Usucapião e ação reivindicatória
Processo: 0300615-03.2016.8.24.0004 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Rosane Portella Wolff
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil
Julgado em: 25/07/2024
Classe: Apelação
Apelação Nº 0300615-03.2016.8.24.0004/SC
RELATORA: Desembargadora ROSANE PORTELLA WOLFF
RELATÓRIO
XXXXXXXXX ajuizou a ação reivindicatória cumulada com perdas e danos com pedido de tutela antecipada n. 0300615-03.2016.8.24.0004, em face de XXXXXXXXXXXXXXX, perante a 2ª Vara Cível da comarca de Araranguá.
A lide restou assim delimitada, consoante relatório da sentença da lavra do magistrado Gustavo Santos Mottola (evento 64, SENT1):
1. XXXXXXXXXXXXXXXXX ajuizou ação reivindicatória contra XXXXXXXXXXXXXXXXXX, relatando que é legítimo proprietário do imóvel objeto da matrícula nº 23.166 e que a ré está ocupando o imóvel ilegalmente. Assim, postulou a procedência da demanda, para ser imitido na posse do imóvel.
A liminar foi indeferida.
Citada, a parte ré contestou a ação, alegando preliminarmente iletigimidade ativa. No mérito, asseverou a exceção de usucapião, informando que são possuidores do imóvel há mais de 15 anos;
O autor replicou.
Reconhecida a conexão entre as ações, e devidamente instruído o feito, as partes apresentaram alegações finais, ocasião em que fizeram análise da prova produzida e reiteraram argumentos anteriores.
A ação de usucapião em apenso n. 0301259-77.2015.8.24.0004 foi julgada procedente.
Vieram os autos conclusos.
É o breve relatório.
Na parte dispositiva da decisão constou:
3. Face ao exposto, julgo improcedente a demanda e, por consequência, extinto o feito nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador do réu, que fixo em 10% sobre o valor da causa.
Publique-se, registre-se e intime-se.
Transitada em julgado a decisão, arquive-se.
Irresignada, a parte Ré interpôs Recurso de Apelação (evento 74, APELAÇÃO1) e alegou, em resumo, que: a) “r. Sentença apelada é nula, visto que não foi proferida em conjunto com a Ação de Usucapião apensa, podendo gerar decisões conflitantes, caracterizando error in procedendo do d. Juízo a quo”; b) “a Apelada afirma que passou a exercer a posse do imóvel usucapiendo “desde a época da compra do lote”, o que foi realizado em 06/03/2015, conforme contrato de “gaveta” juntado no Evento 1, INF5, Página 1″; c) “a prova testemunhal produzida nos autos mostram-se contraditórias em face às próprias afirmações da Apelada”; d) “considerando que as testemunhas foram inquiridas em 2022, com base na prova testemunhal, a posse da Apelada teria iniciado no ano de 2005, ou seja, 10 (dez) anos antes do início da posse afirmado pela própria Apelada na peça exordial, o qual informou que a sua posse teria iniciado somente no ano de 2015, quando firmou o contrato de “gaveta””; e) a posse antecedente exercida por Pedro Peres era precária; f) “a Apelada tinha plena ciência da condição do imóvel e da posse precária exercida quando firmaram o contrato de “gaveta””; g) “o contrato de “gaveta”, o qual a Apelada alega ser seu “justo título”, faz referência a outro imóvel, qual seja: matrícula n. 4.714″, sendo que “o imóvel objeto da usucapião é o de matrícula n. 23.166″; e h) “desde 29/07/2016 a posse exercida pela Apelada é precária, visto que tomou a ciência da intenção da Apelante em reaver o imóvel”.
Ao final, requereu o conhecimento e provimento do Recurso.
Com as contrarrazões (evento 79, CONTRAZAP1), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
Intimada acerca das contrarrazões, a Apelante apresentou manifestação no evento 15, PET1.
É o relatório.
VOTO
1 Da alegada ofensa ao princípio da dialeticidade
Aduziu a Apelada, em contrarrazões, que o reclamo interposto pela Apelante viola o princípio da dialeticidade, já que reproduziu as mesmas razões trazidas em sua contestação.
Sem razão, no entanto, já que, minimamente, a Recorrente ataca os fundamentos da sentença, ainda que parte da peça reprise a argumentação da contestação.
Com isso, implica dizer, que há vinculação mínima entre a motivação recursal e a ratio decidendi, satisfazendo-se os pressupostos encartados nos art. 1.010 do Código de Processo Civil.
Assim, afasta-se a prefacial em questão e preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso.
2 Da alegada nulidade da sentença
Aduziu o Recorrente que “r. Sentença apelada é nula, visto que não foi proferida em conjunto com a Ação de Usucapião apensa, podendo gerar decisões conflitantes, caracterizando error in procedendo do d. Juízo a quo”;
No entanto, ainda que proferida a sentença na ação de usucapião n. 0301259-77.2015.8.24.0004 e nesta demanda reivindicatória n. 0300.615.03.2016.8.24.0004 em datas diversas, o Juízo da origem consignou, quando do julgamento dos Aclaratórios da ação de usucapião que “que de fato a ação reinvindicatória não foi julgada em conjunto, mas os fatos foram analisados, conforme a fundamentação. Ademais, o tempo de posse da autora (mais de 16 anos) ficou claramente comprovado nos autos, o que demonstra o aninus domini” (evento 243, DESPADEC1 da ação conexa apensa).
Logo, tem-se que não se evidencia a alegada nulidade.
De todo modo, nesta fase recursal, as demandas são julgadas conjuntamente.
3 Do mérito
Sustentou, em suma, a Recorrente que a posse da parte Apelada e do seu antecessor, XXXXX, são precárias, razão pela qual a pretensão reivinicatória merece ser acolhida.
A matéria relativa ao pleito de reconhecimento de usucapião foi apreciada na demanda conexa apensa (autos n. 0301259-77.2015.8.24.0004), de modo que lá restou reconhecido o preenchimento dos requisitos, sendo desnecessário o reexame do tema neste feito.
Nesse viés, sendo acolhida a pretensão de reconhecimento de usucapião, tem-se, por consequência, refutado o pedido reivindicatório.
Sobre o tema, já decidiu esta Corte de Justiça:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO REIVINDICATÓRIA CONEXA COM AÇÃO DE USUCAPIÃO URBANO EXTRAORDINÁRIO (ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL). DEMANDAS QUE DISCUTEM A PROPRIEDADE DE UM TERRENO. IDENTIDADE DAS CAUSAS DE PEDIR. CONEXÃO EVIDENCIADA NA INSTÂNCIA DE ORIGEM E REUNIÃO DOS PROCESSOS PARA JULGAMENTO CONJUNTO. SENTENÇA ÚNICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE USUCAPIÃO E IMPROCEDÊNCIA DA REIVINDICATÓRIA. RECURSOS INTERPOSTOS PELO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL EM CADA AÇÃO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA SUSCITADA NAS DUAS IRRESIGNAÇÕES. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL (ART. 489, II, CPC/2015; ART. 458, II, CPC/73). INOCORRÊNCIA DA EIVA. DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO QUANTO A PONTOS IRRELEVANTES PARA O DESLINDE DA QUAESTIO. PREFACIAL RECHAÇADA. MÉRITO. AÇÃO DE USUCAPIÃO URBANO EXTRAORDINÁRIO. INAPLICABILIDADE DA REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 2.028 DO CÓDIGO CIVIL EM VIGÊNCIA. EXISTÊNCIA DE REGRA ESPECÍFICA. ARTIGO 2.029 C/C 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. PRAZO AQUISITIVO DE 10 ANOS, APÓS 2 ANOS DE VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL 2002. ALEGAÇÃO DE INCONGRUÊNCIAS NA IDENTIFICAÇÃO DO BEM. NÃO ACOLHIMENTO. IMÓVEL LOCALIZADO EM UM LOTEAMENTO DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO. POSIÇÃO DEMONSTRADA NOS AUTOS POR LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO SUBSCRITO POR ENGENHEIRO CIVIL, CERTIDÃO DE CONFRONTAÇÃO DA PREFEITURA MUNICIPAL E CERTIDÃO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. INFORMAÇÕES HARMÔNICAS. DIFICULDADE DE SUA LOCALIZAÇÃO NÃO MENCIONADA PELOS ÓRGÃOS PÚBLICOS EM SUAS MANIFESTAÇÕES. DEFESA APRESENTADA PELO PROPRIETÁRIO SEM QUALQUER PREJUÍZO NESSE SENTIDO. ARGUMENTO AFASTADO. ALEGADA POSSE MANSA, CONTÍNUA E COM ÂNIMO DE DONO DA ÁREA REIVINDICADA POR MAIS DE DEZ ANOS. IMÓVEL DESTINADO À MORADIA. SUBSISTÊNCIA. PROVA TESTEMUNHAL CONTUNDENTE QUANTO À OCUPAÇÃO DO BEM PELOS REQUERENTES E SEU ANTECESSOR, SEM OPOSIÇÃO. PROPRIETÁRIO DESCONHECIDO NA REGIÃO. BOLETIM DE OCORRÊNCIA REGISTRADO PELO DEMANDADO. DOCUMENTO DESACOMPANHADO DE OUTRAS PROVAS. DECLARAÇÃO UNILATERAL. AUSÊNCIA DE FORÇA PROBATÓRIA A DEMONSTRAR QUE A POSSE DOS AUTORES DO PEDIDO DE USUCAPIÃO FOI EFETIVAMENTE CONTESTADA. OPOSIÇÃO NÃO EVIDENCIADA. REQUISITOS DA USUCAPIÃO ATENDIDOS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. EXISTÊNCIA DE FATO EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR. PERDA DO DOMÍNIO. USUCAPIÃO RECONHECIDA EM FAVOR DOS RÉUS NA DEMANDA CONEXA. FORMA ORIGINÁRIA DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE. SITUAÇÃO QUE ENSEJA A IMPROCEDÊNCIA DA ACTIO REIVINDICATÓRIA. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO IMPERATIVA EM CADA DEMANDA. EXEGESE DO ART. 85, §§ 2º E 11 DA LEI INSTRUMENTAL. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível n. 0002889-54.2009.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Luiz Felipe Schuch, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 14-11-2019, sem grifo no original).
Assim, não merece provimento o recurso da Apelante.
Por fim, considerando que se trata de Inconformismo interposto contra sentença publicada já sob a vigência do Novo Código de Processo Civil, há de se acrescer à verba destinada ao procurador da Apelada quantia para remunerá-lo pelo trabalho desenvolvido no segundo grau de jurisdição, em decorrência do disposto no respectivo art. 85, §§ 1º e 11, da referida norma.
Para tanto, considerando o tema debatido na lide e o tempo decorrido entre a remessa dos autos a esta Corte e seu julgamento pelo Órgão Colegiado (menos de dois anos), majora-se o estipêndio advocatício do causídico da Apelada em 3%, mantidos os parâmetros adotados na sentença.
4 Do pedido de condenação da Apelada por litigância de má-fé
A Apelante, no evento 15, PET1 do caderno recursal, requereu a condenação da Apelada por litigância de má-fé, sob o fundamento de que esta aduziu “tese jurídica manifestamente infundada e genérica”.
Consabido que a litigância de má-fé é a conduta temerária consubstanciada no dolo de tumultuar o andamento do processo ou prejudicar a parte contrária.
Logo, seu reconhecimento depende da visualização de dano específico na prática de uma das situações taxativamente previstas no artigo 80 do Código de Processo Civil, confira-se:
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
No caso em tela, ainda que a parte Recorrida tenha apresentado preliminar de não conhecimento do Apelo em contrarrazões, que não foi acolhida, não se evidencia conduta que implique em imediata aplicação da penalidade pretendida.
Assim, não vislumbro a existência de dolo processual, pelo que inviável a condenação às penas em questão.
É o quanto basta.
Ante o exposto, voto por conhecer do Recurso, negar-lhe provimento e fixar honorários recursais.
Apelação Nº 0300615-03.2016.8.24.0004/SC
RELATORA: Desembargadora ROSANE PORTELLA WOLFF
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA CUMULADA COM PERDAS E DANOS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ.
PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE APRESENTADA EM CONTRARRAZÕES. REJEIÇÃO. INSURGÊNCIA DA REQUERIDA QUE, MINIMAMENTE, APRESENTA ARGUMENTOS PARA REBATER A SENTENÇA.
TESE DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE JULGAMENTO CONJUNTO. REJEIÇÃO. SENTENÇA PROFERIDA NA AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE CONSIDEROU A DEMANDA REIVINDICATÓRIA, AINDA QUE OS JULGAMENTOS TENHAM SIDO PROFERIDOS EM DATAS DIVERSAS. ADEMAIS, JULGAMENTO CONJUNTO DOS RECURSOS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE.
MÉRITO. ALEGAÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS PARA USUCAPIÃO. REJEIÇÃO. ATENDIMENTO DAS CONDIÇÕES RECONHECIDO EM DEMANDA CONEXA DE USUCAPIÃO. PLEITO REIVINDICATÓRIO INVIABILIZADO. PRECEDENTE DESTA CORTE. SENTENÇA MANTIDA.
HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS.
LITIGÂNCIA MÁ-FÉ. PEDIDO FORMULADO PELA APELANTE EM DESFAVOR DA APELADA. DOLO PROCESSUAL NÃO EVIDENCIADO. INOCORRÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES DO ART. 80, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Florianópolis, 25 de julho de 2024.