Usucapião: nulidade de registro imobiliário. No presente caso, no entanto, a invalidação foi obstada pelo preenchimento das condições de usucapião pelo apelado, nos termos do art. 214, § 5º, da LRP.
Processo: 0000276-90.2011.8.24.0005 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Eduardo Gallo Jr.
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sexta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 19/12/2023
Classe: Apelação
Apelação Nº 0000276-90.2011.8.24.0005/SC
RELATOR: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
APELANTE: BEATRIZ MARIA DONATTI (AUTOR) APELADO: AFRANE SERDEIRA (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta por BEATRIZ MARIA DONATTI contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Balneário Camboriú, Dr.ª Dayse Herget de Oliveira Marinho, que, na ação declaratória movida em face de AFRANE SERDEIRA, julgou improcedentes os pedidos e a condenou ao pagamento de multa por litigância de má-fé (evento 305, SENT1).
Em suas razões recursais, argumentou, em resumo, que: (a) o juízo de origem violou os arts. 9º e 10 do CPC, na medida em que julgou improcedentes os pedidos com base em fundamento (art. 214, § 5º, da Lei de Registros Públicos) sobre o qual as partes não se manifestaram; (b) não restou analisado a documentação dos evento 206, INF295/296, evento 219, INF138/139, e evento 289, CERT299/300, que demonstram a ciência do apelado acerca da ressalva à concessão do imóvel; (c) houve cerceamento de defesa, visto que a ação foi julgada antecipadamente e a improcedência foi pautada na falta de provas; (d) houve omissão, já que o juízo menciona outros terceiros de boa-fé sem nominá-los; (e) a sentença foi contraditória, na medida em que afirmou o preenchimento das condições de usucapião do imóvel pelo apelado mas também destacou a litigiosidade acerca da posse do terreno; (f) há omissão decorrente da não intervenção do Ministério Público no feito; (g) houve cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado; (h) a sentença é extra petita, já que analisou a demanda como se fosse anulatória, ao passo que tem natureza meramente declaratória; (i) não se aplica a hipótese do art. 214, § 5º, da LRP, na medida em que o apelado tinha ciência da ressalva constante do título de domínio originário; (j) presumem-se conhecidos os vícios constantes dos registros públicos; (k) a posse do imóvel é litigiosa, de modo que o apelado não alcançou as condições para usucapir o terreno, de modo que inaplicável o dispositivo referido; (l) deve ser revogada a aplicação da multa por litigância de má-fé, visto que a conduta da apelante pautou-se no exercício do direito de recorrer; (m) o valor fixado a título de honorários sucumbenciais é desprovido de fundamentação. Ao final, postulou pelo provimento do recurso com a cassação da sentença ou sua reforma, bem como o afastamento da multa por litigância de má-fé e a redução dos honorários (evento 323, APELAÇÃO1).
Contrarrazões apresentadas (evento 330, CONTRAZAP1).
Após revisão acerca da prevenção (evento 18, INF1), os autos foram redistribuídos a este relator.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. André Fernandes Indalêncio, que deixou de se manifestar sobre o mérito recursal por não vislumbrar interesse a ser tutelado pelo órgão ministerial (evento 26, PROMOÇÃO1).
Este é o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
O recurso merece ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Por oportuno, reconheço a competência para relatar o processo, em atenção ao parecer da Diretoria de Cadastro e Distribuição Processual (evento 18, INF1).
2. Escopo do caso
Trata-se de “ação declaratória de falsidade de matrícula imobiliária” ajuizada pela apelante em face do apelado. A causa de pedir reside na narrativa de que houve supressão, no registro de imóveis, de condicionante ao domínio pleno do imóvel em questão quando da transladação da transcrição n. 5.600, fls. 47 do Livro B-3, do 1º Registro de Imóveis de Balneário Camboriú (evento 289, DOC294) para a matrícula n. 33.680 da mesma serventia extrajudicial (evento 289, DOC118), posteriormente migrada para a matrícula n. 17.860 do 2º Registro de Imóveis daquele município (evento 289, DOC109).
A condicionante em questão seria a ressalva a direitos de terceiros, a qual estaria expressa no título de domínio no qual se funda a propriedade do imóvel em questão, qual seja, o ato de concessão onerosa n. 47.822, de 29/07/1971, pelo Estado de Santa Catarina (evento 289, DOC293).
O juízo de origem julgou improcedente o pedido por dois fundamentos: o primeiro, porque o apelado, quando adquiriu o imóvel, ignorou a condicionante anteriormente suprimida:
Desse modo, conclui-se que nas transcrições e matrículas abertas em decorrência dos desmembramentos do terreno transmitido pelo Estado de Santa Catarina, em favor do adquirente Verginio Marçal, casado com Verginia Francisca Marçal, fora suprimida a ressalva de direitos de terceiros.
No entanto, em que pese a condição de “ressalvados os direitos de terceiros” tenha sido elidida no momento da abertura das matrículas e transcrições derivadas do desmembramento, o réu, ao adquirir o terreno com área de 1.422,00 m², objeto da atual matrícula nº 17.860, 2º ORIBC, não obteve ciência acerca da ressalva.
Aliás, é de sapiência geral no meio jurídico registral imobiliário que o ato que não consta na matrícula; seja averbação, seja registro, não foi adequadamente publicizado, não produzindo, portanto, efeito erga omnes.
Destarte, não provada a má-fé do réu proprietário do imóvel, nem tampouco anotada ou averbada a ressalva de direitos de terceiros nas matrículas descendentes, a qual não tem o condão de alcançar terceiros de boa-fé, não há como se dar provimento à pretensão de nulidade da matrícula nº 17.860, 2º ORIBC. (evento 305, SENT1)
O segundo, porque o apelado já teria preenchido as condições de usucapião do imóvel em questão, com fulcro no art. 214, § 5º, da Lei de Registros Públicos:
Além do mais, presume-se que após desmembramento da transcrição nº 5600 e abertura das transcrições nº 8376, 11729 e matrículas nº 33680, 33681 e 33682, do 1º ORIBC, houveram sucessivas alienações em favor de terceiros de boa-fé.
No caso, ainda que se reputasse nula a transcrição, o decurso do prazo da prescrição aquisitiva associado à boa-fé do demandado, culminaria por excepcionar a regra do art. 169 do Código Civil, por força de expressa disposição legal (art. 214,§ 5º, Lei n° 6.015/73).
[…]
Com efeito, não obstante a imprescritibilidade de matéria relativa à questão registrária, incidente, in casu, a regra do artigo 214, § 5º, da Lei de Registros Públicos, o que tornaria inviável a anulação pretendida pela autora.
Dispõe o artigo 214, § 5º da Lei de Registros Públicos, in verbis:
“Art. 214. As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta. […]
§ 5°. A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.”
No caso dos autos, o réu demonstra de forma inequívoca que possui justo título do imóvel (evento 289, fl. 296), bem como que exerce posse, mansa, pacífica e ininterrupta há mais de 20 (vinte) anos (desde 1985), conforme se extrai da matrícula do bem.
Ademais, na ação de reintegração de posse c/c embargo de demolição ajuizada por este réu e Ingeborg R. Serdeira em face da demandante Beatriz e Paulo Ayrton Polleto Nothen (autos nº 944/92), foi reconhecida a invasão de parte dos imóveis registrados em nome do demandado (matrículas nº 33682 e 33680, do 1º ORIBC – contemporâneas nº 17.861 e 17.860, do 2º ORIBC), consequentemente, julgada procedente a ação para determinar a reintegração da posse sobre a área esbulhada.
É nítido, portanto, que a posse da área em questão há muito tempo pertence ao réu.
Ainda, muito embora os autos tenham sido remetidos à Justiça Federal para verificar se parte do imóvel a ser usucapido é de propriedade da União (terra de marinha), o próprio Órgão Federal manifestou desinteresse no feito, bem como o demandado elucidou que a área pleiteada refere-se somente àquela descrita na matrícula nº 17.850, do 2º ORIBC (evento 290, fls. 69-71).
Destarte, presentes os requisitos legais para a declaração da prescrição aquisitiva na modalidade de usucapião, a improcedência dos pedidos formulados na exordial – ainda que se reputasse nula a matrícula imobiliária – é medida que se impõe.
Insurge-se a parte autora com base nos argumentos acima relatados.
A seguir, passa-se à análise das proemiais e, após, ao mérito recursal.
3. Questões preambulares
3.1. Julgamento extra petita
A apelante alegou que a sentença é extra petita, já que analisou a demanda como se fosse anulatória, ao passo que tem natureza meramente declaratória.
Razão não lhe assiste.
Embora o pedido veiculado à petição inicial tenha sido a “declaração de falsidade da matrícula n. 17.860” (evento 289, INF16), extrai-se com facilidade da exposição da causa de pedir que a parte autora imputa vício de origem ao registro imobiliário que conduz à sua nulidade, e não ao reconhecimento de falsidade. Assim, diante do dever de interpretação lógico-sistemática dos pedidos imposto ao magistrado (art. 322, § 2º, do CPC), não há que se falar em julgamento extra petita.
Aliás, o expediente utilizado pelo juízo de primeira instância é louvável, já que analisar a pretensão literalmente deduzida na petição inicial conduziria à improcedência da ação sem análise de questões relevantes. Isso porque a declaração de falsidade de uma matrícula imobiliária é pedido juridicamente impossível, dada a natureza autêntica dos assentos públicos (art. 1º, caput, da Lei de Registros Públicos).
Além disso, e tendo em vista que a ação foi ajuizada sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, tal circunstância poderia conduzir à extinção do processo sem resolução do mérito (art. 267, VI, do CPC/73).
Desse modo, não merece acolhimento o apelo no ponto.
3.2. Violação aos arts. 9º e 10 do CPC
Alegou a apelante que o juízo de origem violou os arts. 9º e 10 do CPC, na medida em que julgou improcedentes os pedidos com base em fundamento (art. 214, § 5º, da Lei de Registros Públicos) sobre o qual as partes não se manifestaram.
Razão não lhe assiste.
Embora o fundamento tido como surpresa invoque a aplicação do disposto em artigo de Lei que não fora suscitado anteriormente no curso do processo (art. 214, § 5º, da LRP), tem como base fática a presença dos requisitos da usucapião em favor do apelado, a qual foi apresentada como tese de defesa deste em contestação (evento 50, DOC251), sobre a qual a apelante pôde se manifestar.
O princípio da vedação à decisão surpresa deve ser lido com temperamentos. Nesse sentido, a jurisprudência se firmou no sentido de que a proibição versa sobre os fundamentos fáticos, e não os jurídicos. Veja-se:
APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE. ALEGADA DECISÃO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. ANÁLISE DOS REQUISITOS PARA O REGULAR DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO QUE É MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. COGNOSCIBILIDADE DE OFÍCIO. DECISÃO MANTIDA. AVENTADO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA, EM RAZÃO DA FALTA DE OITIVA PRÉVIA QUANTO À ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EXECUTADA. EXEGESE DOS ARTS. 9º E 10 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VEDAÇÃO À PROLAÇÃO DE DECISÃO SURPRESA. COROLÁRIO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. POSSIBILIDADE DE MITIGAÇÃO DO PRECEITO LEGAL QUANDO A MANIFESTAÇÃO DA PARTE NÃO TEM O CONDÃO DE PROMOVER REAL INFLUÊNCIA SOBRE A DEFINIÇÃO JURÍDICA APLICÁVEL PELO JULGADOR. ENUNCIADOS DA ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS – ENFAM. “1) Entende-se por “fundamento” referido no art. 10 do CPC/2015 o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes. 2) Não ofende a regra do contraditório do art. 10 do CPC/2015, o pronunciamento jurisdicional que invoca princípio, quando a regra jurídica aplicada já debatida no curso do processo é emanação daquele princípio. 3) É desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa. 4) Na declaração de incompetência absoluta não se aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC/2015. 5) Não viola o art. 10 do CPC/2015 a decisão com base em elementos de fato documentados nos autos sob o contraditório. 6) Não constitui julgamento surpresa o lastreado em fundamentos jurídicos, ainda que diversos dos apresentados pelas partes, desde que embasados em provas submetidas ao contraditório. […]” (Seminário “o Poder Judiciário e o novo CPC”. Disponível em: https://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/ 2015/09/ENUNCIADOS-VERS%c3%83O-DEFINITIVA-.Pdf) “De acordo com a interpretação que a doutrina e os tribunais têm conferido especialmente às regras de intimação prévia e vedação de decisão surpresa, estas poderão ser, em dadas situações, afastadas ou mitigadas, sem que isso acarrete nulidade, destacando-se, nesse sentido, os enunciados aprovados pela ENFAM.” (Agravo de Instrumento n. 4008598-65.2019.8.24.0000, de Imbituba, rel. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, j. 27-06-2019). […] (TJSC, Apelação n. 5008403-25.2019.8.24.0045, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rosane Portella Wolff, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 17-06-2021).
Por tais razões, nego provimento ao recurso no ponto.
3.3. Intervenção do Ministério Público no feito
A parte apelante também aponta nulidade processual, esta decorrente da não intervenção do Parquet no processo.
Reza o art. 279, caput, do CPC que o processo é nulo quando o Ministério Público não intervir, sendo o feito demandar tal intervenção. Nada obstante, o § 2º do dispositivo impõe a intimação prévia do MP para se manifestar acerca da referida nulidade.
No caso em apreço, o Parquet Estadual foi intimado e se manifestou no evento 26, PROMOÇÃO1 no seguinte sentido:
Trata-se de apelação em ação declaratória, relacionada a direitos patrimoniais (anulação de matrícula de bem imóvel), movida entre partes maiores e capazes, sem qualquer repercussão direta em matéria de direitos sociais indisponíveis. Logo, fica evidente inexistir na espécie qualquer situação relacionada aos ditames previstos no artigo 127 da Constituição Federal a justificar a presença do Ministério Público, o que impõe a não intervenção no caso presente.
Assim, nos termos do que dispõe o artigo 178 do CPC, deixa-se de intervir no presente feito, devolvendo-se os autos a esse egrégio Tribunal para sua regular continuidade.
Portanto, fica evidente a ausência de dever de intervenção do Ministério Público no feito, razão pela qual nego provimento ao recurso no ponto.
3.4. Cerceamento de defesa
A apelante também sustenta cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado, especialmente porque uma das razões de improcedência seria a falta de provas.
Nada obstante, verifico que a insurgência se deu em termos absolutamente genéricos. Por exemplo, não houve indicação de qual prova se pretendia produzir e nem qual o fato controvertido que se pretendia provar.
Além disso, a questão acerca da prova da má-fé da parte apelada é exclusivamente documental, conforme própria argumentação da apelante ao suscitar os documentos dos eventos 206, INF295/296, 219, INF138/139, e 289, CERT299/300, de modo que a dilação probatória, mesmo para tal fim, revela-se prescindível.
Não havendo demonstração da necessidade de dilação probatória, nego provimento ao recurso no ponto.
3.4. Omissões e contradições na sentença
Verifica-se que a apelante suscita omissões e contradições na sentença. Tais vícios, ainda que existentes, podem conduzir à reforma da decisão, mas não sua cassação, na medida em que nenhum deles demandaria, ainda que em tese, reanálise do caso pelo juízo de origem.
Assim, todas as questões apontadas nestes tópicos serão analisadas conjuntamente ao mérito recursal.
4. Mérito
Como visto acima, a improcedência do pedido declaratório inicial foi fundamentada em duas circunstâncias.
Acerca do preenchimento das condições de usucapião do imóvel pelo apelado, que viabilizou a aplicação do art. 214, § 5º, da LRP, a apelante afirma que o juízo de origem quedou em contradição, na medida em que demonstrou ciência acerca da litigiosidade da posse do imóvel, circunstância que impede a prescrição aquisitiva. Neste ponto, também afirma que o dispositivo não é aplicável, tendo em vista que o apelado sempre teve ciência do vício de origem do registro imobiliário em questão.
Razão não lhe assiste no ponto.
Quanto ao preenchimento dos requisitos da usucaíão, a tese da parte apelante é de que não foi verificada a posse mansa e pacífica necessária, uma vez que há diversas ações possessórias questionando a posse do apelado.
Nada obstante, extraio dos autos que a origem documentada da posse do apelado advém da cessão onerosa do imóvel em questão, pelo Estado de Santa Catarina, em benefício de Vergílio Marçal (processo IRASC n. 47.822), em 29/07/1971 (evento 289, DOC293), cerca de 21 anos antes da primeira demanda possessória noticiada pela apelante (autos n. 944/92). Tratando-se de posse com justo título, o prazo para a usucapião sob a vigência do Código Civil de 1916, àquela data, seria de 10 anos (art. 551, caput, do CPC).
Ou seja, ainda que a primeira demanda possessória implicasse a perda da qualidade mansa da posse do apelado, àquela data ele já teria adquirido o direito à usucapião. Portanto, as demandas possessórias posteriores não teriam o condão de obstar a usucapião pelo apelado, de modo que aplica-se o disposto no art. 214, § 5º, da LRP.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE FALSIDADE DA ASSINATURA DA VENDEDORA. TRANSMISSÕES POSTERIORES. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ARGUÍDA PELOS ATUAIS OCUPANTES EM AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E REIVINDICATÓRIA ANTERIOMENTE AJUIZADAS PELOS AUTORES. POSSE AD USUCAPIONEM RECONHECIDA POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. COISA JULGADA. TERCEIROS DE BOA-FÉ. NULIDADE NÃO DECRETADA. EXEGESE DO ART. 214, § 5º, DA LEI N. 6.015/1973. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Operada a coisa julgada, torna-se indiscutível, no mesmo processo ou em processos subsequentes, a decisão proferida, de forma que os juízes das causas subsequentes à sentença já transitada em julgado estarão à ela vinculados. A Lei de Registros Públicos determina que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta; contudo, deve ser observado que a nulidade não será declarada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel (art. 214, caput, § 5º). (TJSC, Apelação Cível n. 2014.053445-6, da Capital, rel. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 24-03-2015).
Quanto à ciência do apelado acerca do suposto vício registral, que também consubstancia o segundo fundamento de improcedência, alega a apelante que estaria demonstrada pela documentação dos evento 206, INF295/296, evento 219, INF138/139, e evento 289, CERT299/300.
Nada obstante, verifico que a questão é irrelevante para a resolução do lítigio.
Isso porque pouco importa se o titular do domínio do imóvel tinha ou não tinha ciência do vício registral originário: as nulidades de pleno direito do registro público são impassíveis de convalidação, de modo que a falta de ciência do titular gerará efeitos apenas âmbito obrigacional (perdas e danos, por exemplo). Inclusive, a invalidação do registro por tais motivos independem de ação direta (art. 214, caput, da LRP).
Assim, ainda que o apelado tivesse ciência do vício, a invalidação do registro seria imperativa, caso verificada a nulidade de origem.
No presente caso, no entanto, a invalidação foi obstada pelo preenchimento das condições de usucapião pelo apelado, nos termos do art. 214, § 5º, da LRP.
Assim, a manutenção da sentença proferida pela Dr.ª Dayse Herget de Oliveira Marinho é medida de direito.
5. Multa por litigância de má-fé
A apelante também se volta contra a penalidade que lhe foi imposta, afirmando que a multa por litigância de má-fé deve ser revogada porque a conduta da apelante pautou-se no exercício do direito de recorrer.
No entanto, minha percepção do intuito maliciosa se coaduna com aquela lançada pela magistrada de primeira instância.
Isso porque é nítido o objetivo da apelante com este processo: se valer de sucedâneo processual com a finalidade de invalidades a matrícula imobiliária do imóvel do apelado para, assim, tentar obter vantagem na disputa da posse de parte do respectivo terreno.
Tal conduta, além de inútil – o juízo possessório é independente do juízo petitório -, configura comportamento processul temetário, o que implica penalização nos termos do art. 80, V, do CPC.
Portanto, nego provimento ao recurso no ponto.
6. Honorários sucumbenciais
A apelante ainda se insurge contra o valor fixado a título de honorários sucumbenciais, alegando ser desprovido de fundamentação.
Novamente, razão não lhe assiste.
Tendo em vista que o valor da causa é irrisório (R$ 1.000,00), bem como não houve condenação e o proveito econômico é inexistente, agiu corretamente a magistrada ao fixar os honorários pela técnica da equidade (art. 85, § 8º, do CPC).
Quanto ao valor, o único parâmetro existente na Lei é a Tabela de Honorários da OAB/SC, que serve como piso de arbitramento da verba (§ 8º-A). Assim, eventual desconformidade do valor fixado com a Tabela somente poderá ser suscitada pelo destinatário dos honorários, e não pela responsável por seu pagamento.
Neste ponto, portanto, mantenho a sentença.
7. Conclusão
Por fim, acerca dos honorários recursais, o Superior Tribunal de Justiça fixou os seguintes parâmetros para a fixação da verba:
Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ:”Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”; o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido; não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo; não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba. (Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial n. 1573573/RJ, relator Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgados em 04/04/2017)
Destarte, considerando o preenchimento dos requisitos estipulados pela Corte Superior, fixo os honorários recursais em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), que somados à verba arbitrada na origem totalizam R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais).
Pelo exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Documento eletrônico assinado por EDUARDO GALLO JR., Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4274823v26 e do código CRC 79652273.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): EDUARDO GALLO JR.Data e Hora: 19/12/2023, às 12:12:11
Apelação Nº 0000276-90.2011.8.24.0005/SC
RELATOR: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
APELANTE: BEATRIZ MARIA DONATTI (AUTOR) APELADO: AFRANE SERDEIRA (RÉU)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECURSO DA AUTORA.
PRELIMINARES DE MÉRITO.
ALEGADO JULGAMENTO EXTRA PETITA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE “FALSIDADE” ANALISADO COMO PEDIDO ANULATÓRIO. INOCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DOS PEDIDOS (ART. 322, § 2º, DO CPC). CAUSA DE PEDIR EXPOSTA À INICIAL QUE IMPUTA VÍCIO DE ORIGEM AO REGISTRO IMOBILIÁRIO, O QUE CONDUZ À SUA NULIDADE, NÃO AO RECONHECIMENTO DE FALSIDADE. PROEMIAL REJEITADA.
APONTADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 9º E 10 DO CPC. IMPROCEDÊNCIA COM BASE EM FUNDAMENTO SOBRE O QUAL AS PARTES NÃO SE MANIFESTARAM. INSUBSISTÊNCIA. SENTENÇA FUNDADA NO PREENCHIMENTO DAS CONDIÇÕES DE USUCAPIÃO DO IMÓVEL PELO APELADO (APLICAÇÃO DO ART. 214, § 5º, DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS). TESE DE DEFESA DESTE EM CONTESTAÇÃO. PROIBIÇÃO À DECISÃO SURPRESA VERSA SOBRE OS FUNDAMENTOS FÁTICOS, E NÃO OS JURÍDICOS. PROEMIAL REJEITADA.
INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO FEITO. DESNECESSIDADE. PARQUET ESTADUAL QUE SE MANIFESTOU PELA AUSÊNCIA DE INTERESSE NO FEITO. ART. 279, § 2º, DO CPC. PROEMIAL REJEITADA.
TESE DE CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DA PROVA A SER PRODUZIDA. PREFACIAL HEGÉRICA. ADEMAIS, MÁ-FÉ DA PARTE APELADA SUSCITADA QUE SERIA COMPROVADA DOCUMENTALMENTE. PROEMIAL REJEITADA.
MÉRITO. APONTADO VÍCIO DE ORIGEM EM MATRÍCULA IMOBILIÁRIA. SUPRESSÃO, NO REGISTRO DE IMÓVEIS, DE CONDICIONANTE AO DOMÍNIO PLENO DO IMÓVEL EM QUESTÃO (RESSALVA A DIREITOS DE TERCEIROS) QUANDO DA TRANSLADAÇÃO DE TRANSCRIÇÃO. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO AO FUNDAMENTO DE QUE O APELADO, TITULAR DO DOMÍNIO, QUE PREENCHEU OS REQUISITOS PARA USUCAPIR O TERRENO (ART. 214, § 5º, DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS). APELANTE QUE ALEGA QUE A POSSE NÃO SERIA PACÍFICA ANTE A EXISTÊNCIA DE DEMANDAS POSSESSÓRIAS. INSUBSISTÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO ANTERIORMENTE À PRIMEIRA AÇÃO POSSESSÓRIA ENVOLVENDO O IMÓVEL. ADEMAIS, APONTADA CIÊNCIA DO APELADO ACERCA DO VÍCIO. IRRELEVÂNCIA. NULIDADE QUE, SE EXISTENTE, CONDUZIRIA À INVALIDAÇÃO DO REGISTRO INDEPENDENTEMENTE DA CIÊNCIA DO TITULAR DE DOMÍNIO. INVALIDAÇÃO AFASTADA POR OUTRO MOTIVO. SENTENÇA MANTIDA.
MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. MANUTENÇÃO. AÇÃO AJUIZADA COMO SUCEDÂNCEO PROCESSUAL. TENTATIVA DE OBTENÇÃO DE VANTAGEM NAS DEMANDAS POSSESSÓRIAS EXISTENTES. CONDUTA INÚTIL, PORÉM TEMERÁRIA. ART. 80, V, DO CPC.
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. IRRESIGNAÇÃO CONTRA O VALOR ARBITRADO. APONTADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. VALOR DA CAUSA IRRISÓRIO E AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO. HONORÁRIOS POR EQUIDADE. TABELA DA OAB/SC QUE SERVE COMO PARÂMETRO PARA O PISO DA VERBA. ARBITRAMENTO MANTIDO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 19 de dezembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por EDUARDO GALLO JR., Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4274824v5 e do código CRC 1850d9db.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): EDUARDO GALLO JR.Data e Hora: 19/12/2023, às 12:12:11
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/12/2023
Apelação Nº 0000276-90.2011.8.24.0005/SC
RELATOR: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
PRESIDENTE: Desembargador JOAO DE NADAL
PROCURADOR(A): IVENS JOSE THIVES DE CARVALHO
APELANTE: BEATRIZ MARIA DONATTI (AUTOR) ADVOGADO(A): PAULO AUGUSTO DONATTI NOTHEN (OAB RS035949) APELADO: AFRANE SERDEIRA (RÉU) ADVOGADO(A): REINALDO ASSIS PELLIZZARO (OAB SC001315) ADVOGADO(A): ALINE CRISTINA DE FREITAS (OAB SC033881) ADVOGADO(A): MARILIA KUHN (OAB SC042912) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 19/12/2023, na sequência 93, disponibilizada no DJe de 04/12/2023.
Certifico que a 6ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 6ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador EDUARDO GALLO JR.
Votante: Desembargador EDUARDO GALLO JR.Votante: Desembargador MARCOS FEY PROBSTVotante: Desembargador JOAO DE NADAL
JONAS PAUL WOYAKEWICZSecretário
Fonte: TJSC
Imagem Freepik