deixa de exercer poder sobre a coisa contra a sua vontade.
No abandono, o possuidor deliberadamente deixa de exercer a posse através de um ato intencional, como quem deixa um sofá antigo à frente do seu imóvel para que um terceiro o leve.
Nem sempre o abandono da posse acarreta abandono de propriedade.
Recorrendo a mais um exemplo, se se jogarem objetos no quintal da própria casa ou se se atirarem objetos ao mar para salvá-los de um naufrágio, não há intenção de não mais desejar as coisas como suas, de modo que o dono desses bens tem o direito de recuperá-los.
2.1.2 Tradição
Na tradição, também há a ausência simultânea do corpus e do animus, com o possuidor transmitindo a posse a terceira pessoa, deixando de deter a coisa fisicamente e com a intenção manifesta de transferi-la em favor do adquirente.
Por sinal, a tradição é, ao mesmo tempo, modo de aquisição e de perda da posse.
Para que a tradição figure como um dos modos de perda da posse, é preciso que haja o propósito inequívoco de se desfazer da posse.
Caso a entrega da coisa não se faça acompanhada de tal intenção, não há perda da posse.
Por exemplo, ocorrendo o desdobramento de uma relação possessória, como no usufruto, a entrega do bem ao usufrutuário não implica perda da posse para o nu-proprietário.
Equivalente a tradição, para os bens imóveis, é a transcrição do título no respectivo registro.
2.2 Perda da posse pelo corpus
Perde-se a posse em razão do corpus, ou seja, em razão da impossibilidade material do possuidor exercer poder sobre a coisa. Neste caso, há a ocorrência de algum fato que impede, de modo definitivo, o exercício do poder físico.
A perda da posse se dá contra a vontade do possuidor.
A perda da posse por ausência do elemento corpus ocorre pela perda da coisa, pela sua destruição, pela posse de outrem, e também pelo fato de ser a coisa posta fora do comércio.
2.2.1 Perda da coisa
A perda da coisa acontece quando o possuidor se vê privado da coisa sem assim o desejar.
No entanto, enquanto a coisa se encontrar perdida em domínio do possuidor, como dentro da sua casa, não há perda da posse.
Por outro lado, se a perda ocorrer na rua, e o possuidor deixar de procurá-la, desistindo da coisa, estará perdida a posse.
2.2.2 Destruição da coisa
Para que a destruição da coisa acarrete perda da posse é necessário que a inutilize definitivamente, impossibilitando o exercício do poder de utilizar o bem por parte do possuidor.
A simples danificação da coisa não implica em perda da posse, pois mesmo que haja prejuízo econômico a coisa preenche sua destinação.
Somente a impossibilidade permanente de dispor da coisa determina a perda da posse.
Por exemplo, a ocupação do corpus por um rio importa perda da posse.
No entanto, há que se distinguir a natureza da causa do perecimento.
Se a causa foi transitória, a posse conserva-se, como no caso dos rios que periodicamente cobrem trechos de terra.
Por outro lado, se a duração da perda foi imprevisível, não é possível admitir-se que o animus possidendi perdure até desaparecer o obstáculo.
2.2.3 Posse de outrem
Ocorre a perda da posse para terceira pessoa, ainda que contra a vontade do possuidor, se este não for manutenido ou reintegrado da posse da coisa em tempo competente.
O exercício da posse pode se dar por mais de uma pessoa, porém, de forma exclusiva.
No momento em que firmada a posse nova, opera-se a extinção da posse anterior.
Quando o possuidor fica inerte à turbação ou ao esbulho, deixando escoar o prazo de ano e dia, há a perda da posse, surgindo uma nova posse em favor de outrem.
Há perda da posse para o possuidor que não presenciou o esbulho (CC, art. 1.224):
– quando, tendo notícia do esbulho,o possuidor se abstém de retomar o bem, abandonando seu direito, pois não se mostrou visível como propretário em razão do seu completo desinteresse;
– quando, tentando recuperar a sua posse, for, violentamente, repelido por quem detém a coisa e se recusa, terminantemente, a entregá-la.
2.2.4 Inalienabilidade da coisa
Há perda da posse por ter sido a coisa colocada fora do comércio por motivo de ordem pública, de moralidade, de higiene ou de segurança coletiva, não podendo ser, assim, possuída porque é impossível exercer, com exclusividade, os poderes inerentes ao domínio.
Tanto as coisas insuscetíveis de apropriação como as legalmente inalienáveis não podem são passíveis de posse, uma vez que sobre os bens que estão fora do comércio não se pode exercer, com exclusividade, qualquer dos poderes inerentes ao domínio.
No entanto, alguém pode possuir bem que passe à categoria de coisa extracomércio, verificando-se, então, a perda da posse pela impossibilidade, daí por diante, de ter o possuidor poder físico sobre o objeto da posse, de nada valendo a sua intenção de continuar a possuí-la, por isso que a ela se opōe uma impossibilidade jurídica.
2.3 Perda da posse pelo animus
A perda da posse em decorrência da ausência do elemento animus ocorre unicamente no constituto possessório, onde o possuidor conserva o poder de dispor da coisa, que vinha possuindo como dono, mas perde a posse, porque passa a possuir em nome de outrem.
2.3.1 Constituto possessório
O constituto possessório dá origem a perda da posse. Em função da cláusula constituti, há alteração da relação possessória, passando o possuidor a possuir a coisa em nome alheio.
O antigo possuidor conserva a detenção física da coisa, no entanto, sem a intenção de possuí-la como sua, mas em nome do adquirente.
De forma simultânea, há a aquisição da posse por parte do adquirente. O constitutum possessorium é também uma forma de aquisição da posse.
No constituto possessório, a perda da posse se dá sem a privação do corpus.
Em alguns casos, no entanto, o alienante retém a posse direta, como no exemplo do proprietário que vende a casa onde mora e continua a habitá-la na qualidade de locatário.
3. Perde-se a posse dos direitos
Os modos de perder a posse, até então referidos, dizem respeito às coisas.
Perde-se a posse também dos direitos em se tornando impossível exercê-los, ou não se exercendo por tempo que baste para prescreverem.
Desde que surja uma impossibilidade jurídica, o possuidor perde a posse do direito, assim como se dá com a destruição do objeto.
A posse existe na condição de ser conservada, porque, em suma, é utilização da coisa.
Os direitos devem ser conservados por atos que revelem o interesse de seus titulares. Seu exercício é a forma por que são utilizados.
A inércia do possuidor de um direito pode causar a perda da sua posse.
Alguns direitos requerem exercício em certo prazo. Outros, no entanto, requerem atos de conservação sob pena de prescrição.
Há, por fim, direitos que exigem constante vigilância para que outros o não adquiram pelo decurso de tempo.
Não se exercendo os direitos em tempo que baste para prescreverem, não mais podem ser exercidos, tornando-se inúteis, insuscetíveis de posse.
Perde-se a posse de direitos pela impossibilidade de seu exercício (CC, art. 1.196), isto porque a impossibilidade física ou jurídica de possuir um bem leva à impossibilidade de exercer sobre ele os poderes inerentes ao domínio.
É o que se tem, por exemplo, quando se perde o direito de posse de uma servidão de passagem: (i) quando há a destruição do prédio dominante ou serviente; (ii) quando se renuncia ao direito à servidão; (iii) quando se faz cessão de prédio próprio a outrem; (iv) quando ato de terceiro, que se opõe à sobrevivência da posse, impede o exercício da servidão, por ter tapado o caminho, e o possuidor não age em defesa de sua posse.
Perde-se a posse de um direito também pelo desuso. Se a posse de um direito não se exercer dentro do prazo previsto, tem-se, por consequência, a sua perda para o titular. Como exemplo, o desuso de uma servidão predial por 10 anos consecutivos põe fim à posse do direito (CC.art.1.389, III).
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