Usucapião como matéria de defesa

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Usucapião como matéria de defesa

Usucapião como matéria de defesa. Julgamento antecipado da lide configura cerceamento de defesa quando subtrai a possibilidade de produção de prova útil e necessária para a solução da controvérsia.

Processo: 0003663-87.2006.8.24.0135 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Fernanda Sell de Souto Goulart
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Oitava Câmara de Direito Civil
Julgado em: 12/12/2023
Classe: Apelação

Apelação Nº 0003663-87.2006.8.24.0135/SC

RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART

APELANTE: EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS OSVALDO J ROSA LTDA (RÉU) APELANTE: OSVALDO JOSE ROSA (RÉU) APELANTE: ISAURA MAGALI ROSA (RÉU) APELADO: KAN CHUN VEAGU (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS OSVALDO J ROSA LTDA, OSVALDO JOSE ROSA e ISAURA MAGALI ROSA em face da sentença de procedência proferida em ação reivindicatória proposta por KAN CHUN VEAGU. 
Adota-se o relatório elaborado pelo juízo a quo por representar fielmente a realidade dos autos:
Kan Chun Veagu ajuizou ação reivindicatória de imóvel em face de Empreendimentos Imobiliários Osvaldo J Rosa Ltda., Osvaldo José Rosa e Isaura Magali Winter Rosa. Aduziu ser proprietário do imóvel da matrícula n. 1.377 do Registro de Imóveis de Navegantes, adquirido em 31.1.2006.
Argumentou que os réus, no início de agosto de 2006, passaram a ocupar a quase totalidade do imóvel objeto da demanda, embora tenham adquirido o imóvel representado por matrícula diversa. Requereu a tutela antecipada para que fosse determinada a desocupação da área pelos réus. Pediu a procedência da ação para condenar os réus a restituírem o imóvel e pagar indenização por perdas e danos e lucros cessantes.
Citada, a parte passiva alegou, preliminarmente, carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido. Alegou, no mérito, ausência de caução, por se tratar o autor de estrangeiro. Arguiu em sua defesa a usucapião, pois aduziu estar na posse do imóvel há mais de 12 anos. Alegou que ocupa a área C, de 7.768 m2. Requereu o acolhimento da preliminar, com a extinção da ação, ou, superada essa, a determinação para que o autor preste caução, e a improcedência da ação.
Houve réplica.
Pelo Juízo fora decidido haver as condições da ação e pressupostos processuais, e dispensada a caução (Evento 32, DESP302).
Em audiência, deferida a produção de prova pericial (Evento 61, TERMOAUD334).
Apresentado o laudo pericial (Evento 157), as partes o impugnaram. Houve complementação do laudo (Evento 253).
Após o regular trâmite, os autos vieram conclusos.
É o relatório, passo a decidir.
Concluídos os trâmites, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Diante do exposto, com base no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a presente ação reivindicatória proposta pelos autores, para o fim de:
A) DETERMINAR ao réu que entregue definitivamente o imóvel reivindicado (matrícula n. 33.251 do Registro de Imóveis de Navegantes) ao autor, devidamente desocupado, no prazo de 15 dias, sob pena de expedição de mandado de imissão na posse e demolição. Desde já, caso decorrido o prazo, e o imóvel não tenha sido desocupado, expeça-se o competente mandado, podendo o Sr Oficial, caso necessário, solicitar reforço policial para o correto cumprimento da ordem.
B) CONDENAR os réus ao pagamento de aluguel pela indevida utilização do lote, desde a citação até a efetiva desocupação, em valor a ser apurado por arbitramento em liquidação de sentença, corrigidos monetariamente desde cada inadimplemento com base no INPC, bem como juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação válida.
Condeno, ainda, os requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador do autor, estes últimos fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Expeça-se alvará em favor do perito para que possa sacar os honorários periciais.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Inconformados com o ato decisório, os réus interpuseram recurso de apelação.
Nas razões recursais, alegaram, em síntese, que tiveram sua defesa cerceada, um vez que não lhes foi oportunizada a oitiva de testemunhas para comprovação da aquisição do domínio do imóvel litigado pela usucapião.
Com tais argumentos, formulou os seguintes requerimentos:
1.1 O acatamento e o provimento dos argumentos acima expostos, com a cassação da decisão hostilizada 
1.2 A baixa dos autos ao Juízo de origem, a fim de que seja dada continuidade a instrução processual, expressamente requerida na audiência realizada em 19 de março de 2009 [19.03.2009] – Evento “61” – com a indispensável produção da prova oral [vide petições dos Eventos “56” e “57”], para comprovar exatamente a prescrição aquisitiva dos Embargantes [cerceamento de defesa], o que alterará por completo o julgado, tudo conforme exposto anteriormente.
Intimada, a parte autora exerceu o contraditório.
Em contrarrazões, afirmou, em resumo, que: a) “o magistrado a quo se valeu da prova técnica produzida nos autos (Laudo Pericial acostado nos eventos 157 e 253) para firmar o seu livre convencimento, consubstanciado no princípio da livre apreciação da prova e do livre convencimento motivado”; b) a prova técnica “não deixou dúvida alguma de que o imóvel (área “A”) reivindicado na presente demanda é de propriedade do Apelado e que os Apelantes se encontram na posse injusta da referida área”. 
Daí extraiu os pleitos que seguem:
POR ISSO e por tudo que consta nos autos, respeitosamente requer seja DESPROVIDO o Recurso de Apelação interposto pelos Apelantes, mantendo-se incólume a r. decisão atacada, pelos seus próprios fundamentos e pelos fundamentos expostos acima, na forma da lei. 
Assim agindo, Vossas Excelências estarão aplicando com sabedoria e perfeição o que é justo e de Direito.
O envio dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça foi dispensado, por ausência de hipótese de intervenção (arts. 129 da CF e 178 do CPC).
Por fim, vieram os autos para análise.

VOTO

1. Preliminares 
Não há preliminares em contrarrazões para análise. 
2. Admissibilidade
Presentes os pressupostos legais, admite-se o recurso. 
3. Mérito
Passa-se ao exame do mérito do recurso, antecipando-se que o caso é de provimento. 
O juízo a quo acolheu a pretensão da parte autora com base em fundamentos assim expostos:
As preliminares foram afastadas pela decisão do Evento 32, DESP302, de forma que não é necessário exame ulterior. 
A demanda reivindicatória, fundada no direito real de propriedade, ação petitória cabível para o exercício da pretensão do proprietário que não é possuidor em face do possuidor não proprietário, não dispensa que a parte interessada comprove (a) o título dominial sobre o imóvel pretendido; (b) a sua correta individualização; (c) a posse injusta dos demandados sobre a área, entendida como aquela exercida sem título de propriedade.
Estes requisitos, aliás, constam do art. 1.228, caput, do Código Civil, in verbis:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha.
No caso em apreço, os dois primeiros pressupostos foram preenchidos por meio da documentação que acompanha a inicial e da prova pericial.
Verifica-se que a matrícula primitiva era a de n. 28.377, do 1º RI de Itajaí, com área de 181.500,00 m2 (Evento 1, PET49), que posteriormente foi retificada para 195.368,00 m2. Após, a matrícula foi remetida para o 2º RI de Itajaí, quando lhe foi atribuído o n. 20.818, e por força de inventário o imóvel passou para oito herdeiros, os quais desmembraram o bem (Evento 1, PET51 a 54).
 O lote que passou a contar com a matrícula n. 23.459 foi transferido para Carlos Alberto Dauer e Dulce Correa Dauer, e desmembrado em outras três áreas, que passaram a ter as matrículas 33.251 (A), 33.252 (B) vendidas para Paulo Renato Rosa, e 33.390 (C), vendida para Yeda Teresinha Dittert e Fernando Dittert. Paulo Renato se separou de Adriana Rosa e o imóvel representado pela matrícula n. 33.251, ora em disputa, foi partilhado em favor de Rafael Sutra Silveira Rosa, Ana Paula Rosa e Ana Maria Rosa dos Santos (Evento 1, PET59 a 60), os quais o venderam para o autor.
Assim, parte autora comprovou ser a proprietária registral do bem representado pela matrícula n. 33.251 do Registro de Imóveis de Navegantes, conforme se verifica no Evento 1, PET42 e 43. A aquisição ocorreu em 31.1.2006.
Para a individualização do imóvel foi necessária a realização de perícia. Por meio do laudo o perito afirmou que foi realizado o levantamento topográfico do imóvel objeto da lide, e cuja área encontra-se descrita na matrícula n. 28.377 do 1º RI de Itajaí (Evento 1, PET49).
O perito deixou de considerar no levantamento planimétrico a escritura pública de compra e venda por meio da qual Yeda Teresinha Dittert e Fernando Dittert alienaram o imóvel de matrícula n. 33.390 (C) à empresa ré (Evento 1, PET79 a 80), pelo fato de o documento não apresentar ponto de partida (amarração) e nem apresentar a situação encontrada pelo perito e pelo assistente técnico. Referiu que a descrição do documento não correspondia à realidade física e que a subdivisão descrita pode ter sido elaborada com base documental.
Ainda, asseverou que a planta de terreno para desmembramento do Evento 157, LAUDO / 455 (“fls. 153”) é restrita “ao lote 8 e não apresenta nenhuma amarração nem ponto de partida, nem qualquer indício de sua localização na área maior do desmembramento que assegure uma correta medição e existência física.” Concluiu que tal situação sugeria que não teria ocorrido visita de campo, pois na área não havia infraestrutura onde deveriam ser as áreas “B” e “C”. O perito teceu considerações acerca de outros documentos que continham as mesmas características, ou seja, não possuíam amarração que pudesse garantir certeza da localização da área mencionada.
Nas respostas aos quesitos, aduziu que não era possível identificar a área “A” e nem a “C” com base nas escrituras de compra e venda apresentadas pelas partes, e somente foi possível identificá-las com o emprego de outros parâmetros, como as plantas juntadas nos autos (arquivadas em cartório – Evento 1, PET86).
Especificamente em relação à área “C”, adquirida pelos réus, em resposta aos quesitos, o perito aduziu que ela “não existe fisicamente, pois no local atualmente existe o Loteamento Jardim Paranaense – Bairro Nossa Senhora das Graças com casas construídas e vias públicas abertas dotadas de infraestrutura”. Mencionou ainda que o mapa a que aludiu o quesito das partes rés “não traduz a realidade física, pois as áreas ‘B’ e ‘C’ não existem fisicamente e a área que faz divisa com a Rua Vereador Elson Renato dos Santos é a área ‘A'”.
O laudo refere que o imóvel adquirido pelo autor “possui a mesma área e confrontações existentes na matrícula nº 1.377 do CRI de Navegantes – SC”, e que não foi possível confirmar se o valor pago pelo demandante correspondia ao efetivo valor de mercados na época da compra.
Ao responder o questionamento sobre se há no local travessões ou marcos que permitem a correta localização e medição dos imóveis, tanto do autor quanto dos requeridos, o perito afirmou que:
Ficou estabelecido pelos presentes (Advogados, Peritos e Assistentes Técnicos) quando do início dos trabalhos relativo a medição da área que o ponto inicial seria a Estrada de Navegantes para Luiz Alves (atual Rua Orlando Ferreira), visto que a estrada não mudou de lugar e a localização do Travessão Geral (Rufino Anacleto) não era (e nem é) conhecida. Também não foram encontrados marcos definindo a localização dos imóveis (exceção Área “A” que está cercada)
O expert ainda afirmou que “É possível afirmar que a área “A” está cercada, mas não é possível determinar a data de sua execução”.
Ainda, referiu que após a medição seria possível afirmar que as áreas “B” e “C” não existem fisicamente, mas em relação à Área “A” (cercada) obteve-se medidas precisas.
Após impugnações apresentadas pelas partes, o perito juntou nos autos a complementação do laudo, e manteve as suas conclusões. E das diversas indagações realizadas, respondeu que a área identificada como sendo a “A”, não pode ser a área “B” ou “C”. Disse que:
Ficou estabelecido que o ponto (marco) inicial da medição seria no ponto próximo a antiga Estrada Navegantes x Luis Alves (fls. 3 do laudo – evento 157 – LAUDO452). Desse ponto de partida, foram levantados os pontos até a Rua Vereador Elson Renato dos Santos e daí em diante a projeção da área, visto a existência do Loteamento Jardim Residencial Paranaense, de propriedade da empresa Empreendimentos Imobiliários Osvaldo J. Rosa Ltda. 
Nesse passo, não restaram dúvidas de que houve a identificação precisa da área cuja posse é reivindicada pelo autor e que se encontra na posse das partes requeridas. Outrossim, a área adquirida pela empresa demandada, segundo se constata do laudo pericial, encontra-se inserida em um loteamento.
O autor conseguiu demonstrar que os demandados estariam na posse injusta do imóvel por intermédio do registro de um boletim de ocorrência, conforme se verifica no Evento 1, PET62 a 63, ocorrida em 11.8.2006, bem como da notificação da parte desocupasse a área (Evento 1, PET 65 a 67). Na sequência houve contranotificação da parte ré (Evento 1, PET69 a 74), o que só corroborou a alegação do autor.
Veja-se que os requeridos desconheciam a real localização da área que haviam adquirido. Entretanto, como sabido, a posse injusta para ser considerada como tal na reivindicatória, não necessita ser precária, clandestina ou violenta, bastando que seja desprovida de justo título dominial oponível ao reivindicante.
No caso, a posse exercida pelo demandado resulta alheia ao domínio, razão pela qual se consubstancia injusta, diante do vício da precariedade. Sendo assim, o pedido merece procedência.
Nesse desiderato:
REIVINDICATÓRIA. TÍTULO DE DOMÍNIO VÁLIDO, SEQUER IMPUGNADO. IMÓVEL REIVINDICADO IDENTIFICADO. POSSE DAQUELE CONTRA A QUAL SE DIRIGE A DEMANDA INJUSTA. ELEMENTOS DO ART. 524, CAPUT, DO CC/16 OU ART. 1.228, CAPUT, DO CC/02 PRESENTES. PROCEDÊNCIA MANTIDA.   Para que o proprietário não possuidor faça valer seu direito sobre o possuidor não proprietário, deve satisfazer os requisitos constantes no art. 524, caput, do Código velho – correspondente ao 1.228, caput, do Código atual -, a saber: (a) comprovar a titularidade do domínio; (b) individualizá-la, de modo que seja facilmente identificável; e, (c) demonstrar que a posse daquele contra o qual dirige a demanda é injusta, despida de causa jurídica.   O conceito de justiça da posse para a reivindicatória atrela-se, sob a ótica do reivindicante, ao título de domínio que o legitima ao direito de sequela; logo, o injusto para a reivindicatória é a posse despida de título, por mais boa-fé que o possuidor possa externar, pouco importando os vícios da posse, se precária, clandestina ou violenta, que tocam apenas os interditos possessórios. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.063457-8, de Forquilhinha, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 09-04-2015).
Destarte, deve o requerente ser imitido na posse do imóvel descrito na exordial, uma vez que as partes requeridas exercem a posse – frisa-se: desprovida do título de propriedade – em detrimento do domínio do requerente.
Os réus, outrossim, alegaram como matéria de defesa, a aquisição da posse pelo uso. Aduziram que estão na posse do imóvel há mais de 12 anos. Entretanto, os demandados não fizeram acompanhar a alegação de elementos de convicção suficientes. O fato de as requeridas terem adquirido área em derredor da que o autor comprou não implica o raciocínio de que estavam exercendo a posse do imóvel desse.
Em relação à questão, extrai-se o seguinte precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – IMÓVEL DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO – PROPRIEDADE COMPROVADA POR MEIO DE ESCRITURA PÚBLICA – REQUISITOS DEMONSTRADOS – USUCAPIÃO – ARGÜIÇÃO COMO MATÉRIA DE DEFESA – INEXISTÊNCIA DE PROVA DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Restando preenchidos os requisitos da reivindicatória, ou seja, a titularidade do domínio do autor sobre a área e a posse injusta do réu, a procedência do pedido é medida que se impõe. Para o acolhimento da prescrição aquisitiva, oposta como meio de defesa em ação reivindicatória, indispensável é a demonstração dos requisitos legais para a sua caracterização (AC nº 2005.015617-5, de Araranguá, rel.: Des. Mazoni Ferreira, j. 01/09/2005, grifei).
Em relação ao pedido do autor para que os réus fossem condenados ao pagamento de indenização por lucros cessantes, registra-se que nada justifica que o bem fosse ocupado indevidamente.
Portanto, o pedido de fixação de indenização por lucros cessantes é cabível, pois evita o enriquecimento sem causa daquele que utilizou injustamente área que não lhe pertence.
Nesse sentido:
[…] A fruição indevida de bem alheio deve ser indenizada no equivalente ao respectivo aluguel apurado pelo valor de mercado, sob pena de violação ao princípio que veda o enriquecimento sem causa. (…) (Ap. Cível. n. 2010.017417-9, Relator: Des. Monteiro Rocha. Julgado em 10/05/2012)
Portanto, o pedido merece ser acolhido, todavia, em relação ao quantum, este deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença, pois inexiste prova do valor do aluguel que deveria ser pago referente à utilização do terreno, haja vista que no imóvel não existe benfeitoria averbada. Dessa forma, a aludida documentação é imprestável ao fim pretendido.
Sobre o tema em discussão, cita-se:
APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO REIVINDICATÓRIA.   CONJUNTO PROBATÓRIO DO QUAL EXTRAI-SE A INDIVIDUALIZAÇÃO DA ÁREA OBJETO DA PRETENSÃO, ESTANDO IGUALMENTE DEMONSTRADA A PROPRIEDADE DO IMÓVEL PELA AUTORA, BEM COMO A POSSE INJUSTA DA RÉ. […] AFERIÇÃO DOS PRESSUPOSTOS INDISPENSÁVEIS À IMISSÃO NA POSSE DO IMÓVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.228 DO CÓDIGO CIVIL. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DA RÉ APELANTE AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES, A TÍTULO DE ALUGUERES PELA OCUPAÇÃO ILEGAL, DESDE A CITAÇÃO ATÉ A EFETIVA DESOCUPAÇÃO, CUJOS VALORES SERÃO APURADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. […] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.007234-2, de Içara, rel. Luiz Fernando Boller, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 22-08-2013).
Logo, tem-se por devida a indenização postulada pela parte autora.
Ocorre, porém, que, ao compulsar os autos, constata-se a manifesta ocorrência de cerceamento de defesa em desfavor dos ora apelantes.
Isso porque, conforme se verifica, ao alegarem a aquisição da propriedade pela usucapião como tese defensiva, os réus postularam  pela oitiva de testemunhas, pedido este oportunamente reiterado quando da designação de audiência, com a apresentação do respectivo rol (evento 56, PET317).
Na data aprazada, contudo, e reforçando pedido também já realizado anteriormente, as partes entenderam pela necessidade de suspensão da oitiva das testemunhas e realização de perícia técnica (evento 61, TERMOAUD334).
Como visto, não houve, em momento algum, desistência da prova testemunhal, apenas a suspensão da oitiva. 
Retomados os trâmites e produzida a prova pericial, o juízo a quo, de plano, proferiu sentença julgando procedente a ação reivindicatória, determinando a entrega do imóvel e condenando os réus ao pagamento de aluguel pela sua indevida utilização. Acerca da tese de usucapião, consoante já reproduzido, o magistrado fundamenta o não acolhimento na ausência de elementos de convicção suficientes. 
Contudo, tratando-se de alegação de usucapião e sendo necessária a comprovação da posse ad usucapionem pelo prazo da lei – além dos demais requisitos -, imprescindível se faz oportunizar a oitiva de testemunhas, a qual, reitera-se, foi devidamente requerida a tempo e modo pela parte interessada, e cujo rol já se encontra anexado aos autos.
Em síntese, diante do contexto encontrado nos autos, inviável rechaçar a tese aventada pelos demandados sob o fundamento de ausência de provas sem lhe possibilitar a produção destas. 
Ademais, conforme o enunciado n. 297 do FPPC, “O juiz que promove julgamento antecipado do mérito por desnecessidade de outras provas não pode proferir sentença de improcedência por insuficiência de provas”. Logo, antes de afirmar que os réus não comprovaram o exercício da posse ad usucapionem, é necessário permitir-lhes a produção de prova nesse sentido, tal como requerido.
Nesse sentido é a jurisprudência desta Câmara:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO RÉU. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA ANTE O JULGAMENTO ANTECIPADO. DEFENDIDA A NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. ACOLHIMENTO. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ARGUIDA EM CONTESTAÇÃO. ALEGAÇÃO CORROBORADA POR PROVAS DOCUMENTAIS. POSSE, CONTUDO, QUE É MATÉRIA FÁTICA E NÃO PODE SER ANALISADA SOMENTE COM PROVAS DOCUMENTAIS, NOTADAMENTE QUANDO É CONTROVERSA. PRECEDENTES DESTA CORTE. JULGAMENTO ANTECIPADO QUE CEIFOU A POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA ÚTIL E NECESSÁRIA PARA A SOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. PREFACIAL ACOLHIDA. SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO. Esta Corte tem precedentes no sentido de que a posse é matéria fática e exige a produção de prova testemunhal para atestar sua existência, sendo a prova documental, em regra, mero complemento. Havendo controvérsia acerca da posse e requerimento de produção de prova testemunhal, tem-se que “o julgamento antecipado da lide configura cerceamento de defesa quando subtrai a possibilidade de produção de prova útil e necessária para a solução da controvérsia (…)” (AC n. 2005.008902-5, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. em 17/8/2009). (…).” (TJSC, Apelação n. 0016136-68.2010.8.24.0005, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Dagoberto Orsatto, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 21-09-2023).HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0300683-78.2018.8.24.0069, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Joao Marcos Buch, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 14-11-2023).
Ainda:
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. – […] JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. IMPROCEDÊNCIA POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. INCOMPATIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. CONFIGURAÇÃO. – O julgamento antecipado da lide ou, na nova sistemática, do mérito, apesar de escorado nos princípios da eficiência ou da economia processual e da razoável duração do processo, exige esteja o julgador satisfeito com as provas encartadas a fim de formar seu convencimento pleno, seja ele de acolhida ou de rejeição do pleito formulado, quanto às questões de fato aduzidas na demanda, de modo que se faz incompatível com a utilização da regra de julgamento do ônus da prova e a improcedência dos pedidos por insuficiência probatória, sob pena de se amesquinhar os princípios do contraditório e a ampla defesa, corolários do princípio do devido processo legal, bem como os princípios da boa-fé objetiva processual e da cooperação, a ensejar nulidade, com presunção relativa de prejuízo. Inteligência dos arts. 330 e 333 do CPC/1973; e 355 e 373 do CPC/2015; e da principiologia processual. […] SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSO PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0300996-48.2014.8.24.0079, de Videira, rel. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 13-02-2017).
Daí a cassação da sentença impugnada, com o provimento do recurso.
4. Sucumbência
Provido o recurso com a cassação da sentença, sem a definição de parte sucumbente na demanda de origem, descabe a fixação ou majoração de honorários.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.

Documento eletrônico assinado por FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART FERNANDES, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4218791v63 e do código CRC 241616a7.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART FERNANDESData e Hora: 13/12/2023, às 11:13:2

Apelação Nº 0003663-87.2006.8.24.0135/SC

RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART

APELANTE: EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS OSVALDO J ROSA LTDA (RÉU) APELANTE: OSVALDO JOSE ROSA (RÉU) APELANTE: ISAURA MAGALI ROSA (RÉU) APELADO: KAN CHUN VEAGU (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE BEM IMÓVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. 
INCONFORMISMO DA PARTE RÉ. 
USUCAPIÃO ALEGADA COMO MATÉRIA DE DEFESA. TESE REFUTADA PELO JUÍZO A QUO SOB FUNDAMENTO DE INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA ACERCA DOS REQUISITOS DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PEDIDOS DE PRODUÇÃO DE PROVA ORAL FORMULADOS NA CONTESTAÇÃO E REITERADOS POSTERIORMENTE, COM APRESENTAÇÃO OPORTUNA DE ROL DE TESTEMUNHAS. DILAÇÃO INSTRUTÓRIA NECESSÁRIA PARA ASSEGURAR O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E O ADEQUADO ESCLARECIMENTO DOS FATOS. IMPOSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO DA EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO EM JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO N. 297 DO FPPC. CERCEAMENTO DE DEFESA (NULIDADE DA SENTENÇA) CARACTERIZADO. 
“Esta Corte tem precedentes no sentido de que a posse é matéria fática e exige a produção de prova testemunhal para atestar sua existência, sendo a prova documental, em regra, mero complemento. Havendo controvérsia acerca da posse e requerimento de produção de prova testemunhal, tem-se que “o julgamento antecipado da lide configura cerceamento de defesa quando subtrai a possibilidade de produção de prova útil e necessária para a solução da controvérsia (…)” (AC n. 2005.008902-5, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. em 17/8/2009) (TJSC, Apelação n. 0300683-78.2018.8.24.0069, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Joao Marcos Buch, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 14-11-2023).
“O julgamento antecipado da lide ou, na nova sistemática, do mérito, apesar de escorado nos princípios da eficiência ou da economia processual e da razoável duração do processo, exige esteja o julgador satisfeito com as provas encartadas a fim de formar seu convencimento pleno, seja ele de acolhida ou de rejeição do pleito formulado, quanto às questões de fato aduzidas na demanda, de modo que se faz incompatível com a utilização da regra de julgamento do ônus da prova e a improcedência dos pedidos por insuficiência probatória, sob pena de se amesquinhar os princípios do contraditório e a ampla defesa, corolários do princípio do devido processo legal, bem como os princípios da boa-fé objetiva processual e da cooperação, a ensejar nulidade, com presunção relativa de prejuízo. Inteligência dos arts. 330 e 333 do CPC/1973; e 355 e 373 do CPC/2015; e da principiologia processual” (TJSC, Apelação Cível n. 0300996-48.2014.8.24.0079, de Videira, Rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 13-02-2017). 
SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.

Documento eletrônico assinado por FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART FERNANDES, Desembargadora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4218792v17 e do código CRC 28c4d9cc.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART FERNANDESData e Hora: 13/12/2023, às 11:13:2

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/12/2023

Apelação Nº 0003663-87.2006.8.24.0135/SC

RELATORA: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART

PRESIDENTE: Desembargador ALEX HELENO SANTORE

PROCURADOR(A): MURILO CASEMIRO MATTOS
APELANTE: EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS OSVALDO J ROSA LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): HENRI XAVIER (OAB SC001399) ADVOGADO(A): George Augusto Freiberger (OAB SC019270) APELANTE: OSVALDO JOSE ROSA (RÉU) ADVOGADO(A): HENRI XAVIER (OAB SC001399) ADVOGADO(A): George Augusto Freiberger (OAB SC019270) APELANTE: ISAURA MAGALI ROSA (RÉU) ADVOGADO(A): HENRI XAVIER (OAB SC001399) ADVOGADO(A): George Augusto Freiberger (OAB SC019270) APELADO: KAN CHUN VEAGU (AUTOR) ADVOGADO(A): JULIANA CRISRINA BETT DE SÁ DALENOGARE (OAB SC016559)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 12/12/2023, na sequência 92, disponibilizada no DJe de 22/11/2023.
Certifico que a 8ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 8ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO, A FIM DE ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULART
Votante: Desembargadora FERNANDA SELL DE SOUTO GOULARTVotante: Juiz JOAO MARCOS BUCHVotante: Juiz ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
MARCIA CRISTINA ULSENHEIMERSecretária

Fonte: TJSC

Imagem Freepik

Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

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