Usucapião e má-fé

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Usucapião e má-fé

Usucapião e má-fé. A autora foi condenada em litigância de má-fé basicamente por ter editado ação anterior de usucapião, suprimindo documento determinante para a rejeição do primeiro intento: o “contrato de doação – adiantamento da legítima

Processo: 5003134-79.2021.8.24.0030 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Helio David Vieira Figueira dos Santos
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 25/01/2024
Classe: Apelação

Apelação Nº 5003134-79.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS

APELANTE: ROBERTA BULAU MARSICANO (AUTOR) APELADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Imbituba

RELATÓRIO

Trata-se de apelo interposto contra a sentença por meio da qual, nos autos da ação de usucapião extraordinária, o juízo da origem acolheu o pedido de desistência formulado pela autora, julgando extinta a lide na forma do art. 485, VIII, do CPC, e condenando-a ao pagamento de multa de 5% do valor atualizado da causa por litigância de má-fé (ev. 9.1, integrada pela do ev. 19.1 – PG).
Em relação à multa, entendeu o juízo a quo o seguinte:
[…] embora o alegado “equívoco” no ajuizamento da presente ação (ev. 7), denota-se, como antecipado no evento 4, que a autora de forma adrede aproveitou toda a documentação da demanda anteriormente aforada, na parte que lhe interessava, a qual foi extinta pela impossibilidade jurídica do pedido, para tentar vencer a questão impeditiva. 
Por consequência, não se tratou de equívoco como agora quer crer, tendo a demandante atuado de modo temerário, alterando a verdade dos fatos, além de deduzir pretensão contra fato incontroverso, a caracterizar a litigância de má-fé, nos termos do artigo 80 do CPC […]
Em suas razões a autora defende que a reedição da sua ação, por si só, não representa conduta temerária, já que a demanda anterior foi extinta sem julgamento de mérito. Além disso, sustenta que “a modalidade escolhida pela apelante, a Usucapião Extraordinária, independe de justo título, não importando a forma pela qual foi adquirida, desde que preenchidos os requisitos específicos para tanto”, e por isso a não apresentação do contrato de doação, coligido na demanda anterior, não representaria alteração na verdade dos fatos. Requer, por isso, a reforma da sentença, para que seja afastada a penalidade imposta (ev. 22.1 – PG).
Recurso tempestivo e recorrente beneficiária da justiça gratuita.
Não há contrarrazões.
Manifestação do MP no ev. 10.1 – SG, opinando pelo não provimento do apelo.
Este é o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
O caso é simples. A autora foi condenada em litigância de má-fé basicamente por ter editado ação anterior de usucapião, suprimindo documento determinante para a rejeição do primeiro intento: o “contrato de doação – adiantamento da legítima”.
Em outras palavras, o primeiro procedimento (n. 5000441-93.2019.8.24.0030) foi extinto pela impossibilidade jurídica do pedido, pois o bem que busca a autora usucapir lhe foi doado (aquisição derivada). E, ao ajuizar a presente demanda, ela omitiu esse documento.
Nesse contexto, é evidente que houve malícia por parte da autora, que buscou alterar a verdade dos fatos com a finalidade de obter êxito na demanda subsequente.
Aliás, analisando a petição inicial anterior e a da presente, verifico que a até mesmo seus argumentos foram ajustados para suprimir a questão que levou à extinção do feito anterior. Veja-se, da anterior:
[…] A posse da requerente é mansa, pacífica e ininterrupta, sendo exercida há mais de 15 anos, eis que, conforme o contrato particular de cessão de direitos de posse, sua família adquiriu este imóvel no ano de 1993, perfazendo um tempo necessário para propositura da ação.
Portanto, referida área, com a comprovação da transmissão através das declarações das testemunhas ora juntadas, confirmam que o imóvel encontra-se na posse mansa, pacífica e ininterrupta dos anteriores adquirentes pelo período que a lei determina para sua prescrição aquisitiva […] (ev. 1.1, p. 2 dos autos n. 50004419320198240030).
E desta demanda:
[…] A posse da requerente é mansa, pacífica e ininterrupta, sendo exercida há mais de 15 anos.
Portanto, referida área, com a comprovação da transmissão através das declarações das testemunhas ora juntadas, confirmam que o imóvel encontra-se na posse mansa, pacífica e ininterrupta dos anteriores adquirentes pelo período que a lei determina para sua prescrição aquisitiva […] (ev. 1.1, p. 2 – PG)
Colho, outrossim, da manifestação do MP, tomando-a como parte do fundamento:
[…] Além disso, a própria recorrente reconheceu a inadequação da presente lide, no ato em que desistiu da ação e informou sobre estar postulando na via administrativa a regularização da doação por instrumento público (Evento 7).
Consequentemente, constata-se que a apelante faltou, propositalmente, com os deveres de expor os fatos em juízo conforme a verdade e de não formular pretensão quando ciente de que é destituída de fundamento (art. 77, I e II, do CPC). 
Desse modo, está correta a condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé, posto que a parte autora deduziu pretensão contra fato incontroverso e tentou alterar a verdade dos fatos (art. 80, I e II, do CPC) […] (ev. 10.1 – SG).
Sem mais delongas, o caso é de se confirmar a sentença.
Voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

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Apelação Nº 5003134-79.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS

APELANTE: ROBERTA BULAU MARSICANO (AUTOR) APELADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Imbituba

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA QUE HOMOLOGA A DESISTÊNCIA DA AUTORA E A CONDENA  À MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEDIÇÃO DA AÇÃO ANTERIOR SEM O DOCUMENTO QUE HAVIA MOTIVADO A EXTINÇÃO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. RECURSO DA DEMANDANTE, QUE DEFENDE NÃO HAVER MALÍCIA NA REITERAÇÃO DA DEMANDA. REJEIÇÃO. PRIMEIRA AÇÃO EXTINTA POR FALTA DE INTERESSE ANTE A HIPÓTESE DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE, POR FORÇA DE CONTRATO DE DOAÇÃO. NOVA AÇÃO, IDÊNTICA À PRIMEIRA, QUE OMITE A EXISTÊNCIA DO REFERIDO CONTRATO. ALTERAÇÃO NA VERDADE DOS FATOS. MULTA BEM APLICADA. POSICIONAMENTO ENDOSSADO PELO MP NESTE GRAU RECURSAL. 
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 25 de janeiro de 2024.

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 25/01/2024

Apelação Nº 5003134-79.2021.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS

PRESIDENTE: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

PROCURADOR(A): IVENS JOSE THIVES DE CARVALHO
APELANTE: ROBERTA BULAU MARSICANO (AUTOR) ADVOGADO(A): NORMELIA SOUZA DA COSTA (OAB SC032313) APELADO: Juízo da 2ª Vara da Comarca de Imbituba MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 25/01/2024, na sequência 24, disponibilizada no DJe de 06/12/2023.
Certifico que a 4ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 4ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOS
Votante: Desembargador HELIO DAVID VIEIRA FIGUEIRA DOS SANTOSVotante: Desembargador JOSÉ AGENOR DE ARAGÃOVotante: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH
CLEIDE BRANDT NUNESSecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

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