Usucapião: ausência de interesse. A existência de prévio negócio de transmissão de domínio do imóvel entre a parte autora da ação de usucapião e a proprietária do imóvel impede o ajuizamento da demanda.
Processo: 0300898-45.2016.8.24.0030 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Fernanda Sell de Souto Goulart
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Oitava Câmara de Direito Civil
Julgado em: 12/12/2023
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:7
Apelação Nº 0300898-45.2016.8.24.0030/SC
RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
APELANTE: IVONETE FERREIRA SOARES (AUTOR) APELADO: RÉUS INCERTOS E EVENTUAIS TERCEIROS INTERESSADOS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por IVONETE FERREIRA SOARES em face de sentença que, em ação de usucapião, extinguiu o feito sem resolução de mérito.
Adota-se o relatório elaborado pelo juízo a quo por representar fielmente a realidade dos autos:
Ivonete Ferreira Soares, qualificada nos autos em epígrafe, ajuizou ação de usucapião de bem imóvel, com base no art. 1.238, caput, do CC. Aduziu, em síntese, serem legítimos possuidores da área em questão, pois a possuem por lapso de tempo superior à exigência legal, semqualquer oposição de terceiros. Juntou documentos.
Justiça gratuita deferida à fl. 33.
A União, Estado e Município foram devidamente notificados, bem como os confiantes e réus incertos e não sabidos.
Remetidos os autos ao Ministério Público, este pugnou pela extinção do feito (fls. 101-105).
A parte autora apresentou manifestação às fls. 109/110.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Concluídos os trâmites, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, considerando a impossibilidade jurídica do pedido de usucapião porque detém a propriedade do bem em razão de negócio jurídico prévio, JULGO EXTINTO o processo sem resolução de mérito, ex vi do disposto no art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.
Custas pela parte autora, suspensa sua exigibilidade em razão da concessão da Justiça gratuita, nos termos do art. 98, §3º, CPC.
Sem honorários.
P.R.I
Inconformada com o ato decisório, a parte autora interpôs recurso de apelação.
Nas razões recursais, alegou, em síntese, que: a) o caso dos autos “É a típica situação em que há transferência do direito do proprietário anterior para aqueles que antecederam o usucapiente na posse e, portanto, a aquisição da propriedade é derivada, e não originária”; b)”a inexistência de proprietário anterior não é requisito da usucapião, muito menos, a inexistência de negócio jurídico anterior com o proprietário do imóvel”; c) estão preenchidos todos os requisitos para a procedência da ação de usucapião.
Com tais argumentos, formulou os seguintes requerimentos:
Considerando que aquisição da propriedade de bem imóvel pela modalidade de usucapião ocorre no momento em que se reúnem os requisitos legais;
Considerando que registro da sentença declaratória serve apenas para consolidar o direito, dando-lhe publicidade e gerando oponibilidade perante terceiros;
Considerando que a existência de negócio jurídico com o titular do domínio é característica extrínseca da usucapião não sendo considerado elemento da posse qualificada;
Considerando presentes os requisitos da usucapião que deverão ainda ser analisados em primeiro grau;
Considerando que o reconhecimento da prescrição aquisitiva independe de eventual irregularidade referente às normas de parcelamento de solo urbano;
Considerando a boa-fé do Autora, o interesse social do provimento que deseja alcançar e a função social da propriedade urbana, REQUER:
O conhecimento do presente recurso e seu provimento, a fim de que a sentença de primeiro grau seja anulada para que o processo tenha a tramitação prevista em lei com apreciação do mérito.
A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
Por fim, vieram os autos para análise.
VOTO
1. Preliminares
Não há preliminares em contrarrazões para análise.
2. Admissibilidade
Presentes os pressupostos legais, admite-se o recurso.
3. Mérito
Passa-se ao exame do mérito do recurso, antecipando-se que o caso é de desprovimento.
O juízo a quo extinguiu o feito sem resolução de mérito com base em fundamentos assim expostos:
A usucapião é a ação corretamente manejada para obtenção de propriedade por aquisição originária, quando não decorrente de transação mobiliária, ao passo em que a adjudicação compulsória objetiva a regularização da propriedade derivada de negócio jurídico prévio firmado entre as partes (contrato particular, escritura, etc). Se as partes possuem contrato de aquisição, tal qual se afirma e comprova nos autos, a correta ação e pedido para ver regularizada sua propriedade é a ação de adjudicação compulsória e/ou de obrigação de fazer, e não pela via eleita. É da jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA TERMINATIVA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. IMÓVEL ADQUIRIDO ATRAVÉS DE COMPRA E VENDA PACTUADA COM TERCEIRO QUE COMPROU FRAÇÃO DOIMÓVEL DIRETAMENTE DO PROPRIETÁRIO REGISTRAL. DEMANDA AJUIZADA COM O INTENTO DE REGULARIZAR O REGISTRO DO IMÓVEL. VIA ELEITA INADEQUADA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. RECLAMADA A IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. IRRELEVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE INGRESSO DE AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DESCABIDA ANTE A AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A usucapião é o exemplo clássico de aquisição originária da propriedade, que pressupõe a inexistência de uma transação ou alienação da coisa por um antigo proprietário, e também apaga os ônus que acompanham a coisa. 2. […] “uma vez que evidenciada a existência de título apto à transferência da propriedade mediante a realização de procedimento administrativo de desmembramento, fica evidenciada a inadequação da via eleita que importa em ausência de interesse de agir e em consequente extinção do feito por ausência de condição da ação”. […] (TJSC, Apelação Cível n. 2015.087491-3, de Ascurra, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, com votos vencedores do Des. Fernando Carioni e deste Relator. 12-04-2016) (TJSC, Apelação Cível n. 0008000-23.2013.8.24.0023, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 10-12-2019).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. MODALIDADE QUE DISPENSA A PRESENÇA DE JUSTO TÍTULO. AUTORA QUE, ENTRETANTO, ADQUIRIU O IMOVEL ATRAVÉS DE COMPRA E VENDA PACTUADA DIRETAMENTE COM OS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS DO IMÓVEL. DOCUMENTOS QUE EMBORA NÃO POSSIBILITEM O INGRESSO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DÃO AZO AOINGRESSO DA AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA USUCAPIÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.” (TJSC, Apelação Cível n. 2015.024160-2, rel. Des. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 11-08-2015).
Do corpo deste acórdão, extrai-se:
Atendendo ao despacho, a requerente esclarece que a pesquisa dos confrontantes foi efetuada pelo engenheiro, conforme declaração (fl. 85), e que a forma de aquisição se deu mediante contrato particular (recibo de compra e venda) subscrito pelos vendedores e a compradora. Juntou documentos (fls. 85-92). Sobreveio sentença (fls. 94-97) em que o magistrado extinguiu o feito sem resolução do mérito, com base nos artigos 267, VI e 295, I, III e V, ambos do Código de Processo Civil, sob o argumento de que a requerente teria adquirido o imóvel usucapiendo diretamente de seus proprietários, estabelecendo com estes relação jurídica, caracterizandos e assim, forma derivada de aquisição da propriedade, e que portanto, incompatível com a ação de usucapião, que é forma originária de aquisição da propriedade. Afirmou ainda, que a ação de usucapião, nestes casos, implica em clara sonegação ao recolhimento do ITBI. (…) Cumpre ressaltar ainda que, em que pese a ausência do contrato de compra e venda servisse como óbice à propositura de eventual ação de adjudicação compulsória, à apelante ainda caberia pleitear a transferência forçada da propriedade, através da competente ação de obrigação de fazer.”
Nessa linha:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. PRETENSÃO AUTORAL CONSISTENTE EM OBRIGAR A RÉ A TRANSFERIR A PROPRIEDADE REGISTRAL DE BEM IMÓVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.” (Apelação Cível n. 2014.062331-3, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j. Em 24-11-2014).
Sabe-se que em havendo registro imobiliário em nome do antigo proprietário do imóvel, como é o caso dos autos, é juridicamente impossível o pleito de usucapião, pois, entender diferente, seria admitir, por meios transversos, que a parte adquirisse a propriedade do bem por meio do registro imobiliário sem para tanto pagar os tributos devidos. Para finalizar, guardadas as proporções, veja-se este precedente do STJ:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. USUCAPIÃO. REQUISITOS. AUSÊNCIA. IMÓVEL FINANCIADO PELO SFH. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. ART. 485, INCISO V, DO CPC/1973. VIOLAÇÃO FRONTAL E DIRETA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. A reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 3. Segundo a jurisprudência desta Corte, a posse decorrente de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por ser incompatível com o animus domini, em regra, não ampara a pretensão à aquisição por usucapião. 4. A viabilidade da ação rescisória por ofensa de literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta contra a literalidade da norma jurídica, sendo inviável, nessa seara, a reapreciação das provas produzidas ou a análise acerca da correção da interpretação dessas provas pelo acórdão rescindendo. 5. Agravo interno não provido.” (STJ; AgInt no REsp 1520297/RS; Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; 23/08/2016)
Assim, o manejo da presente ação não é a via adequada à satisfação da pretensão posta em juízo, pois além de conhecida toda a cadeia sucessória do bem, este encontra-se matriculado, possibilitando o aforamento de ação de adjudicação compulsória e/ou de obrigação de fazer.
De outra banda, relembra-se que na usucapião a discussão gira em torno da propriedade não decorrente de negócio jurídico prévio e jamais servirá como desentrave ou supressão de etapas administrativas ou dispensa de exigências legais e ambientais, seja para o registro ou para o parcelamento do solo (urbano ou rural).
Inclusive, isso também ocorre para o caso de supressão ou superação da eventual (des)necessidade de desmembramento da área que se pretende usucapir, pois “a ação de usucapião não é a via processual adequada para o proprietário obter o desmembramento do imóvel com a abertura de matrícula exclusivamente quanto à parte a ele relacionada” (AC 0059240-22.2011.8.24.0023, Rel. Des. Newton Trisotto, j. em 12/12/2016.).
E com a devida vênia aos entendimentos em contrário, tanto a usucapião quanto a adjudicação compulsória, cada qual com seus requisitos, serve apenas para conceder ao(s) requerente(s) o título aquisitivo da propriedade do bem imóvel discutido, cujo registro deve ser providenciado junto a matrícula (art. 167, I, item 28, da Lei 6.015/73).
Anoto também que eventual espontaneidade para o recolhimento de eventuais tributos (em especial o ITBI) não é argumento e tampouco serve para suprir a irregularidade procedimental, pois se cuidam de questões materiais e de procedimentos distintos.
Portanto, mostrando-se inadequada e juridicamente impossível a presente ação em razão da existência de prévio negócio jurídico entre as partes.
Em suma, para regularização de sua situação, cabe a autora pleitear a competente adjudicação compulsória do bem e depois, de posse da eventual sentença transitada em julgado, buscar junto ao Registro de Imóveis sua averbação, quitação dos créditos tributários devidos e resolvendo as pendências necessárias e exigidas administrativamente e legalmente, inerentes à espécies.
Tais fundamentos, que ficam encampados desde logo como parte integrante do presente voto, não são refutados pelas teses da parte recorrente.
Isso porque a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei. Nesse sentido, destaca-se:
“O fundamento desse modelo jurídico é dúplice: representa um prêmio àquele que por um período significativo imprimiu ao bem uma aparente destinação de proprietário; mas também importa em sanção ao proprietário desidioso e inerte que não tutelou o seu direito em face da posse exercida por outrem. Por isso a sentença de procedência da ação de usucapião apenas reconhece o domínio adquirido com a satisfação dos requisitos legais.” (FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: Reais. 13ª ed. Salvador: Jus podivm, 2017, p. 394).
Assim, como cediço, no ordenamento civil brasileiro, a posse, associada ao tempo de exercício, é requisito fundamental para a declaração de domínio por usucapião. Imperativa, porém, é a sua caracterização como posse ad usucapionem, exigindo a lei, em primeiro lugar, a comprovação do ânimo de dono, ou seja, a atitude ativa no sentido do exercício dos poderes inerentes à propriedade, comportando-se o autor ostensivamente perante terceiros como se comportaria o proprietário. O segundo requisito é a continuidade da posse, isto é, ela deve ser exercida de modo ininterrupto, além de público, e pelo lapso temporal prescrito em lei. Finalmente, como terceiro requisito, exige-se que a posse seja mansa e pacífica, exercida, pois, sem oposição.
Diante destes apontamentos é que se deve analisar, então, a presença dos requisitos necessários para a configuração da posse, na situação concreta.
Extrai-se dos elementos dos autos que a apelante ocupa o imóvel desde 2014. Porém, não se questiona, em um primeiro momento, que a autora esteja em poder do imóvel, mas sob qual qualidade está ocupando o referido bem. Neste aspecto, verifica-se que a autora está na posse do imóvel porque o “adquiriu” de Rodrigo Soares dos Santos, através de “contrato particular de compromisso de compra e venda” (evento 1, DOC9), sendo que este, por sua vez, adquiriu de Emacobrás Imóveis LTDA. (evento 1, DOC7), proprietária registral do bem.
Já está sedimentado na jurisprudência, porém, o entendimento de que a existência de prévio negócio de transmissão de domínio do imóvel entre a parte autora da ação de usucapião e a proprietária do imóvel impede o ajuizamento da demanda. Isso porque a ação de usucapião visa à aquisição de bens de propriedade alheia, uma vez que é o instrumento jurídico pelo qual o possuidor/não proprietário pode, através da prova da posse mansa, pacífica e ininterrupta, por certo lapso de tempo, obter declaração de propriedade.
Não é este, portanto, o meio adequado para se obter a titularidade do imóvel, pois não se admite a aquisição originária da propriedade (usucapião) por aquele que adquiriu direitos sobre o bem de forma derivada, via contrato celebrado diretamente com o proprietário registral, ou mesmo com adquirente anterior (comprador, promitente comprador, cessionário, donatário etc.) que possa ser desde logo identificado.
Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – COISAS – PROPRIEDADE – USUCAPIÃO ORDINÁRIA – SENTENÇA QUE RECONHECEU A INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – EXTINÇÃO TERMINATIVA DO PROCESSO EM 1º GRAU – RECURSO DO AUTOR – ALEGADA FALTA DE ÓBICE LEGAL À USUCAPIÃO – INACOLHIMENTO – OCORRÊNCIA DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE – AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL E DE ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – BURLA AO RECOLHIMENTO DE TRIBUTOS E AO PROCEDIMENTO DE DESMEMBRAMENTO- EXIGIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DE MANEJO DA VIA AD USUCAPIONEM, SOB PENA DE FOMENTAR A SUBVERSÃO DA ORDEM PROCESSUAL E DOS PROCEDIMENTOS LEGAIS DE TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE – SENTENÇA TERMINATIVA MANTIDA – APELO IMPROVIDO. A ação de usucapião é via inadequada para regularizar transmissão da propriedade adquirida por derivação do proprietário anterior, tal como por contrato de compra e venda, doação ou mesmo causa mortis, mormente porque acarretaria burla ao recolhimento de tributos de transmissão (ITBI, ITCMD e causa mortis) (TJSC, Apelação n. 0302161-49.2015.8.24.0030, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Monteiro Rocha, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 27-07-2023).
Ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL (ART. 485, VI, DO CPC). RECURSO DA AUTORA. ALEGAÇÃO DE QUE OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA PLEITEADA ESTÃO SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADOS. TESE RECHAÇADA. ÁREA USUCAPIENDA ADQUIRIDA DO PROPRIETÁRIO REGISTRAL DO IMÓVEL. AQUISIÇÃO DERIVADA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SENTENÇA MANTIDA. “A usucapião é forma de aquisição originária da propriedade, ou seja, quando inexiste relação jurídica de transmissão. Se a parte autora adquire terreno através de contrato firmado com o proprietário anterior (forma de aquisição derivada), sendo incontroverso o seu direito de propriedade, inviável o manejo da ação de usucapião, que não se presta para a regularização do imóvel, com burla das exigências administrativas” (TJSC, Apelação Cível n. 0004450-02.2012.8.24.0008, de Blumenau, desta relatora, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 27-6-2019). RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5008449-04.2021.8.24.0058, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Haidée Denise Grin, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 06-07-2023).
Desta Câmara, inclusive:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. RECURSO DOS AUTORES. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO DA BENESSE NA ORIGEM. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTA CORTE NO SENTIDO DE SEREM ADOTADOS, POR ANALOGIA, PARA O ENQUADRAMENTO NA INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA PREVISTA NO ART. 98 DO CPC/2015, OS REQUISITOS CONSTANTES DO ART. 2º DA RESOLUÇÃO N. 15/2014 DO CONSELHO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DEMONSTRADA NO CASO CONCRETO. DECISUM REFORMADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NO PONTO. ALEGAÇÃO DE QUE OS REQUISITOS PARA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL POR USUCAPIÃO FORAM PREENCHIDOS. INSUBSISTÊNCIA. AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. CONTRATO VERBAL. AQUISIÇÃO DIRETAMENTE DOS PROPRIETÁRIOS REGISTRAIS. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE IMPOSSIBILIDADE DE TRANSMISSÃO REGULAR DA PROPRIEDADE. MANEJO DA AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE, NESSE CENÁRIO, REPRESENTA BURLA AO SISTEMA REGISTRAL E AO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS DEVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO NO PONTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS MANTIDOS CONFORME A ORIGEM. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS (TJSC, Apelação n. 5032054-32.2021.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Joao Marcos Buch, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 05-09-2023).
Não se ignora, ademais, a relativização do entendimento acima mencionado nos casos em que cabalmente demonstrada a impossibilidade de regularização do imóvel no caso concreto, o que, todavia, não ficou demonstrado nesta demanda, devendo a parte se valer de via mais adequada para a regularização do bem.
Neste sentido, aliás:
USUCAPIÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR [CPC, ART. 485, VI]. RECURSO DOS AUTORES. INSISTÊNCIA NA NECESSIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. INSUBSISTÊNCIA. CONTRATO DE PERMUTA CELEBRADO COM O PROPRIETÁRIO REGISTRAL. TRANSMISSÃO NÃO AVERBADA NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. IRRELEVÂNCIA. CASO DE AQUISIÇÃO DERIVADA DA PROPRIEDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE IMPOSSIBILIDADE OU EXCESSIVA DIFICULDADE PARA A REGULARIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DE IMPOSSIBILIDADE DE DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL E POSTERIOR TRANSMISSÃO ORDINÁRIA DA PROPRIEDADE COM BASE NO TÍTULO OSTENTADO PELOS APELANTES. TENTATIVA DE BURLA AO SISTEMA REGISTRAL E AO PAGAMENTO DOS TRIBUTOS DEVIDOS. INVIABILIDADE DE REGULARIZAÇÃO POR MEIO DE AÇÃO DE USUCAPIÃO. NECESSÁRIO AJUIZAMENTO DA DEMANDA ADEQUADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, pela qual a pessoa que exerce a posse prolongada adquire o domínio do bem, de modo diverso à transmissão por meio de negócio jurídico [aquisição derivada]. 2. Quando a pretensão tem origem em relação jurídica direta com os proprietários registrais do bem, a ação de usucapião não é meio idôneo, sob pena de configurar atalho à regularização registral, com a consequente modificação da natureza por meio da qual a propriedade foi adquirida. 3. Não se ignora o entendimento de excepcional cabimento da usucapião nos casos de aquisição derivada quando impossível ou excessivamente difícil o registro da propriedade. Cabe à parte interessada, contudo, a prova de tal dificuldade. 4. Sem prova de excepcionalidade, mostra-se correta a extinção do feito sem resolução do mérito pela inadequação da via eleita. (TJSC, Apelação n. 0301572-23.2016.8.24.0030, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Alexandre Morais da Rosa, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 28-11-2023).
Daí a manutenção da sentença impugnada, com o desprovimento do recurso.
4. Sucumbência
Desprovido o recurso, mantém-se a distribuição dos encargos de sucumbência definida na sentença, restando apenas a análise sobre eventual majoração dos honorários advocatícios (art. 85, § 11, do CPC), que pressupõe os requisitos estabelecidos pelo STJ no julgamento dos EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ: a) recurso interposto contra ato judicial publicado após a vigência do CPC de 2015 (18/03/2016); b) fixação de honorários sucumbenciais na origem; c) desprovimento ou não conhecimento integral do recurso; d) não estar atingidos os limites máximos descritos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC.
Além disso, ainda segundo o julgado dos EDcl no AgInt no REsp 1.573.573/RJ, “não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido” e “não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal”.
Na hipótese, tais requisitos não estão presentes, notadamente a fixação na origem, motivo pelo qual deixa-se de realizar aludida majoração.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
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Apelação Nº 0300898-45.2016.8.24.0030/SC
RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
APELANTE: IVONETE FERREIRA SOARES (AUTOR) APELADO: RÉUS INCERTOS E EVENTUAIS TERCEIROS INTERESSADOS (RÉU)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE (INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA).
RECURSO DA PARTE AUTORA.
SUSTENTADA A EXISTÊNCIA DE INTERESSE NO CASO CONCRETO. NÃO ACOLHIMENTO. PARTE AUTORA QUE ADQUIRIU DIREITOS SOBRE O BEM DE PESSOA QUE FIRMOU COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DIRETAMENTE COM O PROPRIETÁRIO REGISTRAL. AQUISIÇÃO DERIVADA DA POSSE CONFIGURADA. HIPÓTESE EM QUE É POSSÍVEL IDENTIFICAR A TOTALIDADE DA CADEIA NEGOCIAL. OBTENÇÃO DO TÍTULO DE PROPRIEDADE QUE DEVE SE DAR EM AÇÃO QUE VISE AO CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS CELEBRADOS SUCESSIVAMENTE, COM O POSTERIOR ATENDIMENTO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E TRIBUTÁRIAS. AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE NÃO SE REVELA IDÔNEA PARA A SATISFAÇÃO DE DIREITOS CONTRATUAIS OU PARA A DISPENSA DE ENCARGOS LEGAIS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA CARACTERIZADA.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/12/2023
Apelação Nº 0300898-45.2016.8.24.0030/SC
RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
PRESIDENTE: Desembargador ALEX HELENO SANTORE
PROCURADOR(A): MURILO CASEMIRO MATTOS
APELANTE: IVONETE FERREIRA SOARES (AUTOR) ADVOGADO(A): MANOEL JOSE MARTINS (OAB SC036940) APELADO: RÉUS INCERTOS E EVENTUAIS TERCEIROS INTERESSADOS (RÉU) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 12/12/2023, na sequência 96, disponibilizada no DJe de 22/11/2023.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
Votante: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULARTVotante: Juiz JOAO MARCOS BUCHVotante: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
MARCIA CRISTINA ULSENHEIMERSecretária
Fonte: TJSC
Imagem Freepik