Poucas pessoas sabem que a lei permite somar o tempo de posse dos antecessores para completar o tempo exigido para usucapião. O Código Civil permite somar a posse dos antecessores desde que as posses sejam contínuas e pacíficas.
O que é sucessão possessória
Antes de tudo vamos entender como se dá a sucessão possessória, que é quando uma pessoa sucede outra no exercício da posse sobre determinada coisa.
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A sucessão possessória pode acontecer de duas maneiras:
– Pela sucessão possessória a título singular ou;
– Pela sucessão possessória a título universal.
Sucessão possessória a titulo singular ou accessio possessionis
Na sucessão possessória a título singular, também conhecida como accessio possessionis, há um vínculo jurídico entre o possuidor atual do imóvel e o seu antecessor.
É o que acontece na cessão de direitos possessórios onde, através de um contrato, há a transferência da posse de um imóvel de um possuidor para outro.
Pela accessio possessionis, o atual possuidor pode somar o tempo da sua posse à posse do possuidor anterior para fins de usucapião.
Sucessão possessória a título universal
A segunda forma de sucessão possessória ocorre a título universal.
+ Qual o tempo de posse necessário para a usucapião de um imóvel?
A sucessão a título universal se dá em razão do direito de herança, não sendo necessário existir um contrato entre o possuidor atual e o seu antecessor.
A sucessão a título universal decorre da própria lei e faz com que os herdeiros sucedam a pessoa falecida na posse da herança, inclusive, de imóveis.
Entendendo melhor a sucessão possessória dos herdeiros
De acordo como o art. 1.784, do Código Civil, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
No momento da morte ocorre a sucessão hereditária, com a transmissão do patrimônio do falecido aos herdeiros, independente de qualquer formalidade, incluindo aí a posse sobre determinado imóvel.
Assim, a posse do falecido é transmitida para os seus herdeiros, que passam a ser considerados os novos possuidores.
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Nessa hipótese, os herdeiros também poderão somar o tempo da posse anterior com a sua própria posse para fins de usucapião.
Usucapião e tempo de posse
Agora que sabemos como ocorre a sucessão possessória, vamos falar do principal requisito para a usucapião, ou seja, do tempo de posse.
A usucapião é uma forma de adquirir a propriedade de um bem imóvel, tendo na sua essência o exercício da posse sobre uma coisa por determinado período de tempo.
Antes de um direito, a usucapião é o instituto jurídico, cuja origem remonta os antigo romanos.
Isso faz com que a lei possa até alterar algum dos requisitos para usucapião, mas nunca poderá deixar de exigir o exercício da posse para a aquisição da propriedade sob pena de ser inconstitucional.
Existem várias modalidades de usucapião e com prazos diferenciados.
A área do imóvel, a sua destinação, a realização de benfeitorias, a existência de justo título, a posse de boa-fé, enfim, são vários os fatores que podem influenciar no tempo necessário para usucapião de um imóvel.
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O tempo de posse para usucapião de um imóvel pode partir de 15 anos, ser reduzido para 10, ou até mesmo 5 anos.
Dependendo da modalidade de usucapião, o tempo de posse varia, como também, os requisitos previstos na lei.
Na usucapião familiar, por exemplo, o tempo de posse exigido é de somente 2 anos.
O importante é saber que, em todas as modalidades de usucapião, a lei fixa um prazo determinado de tempo de posse que deve ser provado para o juiz.
O tempo de posse dos antecessores pode ser somado para a usucapião
Agora que você sabe como se dá a sucessão possessória, e que provar tempo de posse sobre o imóvel é requisito essencial para a usucapião, vamos ver o que diz a lei a respeito da soma do tempo de posse.
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Não é estranho alguém adquirir a posse de um terreno de herdeiros ou de um particular.
Como vimos acima, essa sucessão possessória se dá a título singular, em razão de um negócio jurídico, ou seja, de um contrato entre as partes.
Nesses casos, conforme o Código Civil, é possível somar o tempo de posse de todos os antecessores para complementar o prazo para a usucapião do imóvel. Vamos ver o que diz a lei:
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art.1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art.1.242, com justo título e de boa-fé.
Código Civil
Veja que a lei é bem clara ao autorizar a soma do tempo de posse para efeitos de usucapião, porém, a lei traça requisitos.
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Veja a seguir, cada um deles.
Requisitos para somar o tempo de posse dos antecessores
O art. 1.243, do Código Civil destaca dois requisitos para que seja possível somar o tempo de posse dos antecessores para efeito de usucapião. São eles:
– Continuidade da posse: a posse dos antecessores deve ser contínua. Significa dizer que o exercício da posse não pode ter sofrido interrupção em momento algum.
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– Posse mansa e pacífica: a posse é mansa quando é obtida sem oposição do antigo possuidor. Por sua vez, a posse é pacífica quando o seu exercício se dá sem qualquer contestação de terceiro.
IMPORTANTE: ainda que o Código Civil exija somente que a posse do antecessor seja continua e pacífica, para que ela possa ser somada a posse atual, deve deter todas as características da posse exigível para usucapião, ou seja, ser mansa e pacífica, contínua, pública e com ânimo de proprietário.
Quanto a este último requisito, é fundamental o antecessor exercer a posse como verdadeiro dono do imóvel.
+ Qual a diferença entre posse e detenção?
Para efeito de usucapião, o possuidor tem que ter a firme convicção de que o imóvel é seu, estando disposto a defendê-lo frente a qualquer pessoa, como agiria qualquer proprietário de um imóvel.
Requisitos para somar o tempo de posse na usucapião ordinária
Para aquisição da propriedade pela usucapião ordinária, cujo tempo de posse é de 10 anos, podendo ser de 5 anos em determinado caso, é necessário justo título e boa-fé.
Assim, nesta modalidade de usucapião, para somar a posse, os antecessores também deverão possuir um justo título e exercer a posse de boa-fé, caso contrário, não poderá ser somado o tempo de posse e o prazo de 10 anos, passará a ser de 15 anos, prazo da usucapião extraordinária.
Quando não é possível somar o tempo de posse para usucapião
Mesmo cumprindo os requisitos previstos no Código Civil, existem duas exceções onde a jurisprudência entende não ser possível a soma do tempo de posse dos antecessores.
Tratam-se de duas modalidades de usucapião, são elas:
– Na usucapião especial urbana a acessão de posses não é permitida, a não ser que exista vínculo familiar entre os possuidores.
– Também não é possível a soma da posse dos antecessores para completar o tempo necessário para a usucapião especial rural.
A razão para isso reside no fato de que essas modalidades de usucapião são previstas na Constituição que não faz menção a soma da posse.
Nesse sentido, é o Enunciado 317 do Conselho da Justiça Federal:
A accessio possessionis de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente.
Enunciado 317, CJF
Vale citar trecho de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça inadmitindo a soma da posse nesses casos::
Distancia-se do escopo constitucional a compatibilidade entre o instituto da accessio possessionis com a usucapião especial urbana, porquanto inarredável o caráter pessoal e humanitário inerente a essa. Trata-se de modalidade de aquisição da propriedade imóvel singular, com especificidades próprias, a exemplo do prazo relativamente diminuto, comparativamente aos demais modos, bem assim a exigência da finalidade precípua de moradia e de o requerente não ser titular de nenhum outro imóvel urbano ou rural.
STJ, REsp n. 1.799.625/SP
O STJ já decidiu que se pode completar o prazo da usucapião no decorrer do processo judicial
Já que estamos falando de tempo de posse, há uma curiosidade que vale a pena você ficar por dentro.
No julgamento do REsp 1.361.226, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que se pode completar o prazo para a aquisição da propriedade pela usucapião no decurso do processo judicial, ainda que ocorra contestação à ação judicial.
Por exemplo, suponha que ao ingressar com a ação de usucapião o autor alegou que exercia posse de 15 anos, mas somente conseguiu provar posse de 12 anos. Demorando 5 anos o processo tramitando na Justiça, este prazo de 5 anos deve ser levado em consideração, sobretudo pelo fato de que o autor, no decorrer do processo, continuou a exercer a posse sobre o imóvel.
Assim, de acordo com o STJ, é possível complementar o prazo da usucapião no curso da ação, já que é dever do juiz levar em consideração algum fato constitutivo ou extintivo do direito durante o transcurso do processo judicial, podendo fazê-lo independentemente de provocação das partes.
+ O que é posse direta e posse indireta?
No mais, para a Terceira Turma do STJ, a contestação apresentada pelo réu (um suposto proprietário) não impede o transcurso do prazo da usucapião, já que, para isso, seria necessário o réu retomar a posse do imóvel.
O juiz pode reconhecer usucapião por modalidade diversa da requerida pelo autor
Uma outra curiosidade!
Como mencionado, existem várias modalidades de usucapião com tempo de posse e requisitos diferenciados.
Por exemplo, via de regra, a usucapião extraordinária requer um tempo de posse de 15 anos, enquanto que a usucapião ordinário exige a prova de 10 anos de posse, desde que com justo título e boa-fé.
Supondo que o autor da usucapião ingressou com a ação alegando se tratar de usucapião ordinária, mas não conseguiu convencer o juiz de que sua posse decorre de um justo título, a princípio, a ação deveria ser julgada improcedente.
No entanto, no caso acima, a jurisprudência admite que o juiz analise o pleito do autor com base nos requisitos, por exemplo, da usucapião extraordinária, onde não é exigido justo título – ainda que o autor sequer tenha realizado este pedido.
+ Quando ocorre a perda da posse?
Caso preenchidos os requisitos da usucapião extraordinária – em especial, tempo de posse de 15 anos – a ação não só pode, mas deve ser julgada procedente, conforme vêm decidindo os Tribunais.
Posso somar o tempo de posse de quem comprei o imóvel para fazer usucapião?
Concluindo, é possível somar o tempo de posse dos antecessores para fazer usucapião.
O Código Civil permite a sucessão possessória a título singular desde que a posse seja continua e pacifica.
Além disso, é fundamental que a posse do antecessor seja exercida com ânimo de proprietário – requisito primordial em todas as modalidades de usucapião.
+ Pode ser de 5 anos o prazo para usucapião de apartamento
Na sucessão a título universal, ou seja, decorrente do direito de herança, os herdeiros também podem aproveitar o tempo de posse do falecido para regularizar a propriedade pela usucapião.
Como exceção à regra, na usucapião especial urbana e na usucapião especial rural, não é aplicável a regra da soma da posse dos antecessores, a não ser que o antecessor se trate de pessoa que compunha o núcleo familiar.
Por fim, a usucapião é uma excelente forma de regularizar a propriedade tendo o imóvel registrado em seu nome no Cartório de Registro de Imóveis. Para isso é importante você estar assessorado por um advogado com experiência na área imobiliária e assim não ter surpresas.
No mais, leia a seguir outros artigos do blog a respeito de usucapião.
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+ Ex-cônjuge pode pedir usucapião de imóvel do casal
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Jurisprudência: usucapião, unificação do tempo de posse
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INICIAL INDEFERIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. CARÊNCIA DEAÇÃO. POSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE, DE ACRESCER TEMPO SUPERIOR ÀQUELE RELATIVO À OCUPAÇÃO PELOS PRÓPRIOS AUTORES. EXTINÇÃO PREMATURA. INSTITUTO DA ACESSIO POSSESSIONIS.APLICABILIDADE DO ARTIGO 1.243, DO CÓDIGO CIVIL. AQUISIÇÃO IMOBILIÁRIA POR DERIVAÇÃO. PRETENSÃO DE SOMAR A SUA POSSE,ADQUIRIDA POR TRANSMISSÃO IMOBILIÁRIA, A DE SEU ANTECESSOR. PACTO QUE PODE VIR A SER CONSIDERADO COMO JUSTO TÍTULO, CONSOANTE INTERPRETAÇÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.AÇÃO FUNDADA NA AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE DECORRENTE DAPOSSE MANSA E PACÍFICA DE IMÓVEL. SITUAÇÃO CONTEMPLADA PELO ORDENAMENTO LEGAL VIGENTE (ARTIGOS 1.238 A 1.242 DO CÓDIGOCIVIL E 191 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). VIABILIDADE JURÍDICA DAPRETENSÃO. CAUSA EXTINTIVA AFASTADA. SENTENÇA ANULADA.RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PROVIDO.
(…) Contudo, diante das particularidades do caso concreto – em que configurada cadeia negocial (sucessões de contratos não registrados no cartório imobiliário)envolvendo fração ou lote de área, o qual não possui matrícula própria, não se pode cercear o direito de a parte autora buscar a declaração de domínio por meio da usucapião. O acréscimo de tempo para cômputo da aquisição de domínio pela usucapião, contemplado pelo instituto da acessio possessionis, tal como disposto no artigo 1.243 do Código Civil, exige a comprovação de posse por parte do anterior ocupante da área. (TJSC,Apelação Cível n. 0300266-77.2015.8.24.0119, de Garuva, rel. Des. SebastiãoCésar Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 25-05-2017).
Doutrina: usucapião, unificação do tempo de posse
Ensina Francisco Eduardo Loureiro: “Na acessio possessionis o adquirente recebe nova posse, podendo juntá-la ou não à posse anterior. Cuida-se de mera faculdade do possuidor que pode ou não acrescer o tempo do antecessor, levando em conta suas qualidades e vícios. A situação é diversa da sucessio possessionis e exige três requisitos: continuidade, homogeneidade e vínculo jurídico. As posses a serem somadas devem ser contínuas, sem interrupção ou solução; devem ser homogêneas, terem as mesmas qualidades, para gerar os efeitos positivos almejados.Devehaver, finalmente, um vínculo jurídico entre o possuidor atual e o anterior.Esse vínculo pode revestir-se de várias modalidades, por exemplo, um negóciojurídico ou uma arrematação em hasta pública. (…)” (Excerto extraído de TJSC, Apelação Cível n. 0000751-88.2014.8.24.0054, de Rio do Sul, Relator: Desembargador Osmar Nunes Júnior)
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