O direito positivo consagra a distinção clássica ou realista entre direito real e direito pessoal. Veja a seguir a diferença entre direito real e pessoal.
Precedentes históricos
A compreensão dos direitos reais, em sua forma atual, passou por uma evolução ao longo da história jurídica.
No direito romano clássico, não havia uma teoria elaborada sobre os direitos reais, pois o enfoque inicial era o poder em vez do direito.
Neste texto, até os dias atuais, houve uma transição e consolidação dos conceitos de jus in re e jus ad rem, que distinguem os direitos reais dos pessoais.
No direito romano clássico, a noção de direitos reais não era abordada, mas sim de ações.
O foco estava nas ações, sendo que a actio prevalecia sobre o ius.
Portanto, o desenvolvimento inicial foi baseado na prática e no poder exercido sobre a coisa.
Foi somente no século XII que os termos jus in re e jus ad rem surgiram, sob a influência do direito canônico.
A distinção entre direitos reais e pessoais começou a se solidificar.
Essa influência contribuiu para a diferenciação conceitual e para a categorização dos direitos.
A partir desse momento, o jus in re passou a ser reconhecido como uma categoria distinta da obligatio, caracterizando-se pelo poder imediato sobre a coisa, conferindo ao titular o direito de disposição e de exercício de poderes sobre o objeto.
Já o jus ad rem, embora híbrido, possui uma abrangência maior do que a obrigação, concedendo ao titular um poder substancial sobre a coisa.
Com o tempo, a distinção entre jus in re e jus ad rem se consolidou, estabelecendo bases sólidas para a compreensão dos direitos reais.
A partir desse marco histórico, tornou-se possível delinear os contornos dessas categorias e reconhecer os direitos inerentes a cada uma delas.
Direito Moderno
No âmbito do direito moderno, a distinção entre direitos reais e pessoais tem sido consagrada, apesar de receber críticas de concepções monistas ou unitárias que buscam identificar ambos os tipos de direitos.
Neste texto, dentre as teses unitárias, surgem a Teoria personalista e a Teoria Monista ou impersonalista.
Vejamos, a seguir, o que diz cada uma delas:
a) A Teoria Personalista
A teoria personalista defende que o direito é uma proportio hominis ad hominem, ou seja, uma relação jurídica entre pessoas e não entre a pessoa e a coisa em si.
Essa perspectiva se baseia na ideia fundamental de que não é adequado estabelecer uma relação jurídica direta entre a pessoa e a coisa, uma vez que todo direito, como um correlato obrigatório de um dever, é necessariamente uma relação entre pessoas.
Segundo essa abordagem, o direito real é considerado uma obrigação passiva universal, ou seja, um dever geral de se abster de qualquer interferência no bem que está sob o controle de alguém.
Essa obrigação se individualiza toda vez que alguém a viola, sendo assim, é necessário identificar três elementos constitutivos do direito real: o sujeito ativo, o sujeito passivo e o objeto.
Por exemplo, no direito de propriedade, o proprietário é o sujeito ativo, a coletividade é o sujeito passivo e o objeto é a coisa sobre a qual recai o direito.
Nesse contexto, trata-se de uma obrigação de conteúdo negativo, em que a coletividade deve respeitar o direito do proprietário e se abster de praticar atos lesivos a esse direito.
Embora a teoria personalista apresente uma abordagem interessante, ela enfrenta críticas de diversas correntes que defendem concepções diferentes sobre os direitos reais e pessoais.
Algumas dessas críticas questionam a visão restritiva da relação jurídica apenas entre pessoas, argumentando que a relação entre a pessoa e a coisa é essencial para a compreensão dos direitos reais.
Além disso, a teoria personalista pode negligenciar aspectos de utilidade social, como a função social da propriedade.
b) Teoria Monista ou Impersonalista
A teoria monista objetiva assimilar o direito real e o direito pessoal em uma única noção, sem identificá-los claramente.
É importante destacar que a teoria monista não encontra respaldo no direito positivo, que consagra a distinção tradicional entre direito real e direito pessoal.
De acordo com a Teoria Monista ou Impersonalista, o direito real e o direito pessoal seriam concebidos como uma única categoria, desconsiderando a distinção entre eles.
A Distinção Tradicional entre Direito Real e Direito Pessoal
Ao contrário das teorias monistas, o direito positivo consagra a distinção clássica ou realista entre direito real e direito pessoal.
Segundo essa abordagem, o direito real é entendido como uma relação direta entre o homem e a coisa, contendo três elementos essenciais: o sujeito ativo, a coisa e a influência imediata do sujeito ativo sobre a coisa.
Por outro lado, o direito pessoal é visto como uma relação entre pessoas, envolvendo tanto o sujeito ativo quanto o passivo, além da prestação que o primeiro deve ao segundo.
Embora a dicotomia entre direito real e direito pessoal seja amplamente aceita, os juristas ainda não chegaram a um critério único para estabelecer os traços distintivos entre eles.
A discussão em torno das teorias monistas e da distinção tradicional continua sendo objeto de análise e reflexão no campo jurídico.
As teorias monistas, como a objetivista ou impersonalista, propõem a despersonalização do direito e a assimilação dos direitos reais e pessoais em uma única categoria.
No entanto, essas teorias não encontraram respaldo no direito positivo, que consagra a distinção clássica entre direito real e direito pessoal.
A discussão sobre a natureza e as características de cada tipo de direito continua sendo objeto de estudo e análise pelos juristas, visando a um melhor entendimento e aplicação dessas categorias no contexto jurídico contemporâneo.
Diferença entre direitos reais e direitos pessoais
Em relação ao sujeito de direito
Nos direitos pessoais, há dualidade de sujeito: o ativo (credor) e o passivo (devedor).
Nos direitos reais, há apenas um sujeito; para a escola clássica, é o sujeito ativo, e para a teoria unitária, é o sujeito passivo, uma vez que o direito real é oponível a todos, estabelecendo uma relação jurídica entre o titular e toda a humanidade, obrigando passivamente a respeitar o direito do sujeito ativo.
Quanto à ação
No caso de violação dos direitos pessoais, o titular possui uma ação pessoal que se dirige apenas contra o indivíduo que figura como sujeito passivo na relação jurídica.
Já nos direitos reais, quando violados, conferem ao titular uma ação real contra qualquer pessoa que detenha a coisa, independentemente de quem seja.
Quanto ao objeto
O objeto do direito pessoal é sempre uma prestação do devedor, enquanto o objeto do direito real pode ser coisas corpóreas ou incorpóreas, uma vez que visa à apropriação de riquezas.
Em relação ao limite
O direito pessoal é ilimitado, sensível à autonomia da vontade, permitindo a criação de novas figuras contratuais que não têm correspondente na legislação.
Por outro lado, o direito real não pode ser objeto de livre convenção, estando limitado e regulado expressamente por norma jurídica.
A especificação da lei estabelece um numerus clausus, ou seja, uma lista fechada de tipos de direitos reais.
Quanto ao modo de gozar os direitos
O direito pessoal exige sempre um intermediário que está obrigado à prestação.
Já o direito real permite o exercício direto entre o titular e a coisa, desde que esta esteja disponível.
O direito real concede ao titular um gozo permanente, enquanto o direito pessoal se extingue no momento em que a obrigação é cumprida.
Em relação ao abandono
O abandono é característico do direito real, permitindo que o titular abandone a coisa nos casos em que não queira arcar com os ônus.
Por exemplo, no caso do exercício de uma servidão que exige obras para o seu uso e conservação, o dono do prédio serviente pode se exonerar dessa obrigação abandonando a propriedade ao dono do prédio dominante.
Tal possibilidade não existe no direito de crédito.
Quanto à extinção
Os direitos creditórios extinguem-se pela inércia do sujeito, enquanto os direitos reais permanecem até que uma situação contrária em proveito de outro titular seja estabelecida.
Em relação à sequela
O direito real segue seu objeto onde quer que ele esteja.
O direito de sequela é a prerrogativa concedida ao titular do direito real de exercer seu direito sobre a coisa, contra qualquer pessoa que a possua injustamente ou seja seu detentor.
Isso não se aplica ao direito pessoal.
Quanto ao usucapião
O usucapião é um modo de aquisição de direito real, não de direito pessoal.
Em relação à posse
Somente o direito real é suscetível de posse, pois a posse é a exterioridade do domínio.
Embora haja direitos reais que não comportam posse, como os que recaem sobre o valor da coisa (como a hipoteca), a posse com todos os seus consectários continua com o sujeito passivo.
Os direitos de propriedade literária, artística e científica são exemplos de direitos reais incorpóreos.
Quanto ao direito de preferência
O direito de preferência é restrito aos direitos reais de garantia e consiste no privilégio de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação.
A responsabilidade da obrigação concentra-se sobre determinado bem do patrimônio do devedor.
Em caso de inadimplemento, o credor pignoratício ou hipotecário tem preferência sobre os quirografários ou credores pessoais contra o devedor.
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