Estado deve custear planta para usucapião na justiça gratuita

Decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) determina que o Estado deve custear Planta, ART, Memorial Descritivo em ação de usucapião proposta por beneficiário da justiça gratuita.

Estado deve custear planta para usucapião a beneficiário da justiça gratuita

Em ações de de usucapião é necessária a individualização do imóvel. Sem esta providência, não há como o autor delimitar a “coisa” sobre a qual alega exercer posse mansa e pacífica.

Daí a necessidade de ser apresentada Planta/ART/Memorial Descritivo da área, o que implica na contratação de serviços de engenharia.

No entanto, para beneficiários da Justiça Gratuita, a jurisprudência do TJSC entende que o Estado deve arcar com esse custo, sob pena de violar o direito fundamental de acesso à Justiça:

(…) a confecção destes instrumentos se faz mediante a contratação de profissional habilitado para o serviço e, considerando a hipossuficiência já reconhecida pelo Juízo a quo, a parte agravante não possui condições financeiras para efetuar o pagamento do experto. Assim, é necessário que a produção da prova referente à delimitação do imóvel ocorra mediante a nomeação do engenheiro competente às expensas do Estado, tendo este a incumbência de elaborar a planta, ART e memorial descritivo necessários ao processamento da demanda.
O indeferimento do requerimento de designação de perito para a realização da delimitação do imóvel em litígio, no caso da parte beneficiária da justiça gratuita, obstaria o acesso da recorrente ao Poder Judiciário, violando o disposto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal.

Agravo de Instrumento Nº 5036106-32.2020.8.24.0000/SC

A decisão é de 28 de janeiro de 2021.

Cuidados necessários

A ação de usucapião depende do serviço personalíssimo de um advogado. Engenheiros, topógrafos ou quaisquer outros profissionais, podem até ter noções a respeito de temas jurídicos, mas não serão eles que conduzirão a ação judicial e que encontrarão soluções para eventuais problemas.

Não confie a propriedade do seu imóvel a uma pessoa que não tem qualificação profissional para lhe assessorar.

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Jurisprudência

Íntegra do Acórdão

Agravo de Instrumento Nº 5036106-32.2020.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
AGRAVANTE: (Omitimos o nome da Agravante) ADVOGADO: Lucas de Oliveira Mussi (DPE) AGRAVADO: ALBANO ALFLEN MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
RELATÓRIO
[OMITIMOS O NOME DA AGRAVANTE], representada pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, interpôs agravo de instrumento da decisão interlocutória proferida na Vara de Sucessões e Registros Públicos da Comarca da Capital, nos autos da ação de usucapião de n. 5012081-70.2020.8.24.0091.
A decisão objurgada, Evento 5, indeferiu o pedido da autora, ora recorrente, do custeio da confecção de memorial descritivo, levantamento topográfico e ART pelo Estado, em razão da hipossuficiência financeira.
Em suas razões de recurso, a agravante alega que o decisum recorrido inviabiliza o seu acesso à Justiça, na medida em que para o processamento da ação de usucapião é necessária a individualização do imóvel, o que se realiza pela elaboração de planta, ART e memorial descritivo deste.
Argumenta, ademais, que não possui condições financeiras de arcar com a contratação de profissional habilitado para a confecção dos documentos, de modo que cabe ao Estado custear a realização dos atos necessários à obtenção dos instrumentos.
Assim, pugna pela reforma da decisão guerreada para que seja deferido o pedido de nomeação de perito(a) para elaboração da planta, do memorial descritivo e da ART do imóvel usucapiendo, com isenção do pagamento dos honorários respectivos, para correta e exata individualização do bem.
Os autos vieram conclusos sem a intimação do proprietário registral do bem em razão da inexistência de triangulação da relação processual até o presente momento.

VOTO

1. Admissibilidade

O presente recurso é tempestivo e está dispensado do recolhimento do preparo recursal, tendo em vista o deferimento do benefício da Justiça Gratuita na origem, motivo por que deve ser conhecido.


2. Mérito

Em suas razões recursais a agravante sustenta que o indeferimento do pleito de confecção da planta, memorial descritivo e ART mediante o custeio do Estado inviabiliza o acesso à Justiça, tendo em vista sua hipossuficiência financeira, reconhecida em decisão que deferiu o benefício da justiça gratuita.

Analisando o feito, constato que razão lhe assiste.

Consoante dicção do art. 3º, V, da Lei n. 1.060/1950, a concessão da justiça gratuita isenta os beneficiários do pagamento “dos honorários de advogado e peritos”.

No mesmo sentido, o art. 98, § 1º, do Código de Processo Civil prescreve:


Art. 98, § 1º A gratuidade da justiça gratuita:
(…)
VI – os honorários do advogado e do perito (…);
(…)
IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

Nessa toada, o Estado, a fim de garantir o acesso à justiça à pessoa com insuficiência de recursos, deverá prestar assistência jurídica integral, compreendendo as despesas decorrentes da realização de prova pericial (inciso VI, § 1º, do art. 98, do Código de Processo Civil) e dos emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido (inciso IX, § 1º, do art. 98, da mesma lei processual civil).
Não olvido, entretanto, que a planta, memorial descritivo e ART se tratam de documentos necessários à delimitação do imóvel objeto de ação de usucapião e, assim, caracterizam-se como provas a serem apresentadas pela autora, ora recorrente, junto à peça pórtica. 

Entretanto, a confecção destes instrumentos se faz mediante a contratação de profissional habilitado para o serviço e, considerando a hipossuficiência já reconhecida pelo Juízo a quo, a parte agravante não possui condições financeiras para efetuar o pagamento do experto. Assim, é necessário que a produção da prova referente à delimitação do imóvel ocorra mediante a nomeação do engenheiro competente às expensas do Estado, tendo este a incumbência de elaborar a planta, ART e memorial descritivo necessários ao processamento da demanda.

O indeferimento do requerimento de designação de perito para a realização da delimitação do imóvel em litígio, no caso da parte beneficiária da justiça gratuita, obstaria o acesso da recorrente ao Poder Judiciário, violando o disposto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal.

Em situação semelhante, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça em julgado antigo, mas com aplicação ao caso em deslinde:

PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. PERÍCIA. DESPESAS MATERIAIS. INCLUSÃO NA GRATUIDADE. PRECEDENTES. As despesas pessoais e materiais necessárias para a realização da perícia e confecção do respectivo laudo estão abrangidas pela isenção legal de que goza o benefíciário da justiça gratuita. Como não se pode exigir do perito que assuma o ônus financeiro para execução desses atos, é evidente que essa obrigação deve ser desincumbida pelo Estado, a quem foi conferido o dever constitucional e legal de prestar assistência judiciária aos necessitados. Não fosse assim, a garantia democrática de acesso à Justiça restaria prejudicada, frustrando a expectativa daqueles privados da sorte de poderem custear, com seus próprios meios, a defesa de seus direitos. Recurso conhecido e provido.(REsp 131.815/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, j.16/06/1998) (Grifei)

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, não destoa.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. PRETENSÃO DE AQUISIÇÃO POR UM DOS HERDEIROS. DECISÃO QUE CONDICIONOU O PROSSEGUIMENTO DA LIDE À APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS PELA DEMANDANTE. IRRESIGNAÇÃO. LEVANTAMENTO PLANIMÉTRICO DO IMÓVEL, MEMORIAL DESCRITIVO COM ANOTAÇÃO DE RESPONSABILIDADE TÉCNICA. RECORRENTE BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA E ASSISTIDA POR DEFENSOR PÚBLICO. POSSIBILIDADE DA ELABORAÇÃO DA PROVA, NO CURSO DO PROCESSO, COM AUXÍLIO DE PERITO NOMEADO PELO JUÍZO A QUO E CUSTEADO PELO ESTADO. […] RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4006308-77.2019.8.24.0000, de Lages, rel. Stanley da Silva Braga, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 24-09-2019).(Grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. DETERMINAÇÃO DE PRODUÇÃO DE PROVAS PELO JUÍZO ÀS CUSTAS DA PARTE AUTORA. PARTE SOB O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA. BENEFÍCIO QUE GARANTE A ISENÇÃO DE GASTOS COM PRODUÇÃO DE PROVAS REALIZADA POR PERITO AGRIMENSOR. EXEGESE DO ARTIGO 3°, INCISO V, DA LEI N. 1.060/1950. RECURSO PROVIDO. O artigo 3°, inciso V, da Lei n. 1.060/1950 determina que a isenção de custas outorgada pelo benefício da justiça gratuita se dará, entre outras despesas, também no que se refere ao pagamento de honorários periciais. Assim, incumbe ao Estado o dever de remunerar o perito quando as partes não forem capazes de fazê-lo, sob pena de limitar o acesso à Justiça, o que em hipótese alguma pode ser admitido. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2011.064621-9, da Capital – Continente, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 01-12-2011).(Grifei)

PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – PERÍCIA – DESPESAS PARA REALIZAÇÃO DA PLANTA DO IMÓVEL USUCAPIENDO – OBRIGAÇÃO DA AUTORA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA – DOCUMENTO QUE PODE SER PRODUZIDO POR PROVA PERICIAL – ISENÇÃO DO PAGAMENTO DAS DESPESAS AO BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA – REFORMA DA DECISÃO – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. A isenção legal de que goza o beneficiário da justiça gratuita engloba todas as despesas necessárias à realização da perícia. (Agravo de Instrumento n. 2012.048110-4, de Tubarão. Relator: Des. Monteiro Rocha. j. 29/11/2012).(Grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. PLANTA DO IMÓVEL AUSENTE. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ART. 942 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RIGOR MITIGADO. AUTORES BENEFICIÁRIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. SUPRIMENTO POR MEIO DE PERÍCIA JUDICIAL NA FASE INSTRUTÓRIA. HONORÁRIOS DO EXPERT PELO ESTADO. POSSIBILIDADE, ADEMAIS, DE SUPRIMENTO PELA JUNTADA DO CROQUI DO IMÓVEL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Agravo de Instrumento n. 2012.011316-0, de Blumenau. Relator: Des. Victor Ferreira. j. 16/08/2012). (Grifei)
Portanto, suficientemente demonstrada a hipossuficiência da agravante, tendo em vista a concessão do benefício da assistência judiciária, verifico ser desarrazoada a imposição do custeio da confecção do memorial descritivo, planta e ART do imóvel em litígio.

Assim, a decisão objurgada deve ser reformada, para que seja nomeado perito judicial para realizar a produção da prova técnica, isentando a recorrente do custeio dos honorários periciais, tal como preceitua o art. 3º, V, da Lei n. 1.060/1950.

Resultado

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso de dar-lhe provimento.

Documento eletrônico assinado por OSMAR NUNES JÚNIOR, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 431996v13 e do código CRC 3b84851e. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): OSMAR NUNES JÚNIOR, Data e Hora: 28/1/2021, às 13:50:1

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Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

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