Prescrição intercorrente deve estar prevista em lei municipal ou estadual?
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da prescrição intercorrente em processos administrativos municipais ou estaduais, deve estar prevista em legislação específica de cada um destes entes federados, não se aplicando o teor da Lei 9.873, de 23 de novembro de 1999.
Prescrição intercorrente
A Lei 9.8731/1999 dispõe que processos administrativos, sobretudo para apuração de infrações suscetíveis de aplicação de multa ou de outros ônus, prescreve em 3 anos caso o procedimento fique paralisado:
Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
Assim, decorrido o prazo de 3 anos, com o processo paralisado por culpa da administração pública, necessariamente deve ser encerrado sem que haja qualquer punição ao acusado.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça
De acordo com o STJ, a prescrição intercorrente, prevista na Lei 9.873, tem sua aplicação tão somente a processos administrativos levados a efeito pela administração pública federal.
No caso de processos administrativos que tramitam no âmbito da administração municipal ou estadual, é inaplicável o teor da legislação, carecendo, desse modo, de lei específica do ente federado.
Pode-se afirmar que somente as ações administrativas punitivas desenvolvidas no plano da Administração Federal, seja direta, seja indireta, recebem a incidência do disposto nesta lei, como fica claro da parte inicial do seu art. 1º. Conjugam-se, pois, dois elementos na determinação do âmbito de aplicação da Lei 9.873/99, os quais serão úteis para se fixar, a contrário senso, as atividades dele excluídas:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.115.078 – RS (2009/0074342-0)
(a) a natureza punitiva da ação administrativa; e
(b) o caráter federal da autoridade responsável por essa ação.
Sob o prisma negativo, a Lei 9.873/99 não se aplica:
(a) às ações administrativas punitivas desenvolvidas por estados e municípios, pois o âmbito espacial da lei limita-se ao plano federal;
(b) às ações administrativas que, apesar de potencialmente desfavoráveis aos interesses dos administrados, não possuem natureza punitiva, como as medidas administrativas revogatórias, as cautelares ou as reparatórias; e
(c) por expressa disposição do art. 5º, às ações punitivas disciplinares e às ações punitivas tributárias, sujeitas a prazos prescricionais próprios, a primeira com base na Lei 8.112/90 e a segunda com fundamento no Código Tributário Nacional.
Acesse a seguir o teor do Recurso Especial 1.115.078 (Recurso Repetitivo)
Algo a ser apreciado
A prescrição é um instituto de direito material, prevista no direito civil e, também, no direito administrativo e tributário.
No caso da prescrição intercorrente, não se trata de prescrição em si, mas de decadência, eis que, a princípio, o processo administrativo visa apurar uma infração, da qual eventualmente surgirá um lançamento tributário.
Sem ser leviano, veiculando mera opinião – apenas para aguçar o estudo da matéria – a prescrição intercorrente tão somente poderia ser alvo de legislação nacional, sobretudo no que compete ao estabelecimento de prazos e da criação de uma nova modalidade.
Daí surge a questão: se a prescrição da Lei 9.879-1999 somente é aplicada ao processos administrativos federais, somente a União poderia estabelecer a mesma modalidade de prescrição em sede de processos municipais e estaduais em virtude de competência constitucional – matéria que deve ser melhor investigada, já que veiculo mera opinião.
Fato é que, pela interpretação literal aplicada pelo STJ, há uma discriminação negativa em relação aos autuados por parte dos Estados e Municípios, que não podem ser valer da prescrição intercorrente (decadência administrativa).
Por fim, a questão é das melhores, já que o Judiciário não pode funcionar como legislador positivo, não havendo possibilidade de alargar a aplicação da norma.
O entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
De todo modo, vale constar que, para o TJSC, não é aplicável a prescrição intercorrente em processos municipais e estaduais.
Segue abaixo acórdão paradigma a respeito do tema.
Jurisprudência: prescrição intercorrente, processo administrativo
ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO
Apelação Nº 0300188-22.2018.8.24.0073/SC
RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
APELANTE: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (AUTOR) APELANTE: MUNICÍPIO DE TIMBÓ/SC (RÉU) APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por BV Financeira S/A – Crédito, Financiamento e Investimento contra a sentença que, na ação anulatória proposta em face do Município de Timbó, julgou parcialmente procedentes os pedidos nos seguintes termos:
“Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, acolho parcialmente os pedidos formulados na exordial apenas para reduzir para R$ 8.000,00 (oito mil reais) a multa aplicada pelo Procon no procedimento administrativo sub judice.Em observância a regra prevista no art. 86 do CPC, deve o ônus da sucumbência ser dividido, proporcionalmente, entre as partes. Assim, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais na proporção de 70%. O réu é isento do pagamento das custas. Condeno a parte autora, ainda, ao pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) a título de honorários advocatícios em favor do procurador da parte ré. A parte ré, por sua vez, deverá pagar ao procurador da parte autora o montante de R$ 300,00 (trezentos reais).Transitada em julgado, traslade-se cópia da presente sentença à ação de execução n. 0901260-92.2018.8.24.0073, bem como para os embargos processados em apenso ao feito executivo.Considerando a existência de agravo de instrumento (fls. 205-206), oficie-se ao egrégio Tribunal de Justiça para que tome ciência quanto ao teor da sentença prolatada no caderno processual.Transitada em julgado, arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se”. (evento 27).
Nas suas razões, alegou que a pretensão sancionatória está acobertada pela prescriçãointercorrente, na forma da Lei n. 9.873/99, em virtude da paralisação do processo administrativo por mais de 3 (três) anos.
Aduziu que a legalidade do processo administrativo e do ato administrativo impositor da multa consumerista não escapa ao controle jurisdicional, nada obstante a presunção de legalidade, de veracidade e de legitimidade que milita em favor dos atos da administração pública.
Afirmou que o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), órgão integrante do Poder Executivo, não tem competência administrativa para solucionar o conflito de interesses entre a consumidora e o fornecedor, com a aplicação do direito ao caso concreto e com a imposição de multa de caráter individual, sob pena de violação à função jurisdicional do Poder Judiciário.
Argumentou que a aplicação da multa é injustificada, seja porque o pedido de dilação de prazo para a apresentação do contrato de financiamento entabulado com o consumidor não representa recusa ou desobediência à determinação do órgão consumerista, seja porque ainda que a destempo forneceu o documento atendendo a ordem administrativa.
Acrescentou que a multa desborda da razoabilidade e da proporcionalidade, pois não concorrem circunstâncias agravantes que amparem a fixação em valor exorbitante.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso (evento 34).
O Município de Timbó interpôs apelação cível, pugnando pela manutenção da multa em R$ 20.000,00, pois condizente com a gravidade da infração administrativa e consentânea com o porte econômico da fornecedora, a par do que restaram atendidas a razoabilidade e a proporcionalidade (evento 35).
As partes apresentaram contrarrazões (eventos 41 e 42).
Os autos subiram ao Tribunal de Justiça, vindo a mim conclusos.
É o relatório.
VOTO
1. O voto, antecipe-se, é no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso da autora e não conhecer do recurso do réu.
2. Da apelação cível da autora:
2.1 Da prescriçãointercorrente:
Inicialmente, não há cogitar-se de prescriçãointercorrente nos moldes do art. 1º, § 1º, da Lei n. 9.873/99.
É que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido que esta Lei não se aplica aos processos administrativos nas esferas estadual e municipal.
Veja-se:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. MULTA ADMINISTRATIVA. PROCON. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.873/99 ÀS AÇÕES ADMINISTRATIVAS PUNITIVAS PROPOSTAS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS. APLICAÇÃO DO DECRETO 20.910/32. PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. […] II. Na origem, trata-se de Ação Anulatória, ajuizada pela parte recorrida em face do Estado do Paraná, objetivando a declaração de nulidade da multa imposta pelo PROCON/PR, aplicada em decorrência de reclamação de consumidores. A sentença julgou procedente o pedido, para declarar a inexigibilidade da multa aplicada pelo PROCON/PR, em razão da prescriçãointercorrente verificada no processo administrativo. O acórdão do Tribunal de origem manteve a sentença, por diverso fundamento, em face da aplicação do prazo quinquenal da previsão sancionatória previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32. III. Na forma da jurisprudência desta Corte, firmada no julgamento do Recurso Especial 1.115.078/RS, sob a sistemática dos recursos repetitivos, a Lei 9.873/99 — cujo art. 1º, § 1º, prevê a prescriçãointercorrente — não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por estados e municípios, pois o âmbito espacial da aludida Lei limita-se ao plano federal, nos termos de seu art. 1º. No ponto, cabe ressaltar que o referido entendimento não se restringe aos procedimentos de apuração de infrações ambientais, na forma da pacífica jurisprudência do STJ (AgInt no REsp 1.608.710/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/08/2017; AgRg no AREsp 750.574/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 13/11/2015). IV. O art. 1º do Decreto 20.9010/32 regula a prescrição quinquenal, sem nada dispor sobre a prescriçãointercorrente. Nesse contexto, diante da impossibilidade de conferir interpretação extensiva ou analógica às regras atinentes à prescrição e da estrita aplicabilidade da Lei 9.873/99 ao âmbito federal, descabida é a fluência da prescriçãointercorrente no processo administrativo estadual de origem, em face da ausência de norma autorizadora. V. Consoante a pacífica jurisprudência do STJ, ‘o art. 1º do Decreto 20.910/1932 apenas regula a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescriçãointercorrente, apenas prevista na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal’ (STJ, REsp 1.811.053/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/09/2019). No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.609.487/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/02/2017; AgRg no REsp 1.513.771/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/04/2016). […] (AgInt. nos EDcl. no REsp. n. 1.893.478/PR, relª. Minª. Assusete Magalhães, Segunda Turma, j. 16.12.20);
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ALEGADA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INEXISTENTE. MULTA ADMINISTRATIVA. PROCON. LEI 9.873/1999. INAPLICABILIDADE ÀS AÇÕES ADMINISTRATIVAS PUNITIVAS DESENVOLVIDAS POR ESTADOS E MUNICÍPIOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. […] 2. O Superior Tribunal de Justiça entende que, em casos de ação anulatória de ato administrativo ajuizada em desfavor do Departamento Estadual de Proteção de Defesa do Consumidor – Procon, em decorrência do exercício do poder de polícia do Procon, é inaplicável a Lei 9.873/1999. 3. O art. 1º do Decreto 20.910/1932 apenas regula a prescrição quinquenal, não havendo previsão acerca de prescriçãointercorrente, apenas prevista na Lei 9.873/1999, que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não se aplica às ações administrativas punitivas desenvolvidas por Estados e Municípios, em razão da limitação do âmbito espacial da lei ao plano federal. […]” (REsp. n. 1.811.053/PR, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 15.08.19).
Desta forma, afasta-se a prejudicial.
2.2 Do controle jurisdicional dos atos administrativos impositores de multa consumerista:
A tese de reserva de jurisdição não vinga.
O controle judicial sobre os atos administrativos é unicamente de legalidade, não cabendo ao Poder Judiciário avaliar a conveniência e a oportunidade que consubstanciam o mérito do ato administrativo para afastar a conclusão a que chegou a administração pública acerca da conduta praticada pelo fornecedor.
A propósito, segundo o Supremo Tribunal Federal, “É firme o entendimento desta Corte no sentido de que o Poder Judiciário, em respeito ao princípio constitucional da separação dos Poderes, só pode adentrar no mérito de decisão administrativa quando esta restar eivada de ilegalidade ou de abuso de poder”. (ARE n. 1.008.992GO, rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 23.06.17).
Nesse sentido, segue a jurisprudência desta Corte: “O mérito do ato administrativo é intangível ao controle judicial, pois procede do juízo de conveniência e oportunidade do administrador. Porém, o ato discricionário está sujeito ao controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário, quando instado para tanto.” (Apelação Cível n. 0302964-31.2016.8.24.0019, de Concórdia, relª. Desª. Vera Lúcia Ferreira Copetti, Quarta Câmara de Direito Público, j. 22.08.19).
Desse modo, a competência do Poder Judiciário é para aferir a legalidade dos atos administrativos praticados pelo Procon.
2.3 Da competência administrativa do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) para a imposição de multa consumerista:
Não merece prosperar a alegação de nulidade do processo administrativo diante da inexistência de competência administrativa do Procon para a imposição de sanções.
É que, diferente do que sugere a apelante, é inconteste a função fiscalizatória e punitiva do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) assentadas nos arts. 2º, 4º, incs. III e IV, 5º e 18, § 2º, todos do Decreto n. 2.181/97, dos quais decorrem a sua legitimidade para, analisando o caso concreto, aplicar a sanção administrativa em razão do descumprimento de norma prevista no Código de Defesa ao Consumidor.
Desse forma, embora seja incompetente para obrigar o infrator do CDC a entregar ou devolver produtos ou, ainda, ressarcir eventuais prejuízos causados ao consumidor, o Procon é competente para sancionar o fornecedor por conta da violação às normas de consumo.
Esse entendimento prevalece em razão do seu dever de fiscalizar as relações de proteção e orientação ao consumidor regulamentadas pelo Decreto 2.181/97, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa ao Consumidor, cabendo a ele, por consequência lógica, aplicar as sanções previstas no art. 56 do CDC na hipótese de verificar, no caso concreto, infringência às normas consumeristas.
Em caso análogo, colhe-se do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROCON. APLICAÇÃO DE MULTA. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. MULTA. LEGITIMIDADE. MANUTENÇÃO DA SANÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA.[…]2. Outrossim, extrai-se do acórdão vergastado que o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a orientação do Superior Tribunal de Justiça de que a sanção administrativa prevista no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor funda-se no Poder de Polícia que o Procon detém para aplicar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei 8.078/1990, incidindo o óbice da Súmula 83/STJ. […]” (REsp. n. 1.727.028/GO, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 17.05.18).
Assim, refuta-se a aventada incompetência administrativa do Procon para imposição da multa consumerista.
2.4 Da ilegalidade do ato administratvo impositor da multa consumerista:
No mérito, razão assiste à autora.
No caso concreto, o Procon autuou BV Financeira S/A – Crédito, Financiamento e Investimento por infração aos arts. 6º, inc. III, 46 e 52 todos do Código de Defesa ao Consumidor, in verbis:
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:[…]III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;III – acréscimos legalmente previstos;IV – número e periodicidade das prestações;V – soma total a pagar, com e sem financiamento.”
Não há dúvidas de que o descumprimento injustificado de tais preceitos legitima a aplicação de sanção administrativa pelo órgão de defesa do consumidor.
Entretanto, analisando-se o teor do processo administrativo, é necessário ponderar que, pelo contexto dos fatos delineados nos autos, ainda que a fornecedora não tenha prestado informações a tempo e modo conforme requerido pelo Procon, aparentemente ela encerrou o litígio ao apresentar, juntamente com o recurso administrativo, o contrato de financiamento solicitado pelo consumidor (evento 1, docs. INF4 e INF5).
Com efeito, verifica-se que, na primeira audiência conciliatória a instituição financeira requereu prazo para a entrega do documento. Após transcorrer in albis o prazo sem notícias, o Procon novamente intimou-a para conciliação, a ser realizada em audiência designada para 18.03.14, sendo que nesta mesma data ela peticionou requerendo nova prorrogação do prazo para apresentação da documentação por ela estar de posse de terceiro. Diante da negativa, propôs recurso administrativo, apresentando o contrato de financiamento objeto da controvérsia com o consumidor (evento 1, docs. INF4 e INF5).
Diante disso, observa-se que a fornecedora solucionou o conflito, atendendo a determinação do órgão de proteção do consumidor, ainda que a destempo, razão pela qual inexiste causa para a aplicação da multa consumerista.
É dizer, o ato administrativo sancionatório ressente-se do competente motivo, devendo, pois, ser anulado.
Não se pode esquecer que a penalidade tem por intuito punir a infração cometida pela fornecedora por descumprimento às normas de proteção ao consumidor, e não sancionar a falta de resposta formal ao órgão fiscalizador, de modo que inexistindo desrespeito, recusa ou desobediência à ordem emanada pelo Procon, incabível aplicar referida sanção.
Colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:
“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA PELO PROCON MUNICIPAL. INSUBSISTÊNCIA. RECLAMAÇÃO DO CONSUMIDOR SOLUCIONADA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EMBARGANTE. PENALIDADE QUE DEVE SER AFASTADA, EM FACE DA RAZOABILIDADE E COMO ESTÍMULO À SOLUÇÃO NAO CONTENCIOSA DOS CONFLITOS. PRECEDENTES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA AOS EMBARGOS MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO”. (Apelação Cível n. 0301505-93.2018.8.24.0028, de Içara, rel. Des. Artur Jenichen Filho, Quinta Câmara de Direito Público, j. 26.01.21);
“CONSUMIDOR. MULTA. PROCON. PENALIDADE ILEGAL NA ESPÉCIE. EMPRESA RECLAMADA QUE, LOGO APÓS A NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE DEFESA, SOLUCIONA A CONTROVÉRSIA, COM ENVIO DOS BOLETOS E DESCONTOS SOLICITADOS PELO CONSUMIDOR. RESOLUÇÃO DO FEITO ANTES DO JULGAMENTO ADMINISTRATIVO. FORMULAÇÃO DE DEFESA A DESTEMPO QUE NÃO É MOTIVO IDÔNEO PARA PUNIÇÃO. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA QUE, DADAS AS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO, AFASTA O SANCIONAMENTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO”. (Apelação Cível n. 0304362-76.2017.8.24.0019, de Concórdia, rel. Des. Ronei Danielli, Terceira Câmara de Direito Público, j. 18.02.20);
Portanto, a sentença deve ser reformada, para o fim de julgar procedente o pedido, anulando-se o ato administrativo impositor da multa consumerista à autora.
3. Da apelação cível do réu:
O provimento da apelação da requerente, com a reforma da sentença para julgar procedente o pedido, anulando-se o ato administrativo impositor da multa consumerista, torna prejudicada a insurgência do réu, que se limitava à discussão do montante da sanção.
Sendo assim, não se conhece do recurso do Município de Timbó.
4. Da inversão dos ônus da sucumbência
Com o provimento do recurso da autora, a sucumbência deve ser invertida, imputando-se ao réu o pagamento das despesas processuais nos termos do art. 85 do CPC/15, segundo o qual “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”.
Quanto às custas processuais, o Município é isento na forma do art. 7º, inc. I, da Lei Estadual n. 17.654/18, o Regimento de Custas.
Tocante aos honorários advocatícios, o arbitramento deve atender aos parâmetros estabelecidos no art. 85, § 2º, do CPC/15, devendo ser observados a natureza e importância da causa; o trabalho realizado e o grau de zelo profissional; e o lugar e tempo da prestação do serviço:
“Art. 85 […]§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:I – o grau de zelo do profissional;II – o lugar de prestação do serviço;III – a natureza e a importância da causa;IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”.
Outrossim, quando a Fazenda Pública compõe um dos polos da demanda, o arbitramento da verba honorária deverá ser fixada em percentuais, conforme preconiza o § 3º do art. 85 do CPC/15:
“Art. 85 […]§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2ª e os seguintes percentuais:I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos”.
Como se vê, a legislação vigente prevê que nas causas em que a Fazenda for parte, a fixação deverá respeitar os parâmetros estabelecidos nos incisos contidos no § 3º, observados o critérios estipulados no § 2º do art. 85 do CPC/15.
Além disso, o art. 85, § 4º, inc. III, do CPC/15 estipula que, “em qualquer das hipóteses do § 3º, […] não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa”.
Da leitura dos mencionados excertos legais, infere-se que os honorários sucumbenciais serão fixados, em regra, pelo valor da condenação ou proveito econômico (§§ 2º e 3º) ou, não sendo possível mensurá-lo, pelo valor atualizado da causa (§ 4º).
Por fim, apenas para as hipóteses em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou muito baixo o valor da causa, o magistrado fixará a verba por equidade, a teor do § 8º do art. 85 do CPC/15.
A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 13.02.19, ao julgar o Recurso Especial n. 1.746.072/PR, reconheceu que há ordem de preferência dos critérios, o qual deve ser respeitado no momento do arbitramento. Na oportunidade, afirmou que “o CPC/2015 tornou mais objetivo o processo de determinação da verba sucumbencial, introduzindo, na conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85, ordem decrescente de preferência de critérios (ordem de vocação) para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para outra categoria” (REsp. n. 1.746.072/PR, relª. Minª. Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Min. Raul Araújo, j. 13.02.19 – grifou-se).
Na mesma oportunidade, estabeleceu “a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º)” (grifou-se).
Como se pode observar, o STJ entendeu que o § 2º do art. 85 do CPC/15 é a regra geral a ser aplicada — o mesmo sucedendo com o § 3º, cuidando-se de causas que tem como parte a Fazenda Pública –, enquanto que o § 8º, que autoriza a fixação por equidade, possui aplicação apenas subsidiária, somente após a impossibilidade de incidência dos critérios anteriores.
Neste sentido: “Na vigência do CPC/2015, só é possível o arbitramento dos honorários advocatícios por equidade quando for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo, o que não é o caso” (AgInt. no AREsp. 1.424.586/MG, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 22.03.21).
No caso concreto, a procedência do pedido, com a anulação da penalidade, acarretou um proveito econômico à autora de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Desse modo, os honorários advocatícios deverão ser fixados na proporção definida no inc. I do § 3º do art. 85 do CPC/15, inclusive porque o proveito econômico obtido não perfaz mais de 200 (duzentos) salários mínimos.
Logo, fixa-se a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre o proveito econômico no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) devidamente atualizada.
5. Ante o exposto, voto por (a) dar provimento ao recurso da autora, para julgar procedente o pedido, anulando-se o ato administrativo impositor da multa consumerista e condenando o Município de Timbó ao pagamento dos honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor do proveito econômico; e (b) não conhecer do recurso do réu, por prejudicado.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 909052v27 e do código CRC 928b5b6f.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETOData e Hora: 2/6/2021, às 21:20:34
Apelação Nº 0300188-22.2018.8.24.0073/SC
RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO
APELANTE: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (AUTOR) APELANTE: MUNICÍPIO DE TIMBÓ/SC (RÉU) APELADO: OS MESMOS
EMENTA
AÇÃO ANULATÓRIA. MULTA APLICADA PELO PROCON. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO, COM A REDUÇÃO DO VALOR DA PENALIDADE ADMINISTRATIVA. APELO DA AUTORA. PRESCRIÇÃOINTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA LEI N. 9.873/99 AOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS NA ESFERA ESTADUAL. ORIENTAÇÃO DO STJ. USURPAÇÃO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. INEXISTÊNCIA. SANCIONAMENTO AFETO AO PODER DE POLÍCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. COMPETÊNCIA DO PROCON PARA APLICAÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DE NORMAS CONSUMERISTAS. PODER SANCIONADOR PREVISTO NO ART. 56 DO CDC E NOS ARTS. 2º, 4º, INCS. III E IV, 5º E 18, § 2º, DO DECRETO N. 2.181/97. IMPOSIÇÃO DE MULTA EM VIRTUDE DA NÃO APRESENTAÇÃO, A TEMPO E MODO, DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO ENTABULADO ENTRE A FORNECEDORA E A CONSUMIDORA. DESOBEDIÊNCIA INICIAL SUPERADA PELA ENTREGA DO DOCUMENTO EM SEDE DE RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA SATISFEITA. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA À IMPOSIÇÃO DA SANÇÃO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO POR AUSÊNCIA DE MOTIVO. PRECEDENTES DA CORTE. SENTENÇA REFORMADA PARA O FIM DE JULGAR TOTALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO ANULATÓRIO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. INVERSÃO. CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO DE TIMBÓ AO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 85, § 3º, INC. I, DO CPC/15. APELO DO RÉU. INSURGÊNCIA CONTRA A REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA. INCONFORMISMO PREJUDICADO ANTE O PROVIMENTO DO RECURSO DA AUTORA, COM A REFORMA DA SENTENÇA PELO ACOLHIMENTO DO PEDIDO. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA. APELAÇÃO DO RÉU NÃO CONHECIDA.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, (a) dar provimento ao recurso da autora, para julgar procedente o pedido, anulando-se o ato administrativo impositor da multa consumerista e condenando o Município de Timbó ao pagamento dos honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor do proveito econômico; e (b) não conhecer do recurso do réu, por prejudicado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 01 de junho de 2021.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 909053v8 e do código CRC fd15775d.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETOData e Hora: 2/6/2021, às 21:20:34