Herdeiros podem retomar imóvel de quem mora de favor. Com o falecimento do comodante, há a extinção do contrato de comodato, podendo os herdeiros retomar o imóvel emprestado.
“Morar de favor”, você já ouviu esta expressão
Em relações familiares, não é estranho terceira pessoa, ou até mesmo um dos herdeiros, ter permissão para residir em determinado imóvel da família.
É o que popularmente se denomina “morar de favor”, um mero ato de permissão do proprietário que não induz a posse do imóvel por quem nele passa a habitar.
Motivos para “morar de favor” são dos mais diversos, como cuidar de uma pessoa idosa, auxiliar um familiar que passa por dificuldade, ou, em virtude de falecimento, cônjuge ou companheiro continuar a residir no imóvel sem que tenha direito à meação.
A mera permissão para habitar um imóvel é plenamente precária, fazendo com que possa ser retomado a qualquer momento.
Como frisei acima, permissão para residir, ou morar de favor, não induz posse jurídica sobre o imóvel. Em regra, por mais que tenha transcorrido tempo, não se há que falar em direito à usucapião – como é comum ser questionado em consultas (saiba mais).
Assim, nas circunstâncias acima, o proprietário do imóvel, ou eventuais herdeiros, podem sim retomar o imóvel.
Contrato de comodato se extingue com o falecimento do comodante
Mesmo em se tratando de contrato de comodato, com o falecimento do comodante, o comodatário deve entregar o imóvel.
O comodato é um empréstimo gratuito de coisas não fungíveis, ou seja, insubstituíveis, como um terreno, uma casa, uma chácara etc.
É denominado de comodante a pessoa que empresta a coisa e de comodatário a pessoa que a recebe em comodato.
Embora não seja aconselhável, o comodato pode ser pactuado de forma verbal, por um prazo determinado ou indeterminado.
Havendo o falecimento do comodante, o comodatário deverá devolver o imóvel a eventual herdeiro.
Caso não o entregue, poderá restar configurado esbulho possessório sendo possível os herdeiros ingressarem com ação judicial para retomada do imóvel.
Extinção do contrato de comodato
Como disse, dentre outras causas de extinção, o contrato de comodato se extingue com o falecimento do comodante, ou seja, do proprietário da coisa – que comumente é um bem imóvel.
Independentemente do prazo ajustado para a vigência do contrato (prazo determinado ou indeterminado), falecendo o comodante, seus herdeiros têm a prerrogativa de pedir a desocupação do imóvel que fora ora emprestado gratuitamente.
O contrato de comodato tem natureza personalíssima, extinguindo-se com o falecimento de qualquer uma das partes.
Posse direta X Posse indireta
Para entender melhor, no contrato de comodato, há uma bipartição da posse sobre o imóvel. O comodatário fica com a posse direta, podendo defendê-la de quem quer que seja como se fosse seu o imóvel. O comodante, ao seu turno, fica com a posse indireta do bem.
Com a extinção do contrato de comodato, o comodante tem recuperada a posse direta do comodatário, não havendo mais justo motivo para que este permaneça do imóvel.
Notificação e Princípio de Saisine
Com o falecimento do comodante, os herdeiros automaticamente passam a ser proprietários dos bens que compõem a herança, não sendo necessária a abertura de inventário para transferência da propriedade. Este fenômeno jurídico decorre do denominado princípio de Saisine.
Assim, no momento em que ocorre a morte do comodante, os herdeiros passam a ser proprietários do imóvel, inclusive, exercendo a posse sobre todos os bens da herança.
Tendo o comodatário ciência do falecimento, que pode se dar por notificação extrajudical, naturalmente deixa de exercer a posse justa sobre o imóvel, dada a extinção do contrato de comodato, passando a ser devido o pagamento de aluguel pelo uso do imóvel. Neste sentido, o Código Civil:
Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.
Código Civil
Esbulho possessório
Falecendo o comodante, deixa de existir uma causa justa para que o comodatário continue na posse do imóvel, restando configurado esbulho possessório, em virtude da posse precária.
Os herdeiros passam, assim, a ter legitimidade para ingressar com ação judicial como a finalidade de reaver a posse sobre o imóvel em razão de ter se configurado, como afirmado, o esbulho possessório.
Herdeiros podem retomar imóvel de quem “mora de favor”
Como vimos, com o falecimento do comodante, há a extinção do contrato de comodato, podendo os herdeiros retomar o imóvel emprestado.
Mas para finalizar, uma questão geralmente consultada por clientes é se existe risco de quem mora de favor pedir usucapião.
Em regra, a resposta é negativa, tendo em vista os Tribunais entenderem que a mera permissão ou tolerância para morar em um imóvel configura um comodato.
Toda regra possui exceção, então, é preciso ficar atento! Ocorrendo a inversão do caráter originário da posse, em tese, há a possibilidade dos herdeiros serem surpreendidos.
Para que você fique ciente deste risco, sugerimos a leitura das postagens a seguir abordando o tema:
Leia também
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+ Usucapião: pode haver alteração do caráter originário da posse?
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Base legal
Jurisprudência: comodato, reintegração de posse
EXISTÊNCIA DE COMODATO VERBAL RECONHECIDO PELA
PRÓPRIA RÉ. EXERCÍCIO DE POSSE INDIRETA POR PARTE DOS
AUTORES. DESCUMPRIMENTO DE NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL PARA
DESOCUPAÇÃO DO BEM QUE CARACTERIZA ESBULHO. PRESENÇA DOS
REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 927, DO CPC/1973.O empréstimo gratuito é ato de mera liberalidade, que não retira a posse do bem do comodante, apenas a torna indireta. Assim, descumprida a notificação para entregar o imóvel na data aprazada, resulta caracterizado o esbulho possessório, autorizando a reintegração de posse por parte do possuidor próprio. (TJSC – AC n. 2012.005820-4, de Navegantes. Rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, julgado em 29/08/2013). […] SENTENÇA MANTIDA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (AC n. 0502484-70.2012.8.24.0064, relª. Desª. Cláudia Lambert de Faria, j. em 07.11.2017).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
COMODATO VERBAL. POSSE INDIRETA DA AUTORA DEMONSTRADA.
NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL PARA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL
EFETUADA. NEGATIVA DE REQUERIDA. POSSE INJUSTA
CARACTERIZADA. REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DEMONSTRADOS. RECURSO PROVIDO. (AI n. 2013.010814-8, rel.
Des. Alexandre d’Ivanenko, j. em 22.07.2014).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TESE RECHAÇADA. PERMUTA NÃO COMPROVADA. IMÓVEL ENTREGUE EM COMODATO VERBAL. POSSE PRÓPRIA MANTIDA PELO AUTOR. NOTIFICAÇÃO PARA DEIXAR O BEM NÃO CUMPRIDA. CARACTERIZAÇÃO DO ESBULHO POSSESSÓRIO.
O empréstimo gratuito é ato de mera liberalidade, que não retira a posse
do bem do comodante, apenas a torna indireta. Assim, descumprida a
notificação para entregar o imóvel na data aprazada, resulta caracterizado o esbulho possessório, autorizando a reintegração de posse por parte do
possuidor próprio. […] DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (AC n.
2012.005820-4, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, j. em 29.08.2013)
Doutrina: comodato
“comodato é a cessão gratuita de uma coisa para seu uso com estipulação de que será devolvida em sua individualidade, após algum tempo” (GOMES, Orlando. Contratos. 26ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2007. p. 385)
Muito boa a explicação Dr Emersom, me deu um norte para o que estou precisando, gostaria até de contrata-lo porem o meu caso é no triangulo mineiro e o Sr esta no Sul do país. Obrigado!
Bom dia,eu emprestei a minha casa pra minha ex-cunhada para morar no momento que ela mais precisava ela estar lá játem 3 anos mais eu nãofiz nem um documento,mais todo ano vou de férias na minha casa, se um dia ela querer ficar com a casa, ela tem direito?