Requisitos para usucapião

REQUISITOS PARA USUCAPIÃO: AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À EXATA DELIMITAÇÃO DO TERRENO E QUANTO À EXISTÊNCIA DO EXERCÍCIO DE POSSE COM “ANIMUS DOMINI” DURANTE O TEMPO EXIGIDO PELA LEI PARA A USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. 

Processo: 0001496-90.1999.8.24.0055 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jaime Ramos
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Público
Julgado em: 06/02/2024
Classe: Apelação Citações – Art. 927, CPC: Súmulas STJ:619
Súmulas STF:22

Apelação Nº 0001496-90.1999.8.24.0055/SC

+ Qual o tempo de posse necessário para a usucapião de um imóvel

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: ALICE MARIA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: MARLI CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: MARIA APARECIDA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: MARIA LUCIA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: SANDRA ANDREA CARVALHO DE OLIVEIRA PEYERL (AUTOR) APELADO: MÓVEIS CIMO S/A (RÉU) APELADO: MUNICÍPIO DE RIO NEGRINHO/SC (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Orsi Carvalho de Oliveira ajuizou ação de usucapião contra o Município de Rio Negrinho e Móveis Cimo S/A “em outubro/1999, afirmando deter a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini de uma área de 65.309,00m², situada às margens da BR280, bairro Bela Vista, nesta cidade de Rio Negrinho. Assim, alegando o preenchimento dos requisitos legais à prescrição aquisitiva, pleiteou o julgamento de procedência (evento 180).
“Após determinada a citação da proprietária registral Móveis Cimo S/A, por meio de seus antigos proprietários, bem como dos confinantes (evento 185), o autor compareceu aos autos para declinar o endereço de Brand Industrial Madeiras, Habitasul S/A e Braulio Lampe (evento 190).

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“Foram citados por edital eventuais terceiros interessados (eventos 203, 328, 337)
“Os representantes das Fazendas Municipal, Estadual e Federal foram intimados regularmente (eventos 201, 222 e 224, respectivamente).
“O Estado de Santa Catarina deixou de se manifestar nos autos (evento 327, certidão 397).
“Regularmente citado (evento 196, documento 77), Braulio Lampe apresentou contestação, alegando a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo, indicando a Fábrica de Máquinas Lampe como proprietária da área confinante. No mérito, impugnou a pretensão manifestada na exordial (evento 205). Houve réplica (evento 233, petição 152-153)
“Brand Industrial de Madeiras foi citada (evento 226), juntou procuração (evento 209) e contestação (evento 220), sede em que aduziu que, embora não haja invasão de suas terras confinantes, o imóvel usucapiendo pertence à União por força de dívidas fiscais da Móveis Cimo e, além disso, que não está presente o requisito temporal pelo fato de a invasão ser recente. Houve réplica (evento 233, petição 156-157).
“O Município de Rio Negrinho apresentou contestação, alegando que o imóvel usucapiendo pertencia à Móveis Cimo S/A e que várias pessoas faziam uso daquelas terras para “soltar animais”. Disse, ainda, que a área foi declarada de utilidade pública para implantação do Distrito Industrial de Rio Negrinho, pugnando o julgamento de improcedência (evento 215).
“Houve réplica (evento 233, petição 154-155).

+ Usucapião: requisitos e documentos necessários

“A União compareceu aos autos para declarar que não tem interesse na causa (evento 230).
“Foi certificado o apensamento dos presentes aos autos da desapropriação n. 055.00.000641-0 (evento 232).
“Em razão do óbito do demandante, foi requerida a habilitação de seu espólio nos autos (eventos 248-251) e, em dezembro/2003, foi requerida vista dos autos diante da constituição de novos procuradores e da necessidade de “ciência das medidas judiciais até o momento efetivadas” (evento 253, petição 190). Em junho/2009 foi pleiteado o prosseguimento do feito (evento 253, petição 194). Posteriormente, em maio/2010, foi requerido o julgamento da usucapião previamente à desapropriação (evento 254).
“Foi certificado o desapensamento dos autos (evento 256) em razão de decisão proferida nos autos da desapropriação (evento  257).
“Intimada a parte autora para se manifestar a respeito, decorreu em branco o respectivo prazo (evento 259, certidão 248).
“Na sequência, por despacho datado de 20/05/2011, foi determinada a citação dos representantes legais da pessoa jurídica Móveis Cimo (evento 260). Contudo, não foi demonstrada pela parte autora a distribuição da respectiva carta precatória (evento 266, certidão 260), o que apenas ocorreu em 5/9/2011 (evento 267).
“Conforme certificado no evento 269 (Carta Precatória 267), resultou inexitosa a tentativa de citação do representante legal da Móveis Cimo e decorreu in albis o prazo para a parte autora se manifestar a respeito (evento 271).
“Determinada a sua intimação pessoal para dar prosseguimento ao feito, sob pena de extinção (evento 272), foi requerida a suspensão processual por 30 (trinta) dias em 26/10/2012 (evento 274). Diante da inércia do espólio, foi renovado o referido despacho (evento 278).

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“A parte autora compareceu aos autos para, somente então, informar o endereço do representante legal da parte autora (eventos 280 e 285-287), determinando-se, em seguida, a expedição de cartas precatórias citatórias (evento 282).
“Por força do despacho do evento 289, foi determinado em 09/01/2015: i) a habilitação de todos os herdeiros de Orsi Carvalho de Oliveira em razão do encerramento do respectivo inventário e retificação do polo ativo; ii) apresentação de cópia atualizada da matrícula do imóvel usucapiendo, bem como planta e memorial descritivo atualizados, acompanhados da ART; iii) publicação do edital citatório na imprensa local; iv) certificar sobre a apresentação de manifestação pela Fazenda Pública Estadual e pela pessoa jurídica Brand Indústrias de Madeiras Ltda.; v) expedição de Carta Precatória às Comarcas de São Paulo/SP e Bragança Paulista/SP para citação de Carlos Eduardo Chamma Lutfalla e de Felippe Lutfalla Neto. 
“No evento 294 foram nominados os herdeiros de Orsi Carvalho de Oliveira que, então, passaram a figurar no polo ativo: Crispim Carvalho de Oliveira, Zenita Maria de Carvalho de Oliveira, Alice Maria Carvalho de Oliveira, Tereza Rosa Carvalho Cribka, Orli Carvalho de Oliveira, Sandra Andrea Carvalho de Oliveira, Maria Lúcia Carvalho de Oliveira, Maria Aparecida Carvalho de Oliveira e Marli Carvalho de Oliveira. Na mesma oportunidade apresentaram memorial descritivo e planta do imóvel (eventos 303-305). Logo após, a herdeira Marli noticiou que, em razão do óbito do autor Orsi, são herdeiros apenas os seus pais: Crispim e Daniela Carvalho de Oliveira, a qual também veio a óbito. Requereu, assim, a habilitação de seu espólio (evento 308). 

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“Juntada de planta e memorial descritivo do imóvel no evento 313, com complementação de documentos pessoais dos herdeiros habilitados, o que também ocorreu nos eventos 316-321.
“No evento 333 foi requerida pela herdeira Marli a citação de outros confrontantes, sejam estes Adelar Tombini e Valdir Fleischmann (Empresa Meyer Móveis Ltda), pleito renovado no evento 360.
“A herdeira Zenita Maria Carvalho de Oliveira aventou a ilegitimidade ativa dos demais herdeiros, por ser a única que passou a residir no local e exercer a posse sobre o bem, juntando documentos (eventos 339-343). A herdeira Marli Carvalho de Oliveira se manifestou a respeito, arguindo a ilegitimidade de Dorival Reinert e Jonas Reinert, também juntando documentos (eventos 351-353).
“O representante do Ministério Público, em seu parecer do evento 347, se manifestou pela intimação de todos os confinantes e retorno das cartas precatórias citatórias, o que foi determinado no despacho do evento 349.
“Foi citado o Espólio de Lutfalla Felipe Lutfalla, na pessoa do inventariante Felippe Lutfalla Neto (evento 355 – certidão 522). Infrutífera, por outro lado, a citação do Espólio de Eduardo Lutfalla (evento 355 – certidão 526).
“Juntada de termo de cessão de direitos hereditários promovida por Crispim em favor de Zenita Maria Carvalho de Oliveira e Dorival Reinert  no evento 391. 
“Por força do despacho do evento 368 e retificação no evento 374, foi deferida a habilitação do Espólio de Orsi Carvalho de Oliveira e determinada a citação dos demais confrontantes, ordem esta reiterada no evento 396, e cumprida posteriormente (certidão de citação de Adelar Tombini e sua esposa Simone Martini Tombini, bem como Valdir Fleischmann no evento 399).

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“Meyer Móveis Eirelli EPP, representada por Valdir Fleischmann, apresentaram impugnação nos mesmos termos, alegando que, embora a pretensão inicial não implique invasão de suas terras, sabem que o imóvel usucapiendo foi invadido por várias outras pessoas, não apenas pelo demandante. Pontuaram, ainda, que fazem uso de uma servidão de passagem que perpassa o imóvel usucapiendo (eventos 402 e 403). Houve réplica (evento 404 – documento 594) e juntada da sentença que extinguiu a ação de desapropriação n. 055.00.000641-0 sem resolução de mérito (evento 404 – documento 595).
“O representante do Ministério Público apontou a prescindibilidade de usa intervenção nos autos (evento 409), o que foi impugnado face à existência de interesse de incapaz nos autos (evento 412). Novo parecer ministerial no evento 425, requerendo a citação da confrontante Irani Trading S/A, apresentação de memorial descritivo e saneamento do processo. 
“Houve juntada de memorial descritivo e planta atualizadas do imóvel (evento 426).
“O feito foi saneado, ocasião em que: i) foi rechaçada a preliminar de ilegitimidade ativa; ii) determinada a retificação do cadastro processual; iii) determinada a intimação da parte autora para prestar esclarecimentos quanto à confrontação do imóvel e juntar transcrição e matrícula atualizadas no imóvel, além de mapa e memorial descritivos atualizados; iv) indicação dos autuais confrontantes, com endereço e juntada da respectiva matrícula; v) expedição de ofício ao Município para que esclareça se os comprovantes de pagamento de IPTU juntados aos autos correspondem ao imóvel usucapiendo; v) certificação da manifestação de terceiros citados por edital; vi) regularização da representação processual de Meyer Móveis Eirelli EPP.
“Não houve impugnação por parte de eventuais terceiros interessados citados pela via editalícia (evento 443).
“Foi regularizada a representação processual de Meyer Móveis Eirelli EPP (evento 450).
“O Município de Rio Negrinho esclareceu que os comprovantes de IPTU juntados aos autos dizem respeito ao imóvel usucapiendo (evento 453).
“Após requerer a dilação do prazo para juntada de documentos (evento 455), a parte autora os apresentou no evento 457.
“Na sequência, Zenita Maria Carvalho de Oliveira Reinert juntou documentos e requereu, em caráter de urgência, a oitiva de Crispim Carvalho de Oliveira em audiência diante de sua idade avançada e saúde debilitada (evento 459).
“Por força do despacho do evento 465, foi determinada a intimação da parte autora para esclarecer se o imóvel usucapiendo se refere à totalidade da área registrada na transcrição do Registro de Imóveis (matrícula n. 3.255) e indicar de forma clara e precisa os nomes e endereços dos atuais confrontantes do imóvel. Outrossim, foi designada audiência exclusivamente para a oitiva do autor Crispim e indeferido o pedido formulado pelo Ministério Público (evento 463) para intimação dos autores para quitação do IPTU do imóvel em questão.

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“Prestação de esclarecimentos sobre a área alvo da usucapião e indicação dos nomes e endereços dos confrontantes (eventos 478 e 500).
“Os mandados citatórios dos atuais confinantes foram devolvidos pela ausência de pagamento das diligências (evento 501-507). Posteriormente, pelos autores Marli Carvalho de Oliveira e outros requereram esclarecimentos sobre as diligências cobradas para um único procedimento (evento 519). Houve quitação das guias (evento 521).
“O Município de Rio Negrinho, no evento 520, apontou a irregularidade de habilitação/representação do Espólio de Daniela Carvalho de Oliveira.
“Procedeu-se à oitiva de Crispim Carvalho de Oliveira (evento 532 e 540).
“Pelo autor Crispim foi impugnada a intervenção do Município nos autos, especialmente a sua participação em audiência, ocasião em que rebateu argumentação lançada em audiência no sentido de que estaria civilmente incapacitado  (evento 541).
“Inexitosa a citação de Irani Papel e Embalagens S/A, Vilmar Fleischmann, Alvino Fleischmann, JK Administradora de Imóveis Ltda., João Henrique Neidert (eventos 543- 545, 548).
“Os autores Marli Carvalho de Oliveira e outros repisaram o comprometimento do depoimento de Crispim por sua cognição prejudicada e impugnaram o termo de cessão de direitos hereditários por este firmado (evento 546).
“Sobreveio manifestação do Município de Rio Negrinho para expor seu interesse na causa, juntando documentos e apontar incongruências entre a petição inicial e o depoimento de Crispim (evento 547), o qual apresentou subsequente impugnação (eventos 550 e 554). Também apresentaram impugnação Marli Carvalho de Oliveira e outros (evento 553).
“Formalizada a citação de Allandiego Rafael da Soledade (evento 552), este requereu a sua exclusão do cadastro processual por desconhecer os fatos alegados nestes autos (evento 556)” (relatório contido na sentença, evento 569, SENT1).
Sentenciando o feito, o digno Magistrado, Dr. Rubens Ribeiro da Silva Neto, julgou procedente o pedido inicial, inscrevendo na parte dispositiva do “decisum”:

+ Qual o tempo de posse necessário para a usucapião de um imóvel

“III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC. 
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios pois: i) em relação aos confrontantes, não há pretensão efetivamente resistida. Braulio Lampe, embora tenha apresentado contestação para alegar sua “ilegitimidade passiva”, esta não se sustenta porque não é proprietário registral do imóvel e não figura como demandado (sua citação decorreu da mera qualidade de confrontante). Quanto aos demais confrontantes, nenhum deles apresentou impugnação para defesa de direito próprio (a exemplo que poderia ocorrer diante da alegação de invasão de área limítrofe); iii) tocante ao Município de Rio Negrinho, não se vislumbra argumentação apta a traduzir o efetivo interesse público na causa (ausente desapropriação do imóvel e o mero decreto de utilidade pública não o torna, em princípio, insuscetível de usucapião). 
P.R.I.
Transitada em julgado, arquivem-se.” (evento 569, SENT1).

+ Aquisição da posse: modo originário e derivado

Não resignada, a parte autora interpôs recurso de apelação objetivando a reforma integral da sentença para que sua pretensão inicial seja julgada procedente. Para tanto, argumentou que estão satisfeitos os requisitos da usucapião extraordinário por conta do exercício da posse mansa e pacífica do imóvel há mais de vinte anos, porquanto iniciada nos anos 1950 pelo filho e irmão de Orsi Carvalho de Oliveira, falecido durante a marcha processual; que o terreno objeto da pretensão inicial, embora delimitado na inicial pelo autor Orsi Carvalho com base na metragem estabelecida nos documentos relativos ao IPTU (65.309m²), na verdade, segundo o laudo confeccionado por profissional habilitado e de confiança dos apelantes, realizado pelo método de georreferenciamento, possui 89.418,28m², área que de fato deve ser considerada para a declaração da prescrição aquisitiva; que, embora o Município de Rio Negrinho tenha sido titular do imóvel e, por isso, responsável pela delimitação da área para fins de cobrança do IPTU, manteve a medição antiga realizada de forma precária; que o surgimento de novos confrontantes decorreu do fato de a empresa Brand Industrial de Madeiras Ltda. ter dividido o imóvel em quinze terrenos que foram vendidos durante o trâmite da ação; que em todas as matrículas dos imóveis confrontantes consta a apelada Móveis Cimo Ltda. como confinante; que, ao contrário do fundamentado na sentença, todos os requisitos para a aquisição do imóvel pela usucapião estão preenchidos, de modo que deve ela ser reformada para que haja a procedência do pedido de declaração da prescrição aquisitiva da área. De modo subsidiário, requereu que seja reconhecida a “nulidade da sentença, a fim de que os autos retornem ao juízo a quo para a continuidade dos trâmites que se fizerem necessários para a devida conclusão processual”. No final, requereu o provimento do recurso interposto.

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O Município de Rio Negrinho apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Basílio Elias De Caro, manifestou-se no sentido de que, “em atenção ao princípio do contraditório e para que não se incorra em nulidade, afigura-se necessária a renovação do ato de intimação por edital da apelada Móveis Cimo S.A. para a apresentação das contrarrazões, após o que os autos devem retornar a esta Procuradoria de Justiça”.
Em decisão deste Relator, acolheu-se a manifestação ministerial e, assim, determinou-se a baixa dos autos ao Juízo de origem, em diligência, para que fosse realizada a intimação editalícia da empresa Móveis Cimo S.A.
Satisfeita a diligência (Eventos 723 e 692, autos de origem), os autos voltaram a este Tribunal e foram remetidos à douta Procuradoria-Geral de Justiça, a qual, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Basílio Elias De Caro, manifestou-se “no sentido do desprovimento do recurso”.
Os autos vieram conclusos para julgamento.

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VOTO

Trata-se de recurso de apelação contra a sentença que, nos autos da Ação de Usucapião n. 0001496-90.1999.8.24.0055 proposta por Orsi Carvalho de Oliveira, falecido no curso da lide e sucedido por herdeiros, em desfavor do Município de Rio Negrinho e de Móveis Cimo S/A, julgou improcedente o pedido inicial. 
Com seu recurso, a parte autora recorrente sustenta a tese recursal de que há nos autos prova da satisfação dos requisitos necessários para a positivação da sua pretensão de obter a declaração, por sentença, do direito de propriedade invocado, daí por que entende que a sentença deve ser reformada, com a inversão do julgado.
Pois bem.
Inicialmente, cumpre anotar que não há prejuízo processual algum pela ausência de intimação por edital da empresa Móveis Cimo S/A, na medida em que a pretensão inicial foi julgada improcedente e, como bem destacado no parecer ministerial, sua citação seria inócua pois, “após consulta em sites de pesquisa, constatou-se que a sociedade faliu em 1982, conforme informado no site do Município de Rio Negrinho”. Ainda, certificou-se nos autos que “o herdeiro representante do espólio da Móveis Cimo [sic] foi devidamente citado por carta precatória (fl. 398), sem, entretanto, se manifestar nos autos” (Evento 170, DESP8).
Afasta-se, por tal motivo, a necessidade de intimação do representante da empresa demandada Móveis Cimo S/A.
Do recurso
Como a seguir será demonstrado, o recurso interposto pela parte autora não comporta provimento.
Conforme se confere do caderno processual, a pretensão apresentada tem por objeto o reconhecimento da prescrição aquisitiva por usucapião de imóvel urbano com área de 65.309,00 m², como apontado na petição inicial e consoante memorial descritivo (Evento 182, INF55) e mapa planimétrico ( Evento 182, INF58), sendo relacionados quatro confrontantes (Braulio Lampe, Brand Industrial de Madeiras Ltda.,  Habitasul S/A e Rodovia BR 280). Com a inicial veio a Certidão da Transcrição n. 3.255 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul, relativa a uma área de 78.000,00m² de propriedade da Móveis Cimo S/A, datada do ano de 1999 (Evento 182, INF56).
Após análise do conjunto probatório produzido nos autos, além de não haver prova segura acerca da existência da posse com ânimo de proprietário (“animus domini”), a parte autora recorrente não logrou apresentar, como bem pontuado na sentença, “as informações, características e documentos necessários à segura delimitação do imóvel usucapiendo e, tampouco, promove a regular definição e citação de todos os confrontantes, o que é inadmissível”, isso após mais de 20 anos de marcha processual.
Veja-se que, em decisão datada de 09/1/2015, o Juízo de origem, na tentativa de colmatar as irregularidades processuais aferidas no processo em trâmite desde o ano de 1999, determinou à parte autora recorrente a satisfação das seguintes obrigações:
“R.h.
I – Do detido exame dos autos, observa-se que o presente feito tramita desde o ano de 1999 sem sequer serem ultimados os atos citatórios, o que é inadmissível. Assim sendo, e considerando a existência de irregularidades, intime-se a parte autora para que cumpra as determinações que seguem, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de extinção:
I.I – Tendo em vista o encerramento do inventário n.º 055.03.001719-4, deverá ser efetuada a habilitação de todos os herdeiros de Orsi Carvalho de Oliveira. Após, promova-se a respectiva adequação do polo ativo no registro e autuação processuais.
I.II – Considerando que Braulio Lampe alegou às fls. 31-32 que não é confinante do imóvel usucapiendo, e tendo em vista que o memorial descritivo de fl. 12 não vem acompanhado de Anotação de Responsabilidade Técnica e que tal descrição do imóvel não confere com a certidão de fl. 13 e a planta de fl. 14, deverá ser apresentada cópia atualizada da matrícula do imóvel usucapiendo, bem como planta e memorial descritivo atualizados, acompanhados da ART; 
I.III – Até a presente data não houve a regular publicação do edital citatório na imprensa local, o que é de incumbência da parte autora. Determino, portanto, a publicação do edital no prazo máximo de 15 (quinze) dias, uma vez no órgão oficial e duas vezes emjornal local, com prazo de 20 (vinte) dias, nos termos dos art. 942 e 232, ambos do Código de Processo Civil. 
II – Certifique-se sobre a apresentação de manifestação pela Fazenda Pública Estadual e pela pessoa jurídica Brand Indústrias de Madeiras Ltda 
III – Expeça-se Carta Precatória às Comarcas de São Paulo/SP e Bragança Paulista/SP, com prazo de cumprimento de 30 (trinta) dias, para citação de Carlos Eduardo Chamma Lutfalla e de Felippe Lutfalla Neto (endereços às fls. 187 e 194). 
IV – Após, ao Ministério Público. 
V – Cumpra-se. Intimem-se.” (Evento 108, DESP2, autos de origem).
Não satisfeitas as determinações acima, em novo despacho saneador, o Juízo de origem determinou a intimação da parte autora para prestar esclarecimentos quanto à confrontação do imóvel e juntar transcrição e matrícula atualizadas no imóvel, além de mapa e memorial descritivos atualizados, a indicação dos atuais confrontantes e a expedição de ofício ao Município para que esclareça se os comprovantes de pagamento de IPTU juntados aos autos correspondem ao imóvel usucapiendo. Vejam-se os termos do referido pronunciamento do Juiz:
“Orsi Carvalho de Oliveira ajuizou a presente ação de usucapião visando à declaração do domínio, em seu favor, do imóvel de 65.309,00m² descrito no exórdio, vinculado à transcrição n. 3.255 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul.
Por despacho datado de 13/10/1999 foi determinada a citação da proprietária registral Móveis Cimo S/A, na pessoa dos seus representantes legais, bem como dos confinantes Brand Industrial de Madeiras Ltda, Habitasul S/A e Braulio Lampe (evento 185), cujos endereços foram apresentados posteriormente (evento 190). 
Expedida carta precatória para citação da Móveis Cimo (evento 212), foram solicitados documentos pelo Juízo deprecante a fim de viabilizar o seu cumprimento (evento 212).
Regularmente citado (AR 77, evento 196), Braulio Lampe apresentou contestação, suscitando, preliminarmente, a sua ilegitimidade ad causam, sob o argumento de que o imóvel confinante não é de sua propriedade. No mérito, impugnou a pretensão manifestada na inicial, alegando que o autor nunca exerceu a posse sobre o imóvel usucapiendo (evento 205 a 210). Houve réplica (evento 233, documento 152-153).
Também devidamente citada (evento 226), a pessoa jurídica Brand Industrial de Madeiras alegou em contestação que o imóvel usucapiendo pertence à União, que houve invasão da área e que não decorreu o lapso temporal necessário à usucapião (evento 220). Houve réplica (evento 233, documento 156-157). 
Juntada de demonstrativos de pagamento anual de IPTU pelo autor (eventos 234-235, 237(documentos 162-163), 238, 242-248 e 255).
Foram intimados os representantes das Fazendas Municipal (evento 201), Estadual (evento 222) e Federal (evento 224). 
O Município de Rio Negrinho apresentou contestação, alegando, em síntese, que: a) é público e notório que o imóvel pertencia à Móveis Cimo; b) outras pessoas se utilizavam do local para “soltar animais”; c) não há possuidor direto ou posse ad usucapionem; d) o imóvel foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação (evento 215-218). Houve réplica (evento 233, documento 154-155).
A União compareceu aos autos para informar que não possui interesse no feito, pois o imóvel usucapiendo não se inclui em área de sua propriedade (evento 230).
Decorreu in albis o prazo para manifestação do Estado de Santa Catarina (evento 327).
Em 30/09/2005 foi noticiado o óbito do autor e requerida a habilitação de seu espólio, representado por seu genitor Crispim Carvalho de Oliveira (eventos 248-250, documentos 181-187).
Por força do despacho do evento 240 foi reconhecida a conexão dos presentes com os autos da ação de desapropriação por utilidade pública n. 055.00.000641-0. Posteriormente, por decisão datada de 22/10/2010, foi determinado o desapensamento dos autos por não haver risco de decisões conflitantes (evento 257), deixando a parte autora de se manifestar a respeito (certidão 248 do evento 259). 
Em maio/2011 foi renovada a determinação de citação dos representantes legais da Móveis Cimo S/A (evento 260). A comprovação de distribuição da respectiva carta precatória somente ocorreu após decorrido o prazo concedido para tanto (evento 266, certidão 260, e evento 267), resultando, de todo modo, infrutífera a tentativa citatória (evento 269, certidão 267). Além disso, deixou a parte autora transcorrer o prazo sem qualquer manifestação a respeito (evento 271, certidão 271).
Somente em outubro/2012 a parte demandante compareceu aos autos para requerer a expedição de certidão quanto ao objeto do presente feito e a posterior a suspensão processual pelo prazo de 30 (trinta) dias a fim de diligenciar acerca de atos imprescindíveis ao prosseguimento do feito (evento 274). Expedida a certidão (evento 277) e decorridos mais de 6 (seis) meses sem qualquer manifestação, foi determinada a sua intimação para prosseguimento do feito, sob pena de extinção (evento 278).
Em 9/01/2015 foi determinada: 1) a habilitação de todos os herdeiros de Orsi Carvalho de Olveira em razão do encerramento do inventário n. 055.03.001719-4; 2) a apresentação de matrícula, planta e memorial descritivos no imóvel atualizados; 3) a publicação de edital citatório na imprensa local; 4) expedição de carta precatória para citação dos representantes legais da Móveis Cimo nos endereços informados nos eventos 280 e 285 (evento 289).
A qualificação de todos os herdeiros foi noticiada em setembro/2015, além de apresentado novo memorial descritivo, esclarecendo-se que a área usucapienda é menor que a transcrita no Registro Imobiliário (eventos 294-306).
Houve manifestação/habilitação dos sucessores (eventos 308-313, 315-317, 319-321). No evento 333 foi noticiada a necessidade de citação de novos confrontantes. No evento 339-343 foi invocada pela herdeira Zenita e seu marido Dorival a ilegitimidade ativa dos demais sucessores, sob o argumento de que são os únicos que passaram a exercer, desde o óbito de Orsi, a posse do imóvel usucapiendo (impugnação no evento 351-353). Nova manifestação no evento 391 e 394. 
Foi expedido o edital de citação de eventuais interessados em local incerto e não sabido (evento 192) e efetivadas as devidas publicações (eventos 203, 326, 328, 337, 370).
 No evento 349 foi determinada a citação dos atuais confinantes e, mais uma vez, a citação dos representantes legais da Móveis Cimo (evento 349).
A carta precatória citatória foi expedida em abril/2016 (evento 324), certificando-se em 24/10/2016 a citação do Espólio de Lutfalla Felipe Lutfalla. Por outro lado, resultou inexitosa a citação do Espólio de Eduardo Lutfalla (evento 355).
Mais adiante, foi deferida a habilitação do espólio do finado Orsi e determinada a citação dos demais confrontantes, além de consignada a inexistência de manifestação nos autos por parte do Espólio de Lutfalla Felipe Lutfalla, conforme despacho do evento 368. No evento 396 foi reiterada a ordem de citação dos demais confinantes. 
No evento 399 juntada a certidão, de 29/08/20199, de citação dos confrontantes Adelar Tombini (e sua esposa) e de Valdir Fleischmann (com exceção de sua esposa) (evento 399).
Na sequência, Meyer Móveis EIRELLI EPP, representada por seu administrador Valdir Fleischmann, pontuou a sua qualidade de confrontante, impugnando, porém, a pretensão manifestada na inicial (evento 402).
Contestação apresentada por Adelar Tombini no evento 403, pontuando a utilização de uma servidão e o não preenchimento, pela parte autora, dos requisitos para a usucapião.
 Houve réplica, juntando-se, na ocasião cópia da sentença proferida nos autos da ação de desapropriação (evento 404).
Após derradeira manifestação do representante do Ministério Público (evento 425) e juntada, pela parte autora, do mesmo memorial descritivo datado do ano de 2015 (evento 427), vieram os autos conclusos. 
É, em síntese, o relatório. 
I. Trata-se de usucapião proposta no ano de 1999 por Orsi Carvalho de Oliveira, substituído no curso processual por seus sucessores em razão de seu óbito.
Do relatório processual se denota o tumulto processual causado por inúmeras intervenções, modificações do polo ativo, conflituosa relação entre os sucessores da parte demandante, além de desídia no pronto cumprimento dos comandos judiciais e na apresentação de documentos essenciais ao deslinde do feito, inclusive no tocante à formalização dos atos citatórios (ainda não findados após mais de 20 anos do ajuizamento da ação!).
De rigor, portanto, a análise processual minuciosa e detalhada para fins de saneamento e regularização processual. 
II.I. Da legitimidade ativa
De saída, é importante sinalar que a demanda foi proposta por Orsi Carvalho de Oliveira, o qual veio a óbito em 24/07/2003.
Diante disso, compareceu aos autos Crispim Carvalho de Oliveira (seu genitor), na qualidade de representante do espólio, para requerer a sua habilitação nos autos (evento 248, petição 181). 
Após a conclusão do inventário n. 055.03.001719-4, foi determinada a habilitação de todos os herdeiros do demandante (evento 289). 
Ora, tendo em vista que o de cujus não deixou descendentes, a sucessão processual se daria apenas por seus genitores (Crispim e Daniela Carvalho de Oliveira). Ocorre que Daniela faleceu no ano de 2005 (evento 296, documento 313), ensejando, assim, a habilitação processual de seus oito filhos (Zenita, Alice, Tereza, Orli, Sandra, Maria Lúcia, Maria Aparecida e Marli, todos regularmente representados nos autos).
Assim, tem-se como legitimados para figurar no polo ativo o genitor e os filhos de Daniela. Impende salientar, ainda, que, seguindo a ordem de vocação hereditária, os cônjuges destes sucessores não integram a sucessão legítima (art. 1829 do CC) e, portanto, não estão legitimados para a causa.
Ainda quanto à legitimação ativa, ressalta-se que não assiste razão à sucessora Zenita Maria Carvalho de Oliveira ao invocar, juntamente com seu marido, a ilegitimidade ativa de seus irmãos, ao argumento de que, “a partir do falecimento de Orsi, são os únicos moradores no imóvel, e de forma mansa contínua e pacífica, exercem a posse do imóvel com Animus Domini, mantendo os cuidados deste bem, exercendo ali atividades e cumprindo deveres, como se donos fossem.” Destacaram, também, que o genitor Crispim lhes outorgou procuração extrajudicial para condução da usucapião (eventos 339-343) e, posteriormente, juntaram, termo de cessão de direitos hereditários subscrito por Crispim em seu favor  (evento 391).
Não se pode olvidar, segundo o primado do princípio de saisine insculpido no art. 1.784 do CC, que a herança se transmite automaticamente com a morte a todos os herdeiros.  A doutrina de Maria Berenice Dias complementa:
“No momento da morte ocorre a sucessão hereditária. O acervo patrimonial do falecido transmite-se aos herdeiros, independente de qualquer formalidade (CC 1.984). Isto decorre do chamado princípio de saisine, palavra de origem francesa que significa agarrar, prender, apoderar-se. Claro que este princípio consagra uma ficção: a imediata transferência de pleno direito dos bens do falecido para os seus herdeiros quando da abertura da sucessão. Representa uma apreensão possessória. Nada mais do que a faculdade de alguém entrar na posse de bens alheios. Isso tudo para que bens, direitos e obrigações não se extingam com a morte de seu titular. São inegáveis as vantagens da adoção do princípio da saisine: evita o estado de acefalia do patrimônio, a jazer sem titular; dispensa a ficção jurídica de emprestar personalidade jurídica ao espólio; propicia a qualquer herdeiro o manejo das ações possessórias.
    […] O acervo sucessório constitui a herança – universalidade de direito que se transfere a todos os herdeiros em forma de condomínio. A copropriedade instala-se não só sobre os bens, mas também sobre direitos, encargos e obrigações. Como os quinhões hereditários ainda não foram individualizados, todos são donos de tudo. Na condição de coerdeiros têm os mesmos direitos e deveres dos condôminos (CC 1.314 e ss.). […]
    A posse transmitida aos herdeiros universais pelo droit de saisine não é a posse direta. A transferência não implica na apreensão material dos bens que compõem o acervo hereditário, o que ocorre somente quando da partilha. A posse que se transmite causa mortis é sempre a posse indireta, distinção que é feita pelo direito das coisas (CC 1.197).” (Manual das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 107-108) (grifou-se)
Desse modo, a transmissão do direito alegado pelo de cujus em relação ao imóvel usucapiendo se transfere a todos os herdeiros indistintamente, ainda que se considere a hipótese de continuidade do exercício da suposta posse ad usucapionem por apenas um deles (artigos 1.199 e 1207 do CC).
Assim sendo, por se tratar de direito indiviso assegurado a todos os sucessores, e considerando que a propriedade imobiliária apenas poderá ser reconhecida ao final deste processo, quando, somente então, e em caso de procedência, será viável a partilha do bem entre todos os herdeiros, conclui-se que a herdeira Zenita não detém legitimidade para reclamar isoladamente, para si, o direito sobre o qual se funda esta usucapião.
Oportuno ponderar, ainda, que a mera outorga da procuração pelo sucessor Crispim não afasta a legitimidade processual deste, justamente porque apenas confere poderes para agir em seu nome. Da mesma forma, o termo de cessão de direitos hereditários não interfere na legitimatio de Crispim, pois: i) formalizado por mero instrumento particular e não está subscrito por testemunhas; ii) versa sobre 50% do imóvel matriculado sob o n. 3.225 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul, enquanto que o imóvel usucapiendo corresponde a uma parcela menor integrante de transcrição diversa (n. 3.355 – evento 182, documento 56).
Isso posto, e atentando ao disposto no art. 110 do CPC, tem-se delineada a pertinência subjetiva da demanda, razão pela qual afasta-se a preliminar em questão.
II.II. Do imóvel usucapiendo
Extrai-se da petição inicial e dos documentos que a acompanham que o imóvel usucapiendo constitui-se em uma área de 63.309,00m², referente à transcrição n. 3.255 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul que, por sua vez, diz respeito a um terreno adquirido pela Móveis Cimo S/A, então proprietária registral, contendo 78.000,00m² de área. 
Evidentemente, portanto, que a pretensão inicial recai apenas sobre uma parcela deste imóvel transcrito sob o n. 3.255 (o que, inclusive, foi confirmado pela parte autora no evento 294). 
Isto significa, em outras palavras, que o imóvel usucapiendo representa uma parte menor da área pertencente à Móveis Cimo (já que nela está incluído) e, via de consequência, este deveria ter, ao menos em um dos seus marcos divisórios, a proprietária registral como confrontante (ou, ainda, o Município de Rio Negrinho, enquanto proprietário originário bem). 
Contudo, não é o que consta nos memoriais descritivos colacionados. Veja-se:
i) no memorial que instrui o exórdio, datado de 06/04/1998, constam como confrontantes: Brand Industrial de Madeiras Ltda., Braulio Lampe, Habitassul S/A e BR280 (evento 182, documento 55);
ii) no memorial datado de 18/03/2015 (evento 313, documento 354, e evento 427) e certidão 232 do evento 306, constam como confrontantes: Brand Industrial de Madeiras Ltda., José Ricardo dos Santos, Irani Trading S/A e BR280.
Além disso, no petitório 405 do evento 333 a parte autora apresenta novos confrontantes, sejam estes Adelar Tombini (por ter adquirido a propriedade de José Ricardo dos Santos) e Valdir Fleischmann (em razão da aquisição da propriedade de Brand Industrial de Madeiras Ltda.)
Ressalta-se, ainda, que a área objeto desta demanda não está identificada/isolada no mapa que acompanha o memorial descritivo, impondo-se, portanto, a prestação de esclarecimentos e a juntada de novos documentos.
II.III. Dos confrontantes
Braulio Lampe, em sua contestação, declara não ser proprietário de terras limítrofes à área descrita pela parte autora (evento 205).
Além disso, Meyer Móveis Eirelli EPP compareceu aos autos para expor que é proprietária de imóvel confinante, e não seu administrador Valdir Fleischmann (evento 402). 
Até o presente momento não foi formalizada a citação de Irani Trading S/A., também apontada como confrontante.
Em relação a Adelar Tombini, a matrícula 14.611 (evento 334) demonstra que seu imóvel confronta com o imóvel de transcrição n. 3.255. 
Assim sendo, e por força do explanado no item supra, pairam dúvidas sobre os reais confrontantes do imóvel usucapiendo, despontando de rigor, pois, a apresentação de atualizado memorial descritivo, acompanhando de mapa detalhado e ART, além da matrícula/transcrição atualizadas, para avaliar a regularidade processual neste particular.
É importante reforçar que, pelo fato de o imóvel usucapiendo representar apenas uma parcela da referida transcrição, somente mediante a juntada de planta detalhada, subscrita por profissional técnico habilitado, é que haverá condições de precisar se os imóveis de todos aqueles apontados como confrontantes realmente fazem divisa com o bem descrito na petição inicial.
É necessária, ainda, a juntada de demonstrativo da transferência da propriedade dos imóveis lindeiros, lembrando que compete à parte autora a prova das confrontações (ou seja, é inviável realizar intimações de terceiros nominados nos autos para que estes confirmem a confrontação, conforme pretendido, sem razão, no evento 360).
Pontua-se, ao arremate, que somente após a avaliação da legitimação dos confinantes haverá condições para a realização de atos citatórios novos ou ainda pendentes.
II.IV. Da proprietária registral
Embora inexitosa a citação da Móveis Cimo direcionada a um de seus antigos proprietários (evento 355, certidão 526), tem-se a perfectibilização do ato diante da citação formalizada em nome do espólio de Lutfalla Felipe Lutfalla (evento 355, certidão 522).
II.V. Dos terceiros interessados
Formalizada a citação por edital de eventuais terceiros interessados, deverá ser certificada a apresentação de manifestação nos autos.
II.VI. Da intimação da Fazenda Pública
As Fazendas Públicas Municipal, Estadual e Federal foram devidamente intimadas. 
Apenas o Município de Rio Negrinho apresentou contestação, sede em que apontou a declaração de utilidade pública do imóvel usucapiendo para fins de desapropriação. Ocorre que a ação de desapropriação por utilidade pública n. 055.00.000641-0 foi julgada extinta sem resolução de mérito (evento 404, informação 595), caindo por terra, portanto, a tese em questão.
A propósito, reputa-se prejudicado, também, o pedido formulado pela parte autora tencionando o julgamento desta usucapião anteriormente à desapropriação. 
As demais questões invocadas pela municipalidade se confundem com o mérito e, portanto, serão analisadas oportunamente.
A União, por seu turno, declarou expressamente não possuir interesse na causa (evento 230), derribando a alegação apresentada no evento 220 no sentido de que o imóvel usucapiendo pertenceria à Fazenda Nacional.
O Estado não se manifestou nos autos. 
II.VII. Da prova documental
 Não é possível estabelecer, com segurança, correlação direta entre os comprovantes de pagamento de IPTU e o imóvel usucapiendo, sobretudo diante da informação apresentada no curso processual de que este não possui número.
Assim, é mister a complementação probatória também neste ponto.
II.VIII. Da prova oral
Tendo em vista a pretensão manifestada na inicial e as contestações apresentadas, aliadas ao conflito existente entre os próprios sucessores da parte demandante, desponta de rigor a produção de prova oral para comprovar o alegado exercício possessório por vários anos e com animus domini.
A designação da audiência de instrução fica, contudo, condicionada à previa regularização processual, nos termos anunciados. 
Diante do exposto: 
1) rechaço a preliminar de ilegitimidade ativa;
2) retifique-se o cadastro processual, excluindo do polo ativo Orsi Carvalho de Oliveira diante de seu óbito e da regular sucessão processual, bem como incluindo a pessoa jurídica Móveis Cimo no polo passivo.
3) intime-se a parte autora para: a) prestar esclarecimentos sobre a ausência de confrontação do imóvel usucapindo com terras da Móveis Cimo; b) juntar transcrição/matrícula atualizada do imóvel usucapiendo, acompanhada de novo memorial descritivo e mapa identificador da área objeto desta demanda, acompanhados da respectiva ART; c) indicar os atuais confrontantes, especificando seu nome, endereço e juntando matrícula do imóvel lindeiro e outros documentos que julgar pertinentes, tudo no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de extinção;
4) oficie-se ao Município de Rio Negrinho para que informe, no prazo de 5 (cinco) dias, se os comprovantes de IPTU juntados nos presentes autos correspondem ao imóvel usucapiendo, cientificando-se, posteriormente, a parte autora acerca das informações prestadas;
5) certifique-se sobre a apresentação de manifestação por eventuais terceiros interessados citados por edital;
6) intime-se Meyer Móveis Eirelli EPP para que regularize a sua representação nos autos, apresentando procuração devidamente subscrita, pois apócrifo o instrumento de mandato do evento 402; 
7) tudo cumprido, ao Ministério Público;
8) após, retornem conclusos com a urgência que o caso requer.” (Evento 429, DESPADEC1).
Contudo, não obstante a oportunidade de regularização do processo conferida à parte autora recorrente, esta não logrou apresentar a documentação necessária para que fosse corretamente delimitado o imóvel usucapiendo. Como bem pontuado na sentença, “em mais de 20 (vinte) anos de tramitação processual, não obstante as oportunidades de regularização processual, observa-se que a parte autora não apresenta as informações, características e documentos necessários à segura delimitação do imóvel usucapiendo e, tampouco, promove a regular definição e citação de todos os confrontantes, o que é inadmissível”.
A propósito, toda essa matéria foi muito bem analisada na sentença, pelo digno Magistrado, Dr. Rubens Ribeiro da Silva Neto, e pelo nobre Procurador de Justiça, Dr. Basílio Elias De Caro, em seu parecer, motivo pelo qual, evitando-se desnecessária tautologia, adotam-se como razões de aqui decidir, “per relationem”, os fundamentos consignados na sentença e no parecer ministerial, nos seguintes termos:
Da sentença:
“[…]
Trata-se de usucapião extraordinária proposta inicialmente por Orsi Carvalho de Oliveira, o qual veio a óbito no curso processual, ensejando a habilitação de seu espólio e herdeiros. 
A partir do detalhado histórico processual se denota a tumultuada tramitação da presente usucapião por mais de 2 (duas) décadas e a inércia da parte autora ao longo dos anos em cumprir eficaz e coerentemente as providências que lhe competiam para viabilizar o processamento do feito. 
Um dos primeiros e principais requisitos para a manifestação da pretensão em liça é a exata delimitação da área sobre a qual se tenciona a declaração de domínio, o que, entretanto, não ocorreu no caso concreto. 
Segundo se extrai do exórdio, o pedido inicial recai sobre uma área de 65.309,00m² (evento 180, petição 42), conforme mapa planimétrio e memorial descritivo datados de abril/1998, que citam 4 confrontantes (Brand Industrial de Madeiras Ltda., Braulio Lampe,  Habitasul S/A e Rodovia BR 280) (evento 182, documentos 55, 58-60).
Acompanha a petição inicial, ainda, a certidão da Transcrição n. 3.255 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul, relativa a uma área de 78.000,00m² de propriedade da Móveis Cimo S/A.(informação 56, evento 182).
Em setembro/2015, quando da habilitação dos herdeiros do finado Orsi, foram indicados 4 (quatro) confrontantes (Brand Indusrial de Madeira Ltda., José Ricardo dos Santos, Irani Trading S/A e BR 280) e juntada planta e memorial descritivo datado de março/2015 relativamente a tal área de 65.309,00m² (evento 294, 303 e 304), documento este novamente juntado no evento 313 (informação 354-357) e, mais uma vez, em maio/2016 (evento 343, informação 444-446).
Veja-se que, em maio/2016, foi requerida a citação de dois confrontantes, Adelar Tombini (adquirente do imóvel de José Ricardo dos Santos) e Valdir Fleischmann/Empresa Meyer Móveis Ltda. (adquirente do imóvel de Brand Industrial de Madeiras Ltda.) (evento 333). E por petição datada de fevereiro/2017 foi repisada a necessidade de citação de Adelar e Valdir, pois “[…] os demais confrontantes foram intimados através de carta precatória, assim estaremos finalizando este procedimento” (evento 360).
Pois bem. No despacho do evento 429, proferido em fevereiro/2021, já fora aponta incoerência quanto à área do imóvel usucapiendo e confrontações, concluindo-se nesta ocasião, a partir das informações dispostas no exórdio, que o terreno diz respeito apenas a uma parcela da área registrada em nome da Móveis Cimo, in verbis:
Extrai-se da petição inicial e dos documentos que a acompanham que o imóvel usucapiendo constitui-se em uma área de 63.309,00m², referente à transcrição n. 3.255 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul que, por sua vez, diz respeito a um terreno adquirido pela Móveis Cimo S/A, então proprietária registral, contendo 78.000,00m² de área. 
Evidentemente, portanto, que a pretensão inicial recai apenas sobre uma parcela deste imóvel transcrito sob o n. 3.255 (o que, inclusive, foi confirmado pela parte autora no evento 294). 
Isto significa, em outras palavras, que o imóvel usucapiendo representa uma parte menor da área pertencente à Móveis Cimo (já que nela está incluído) e, via de consequência, este deveria ter, ao menos em um dos seus marcos divisórios, a proprietária registral como confrontante (ou, ainda, o Município de Rio Negrinho, enquanto proprietário originário bem). 
Contudo, não é o que consta nos memoriais descritivos colacionados. Veja-se:
i) no memorial que instrui o exórdio, datado de 06/04/1998, constam como confrontantes: Brand Industrial de Madeiras Ltda., Braulio Lampe, Habitassul S/A e BR280 (evento 182, documento 55);
ii) no memorial datado de 18/03/2015 (evento 313, documento 354, e evento 427) e certidão 232 do evento 306, constam como confrontantes: Brand Industrial de Madeiras Ltda., José Ricardo dos Santos, Irani Trading S/A e BR280.
Além disso, no petitório 405 do evento 333 a parte autora apresenta novos confrontantes, sejam estes Adelar Tombini (por ter adquirido a propriedade de José Ricardo dos Santos) e Valdir Fleischmann (em razão da aquisição da propriedade de Brand Industrial de Madeiras Ltda.)
Ressalta-se, ainda, que a área objeto desta demanda não está identificada/isolada no mapa que acompanha o memorial descritivo, impondo-se, portanto, a prestação de esclarecimentos e a juntada de novos documentos.
Assim, dentre outras determinações, nesta oportunidade foi solicitada a prestação de esclarecimentos:
[…] intime-se a parte autora para: a) prestar esclarecimentos sobre a ausência de confrontação do imóvel usucapindo com terras da Móveis Cimo; b) juntar transcrição/matrícula atualizada do imóvel usucapiendo, acompanhada de novo memorial descritivo e mapa identificador da área objeto desta demanda, acompanhados da respectiva ART; c) indicar os atuais confrontantes, especificando seu nome, endereço e juntando matrícula do imóvel lindeiro e outros documentos que julgar pertinentes, tudo no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de extinção; (evento 429)
Foi, então, que a parte autora, sem efetivamente esclarecer a ausência de confrontação com as terras da Móveis Cimo, juntou um laudo técnico elaborado em 31/03/2021, no qual o imóvel usucapiendo passou a corresponder a uma áera expressivamente maior de 89.418,28 m² e com 17 (dezessete) confrontantes! 
Eis o que consta nesse laudo, em resposta ao referido despacho:
a) Prestar esclarecimentos sobre a ausência de confrontação do imóvel usucapiendo com terras da Móveis Cimo.Resposta: Foram levantados todos os confrontantes, conforme anexo 12.20 Planta fornecida pela Prefeitura Municipal, na página 66 e descrição no quadro “01 – Dados das matrículas do registro de imóveis de SC” na página 07 deste laudo e quadro “02 Dados da Prefeitura Municipal de Rio Negrinho – SC” na página 08 deste laudo(evento 457, laudo 2, p. 9)
Diante disso, persistindo a irregularidade, no evento 465 foi proferido novo despacho para fins de esclarecimento:
Segundo se verifica do Laudo Técnico juntado no Evento 457 – LAUDO2, o imóvel usucapiendo possui 89.418,28 m², o que diverge do alegado na exordial e reafirmado pela parte autora no Evento 294.
Desse modo, intime-se a parte autora para que, no prazo de 15 (quinze) dias, esclareça se o imóvel usucapiendo se refere à totalidade da área registrada na transcrição do Registro de Imóveis (matrícula n. 3.255), ou a uma parte ideal desta.
Na mesma oportunidade, deverá indicar de forma clara e precisa os nomes e endereços dos atuais confrontantes do imóvel, a fim de viabilizar a sua citação.
Em setembro/2021 foi apresentada a seguinte manifestação pela parte demandante (evento 478):
[…] Há de respeitar aqui Excelência, que não é raro, imóveis com matriculas antigas, estarem com sua áreas desatualizadas, em relação a forma de medições que mormente trazem uma medida mais exta, daquele tempo.
O fato é, que não houve qualquer exploração da área, sendo demarcada conforme os limites das cercas que demarcam o imóvel.
Essa mesma justificativa foi apresentada no evento 500.
Contudo, não procede tal argumentação, pois vários anos após o ajuizamento da demanda, em uma medição mais recente realizada no ano de 2015, foi indicada uma área diferente de 65.309,00m². Ademais, causa estranheza um aumento de mais de 20.000,00m² após cerca de 6 (seis) anos do levantamento realizado em 2015.  
Evidentemente, portanto, que a divergência de áreas não corresponde apenas à inexatidão da antiga transcrição imobiliária, até porque, nesse mesmo lapso temporal, de 4 confrontantes o imóvel usucapiendo passou a ter 17 (dezessete) confinantes, cujos endereços atualizados, aliás, sequer foram apresentados pela parte autora diante do retorno sem efetivo cumprimento dos vários dos mandados citatórios já expedidos.
Desse modo, em mais de 20 (vinte) anos de tramitação processual, não obstante as oportunidades de regularização processual, observa-se que a parte autora não apresenta as informações, características e documentos necessários à segura delimitação do imóvel usucapiendo e, tampouco, promove a regular definição e citação de todos os confrontantes, o que é inadmissível. 
A propósito, já se decidiu, mutatis mutandis:
AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. DIVERGÊNCIA NO LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO. AUTOR INTIMADO PARA JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS ANTE A SOBREPOSIÇÃO DE ÁREA. RECUSA EM ATENDER A ORDEM. IMPOSSIBILIDADE DE SE VERIFICAR A DELIMITAÇÃO CORRETA DO TERRENO. SENTENÇA MANTIDA. APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0002483-27.2012.8.24.0167, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 30-11-2021) (grifou-se).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELO DA AUTORA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. OCUPAÇÃO DA ÁREA NA VIGÊNCIA DA LEI CIVIL REVOGADA. PRAZO VINTENÁRIO (CC/1916, ART. 550) SUPOSTAMENTE ALCANÇADO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DO DIPLOMA DE 2002. AUSÊNCIA DE PROVA DA NATUREZA DA OCUPAÇÃO E DO SEU ÂNIMO. PROVA TESTEMUNHAL DEFICITÁRIA. EVIDENCIA DE FRAÇÕES DO IMÓVEL OBJETO DE LOTEAMENTO CLANDESTINO NEGOCIADO COM TERCEIROS. COMPOSSE. AUSÊNCIA DOS COMPOSSUIDORES. PRETENSÃO AQUISITIVA AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.   A posse da área controvertida, sob a égide do Código Civil de 1916, em usucapião extraordinária, torna aplicável o prazo vintenário previsto no artigo 550 do referido diploma legal.    À míngua de prova da natureza e do ânimo da ocupação, como da delimitação da área ocupada pela requerente, além de evidenciada a composse sobre imóvel de grandes dimensões, sem que os demais compossuidores residam no polo ativo da demanda, inviável torna-se o acolhimento da aquisição originária pela usucapião extraordinária. (TJSC, Apelação n. 0013540-92.2002.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 02-06-2016) (grifou-se)
E mais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO – IMÓVEL URBANO – DELIMITAÇÃO EXATA DA ÁREA OCUPADA PELA PARTE AUTORA – NÃO COMPROVAÇÃO. Não tendo a parte autora comprovado, de forma sólida e incontroversa, nos termos do art. 373, I do CPC, a ocupação de forma mansa e pacífica, pelo lapso temporal exigido, da integralidade da área específica e exata descrita no memorial descritivo acostado ao feito, sem qualquer lacuna que pudesse dar azo ao questionamento quanto a eventual invasão de terreno alheio, ausentes os requisitos mínimos necessários para a configuração da usucapião pretendida.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0461.15.006859-5/001, Relator(a): Des.(a) Arnaldo Maciel , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/05/2020, publicação da súmula em 22/05/2020) (grifou-se)
Diante da realidade dos presentes autos e dos referenciais transcritos, não satisfeitos os requisitos para a usucapião, o pedido inicial se espraia na improcedência” (evento 569, SENT1).
Do parecer Ministerial
“Os apelantes, na condição de herdeiros de Orsi Carvalho de Oliveira, parte autora, que faleceu no transcurso na ação, objetivam a declaração da prescrição aquisitiva de uma área de 89.418,28m², situada às margens da BR 280, Bairro Bela Vista, em Rio Negrinho. 
De acordo com o Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de São Bento do Sul, a Transcrição n. 3.255, de 18 de março de 1974, certifica que o imóvel que os apelantes pretendem usucapir é de propriedade de Móveis Cimo S.A.6 , que teria adquirido o bem do Município de Rio Negrinho.
Em razão disso, além da citação dos confrontantes e dos representantes das Fazendas Públicas (municipal, estadual e da União), foi determinada a citação da referida empresa, através de seus representantes legais, no Estado de São Paulo, em dois endereços7 , que resultou infrutífera8 . 
Após o tumultuado e longo trâmite do feito, por mais de vinte anos, o Magistrado julgou improcedente o pedido, e, diante do recurso de apelação interposto pelos autores, determinou a intimação dos apelados, no caso, o Município de Rio Negrinho, que contestou a ação, e a empresa Móveis Cimo S.A., então proprietária registral do bem, o que resultou infrutífera9 . 
Com isso, os apelantes pugnaram pela intimação por edital da empresa, o que foi indeferido pelo Juízo originário, determinando que “o ato de comunicação deverá ser direcionado ao endereço em que efetivada a citação”10, o que não foi observado pelos serventuários da justiça, pois as intimações que se seguiram ao referido comando, referem-se aos autores, ora apelantes, sem que tenha sido realizada à intimação da empresa apelada, nos termos do determinado no referido despacho. 
Recebidos os autos pelo Tribunal, esta Procuradoria de Justiça, em parecer do Procurador de Justiça Durval da Silva Amorim, manifestou-se pela intimação da empresa apelada Móveis Cimo S.A. para apresentação das contrarrazões recursais. 
Os autos retornaram à origem, e a carta de intimação com Aviso de Recebimento da empresa Móveis Cimo S.A., não foi cumprida, diante da tentativa frustrada de entrega pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, uma vez que retornou com as informações “não procurado” e “ausente”11 . E, apesar de os recorrentes terem pugnado pela intimação da empresa por edital12 , tal pleito não foi atendido pelo juízo13 , sendo os autos remetidos novamente ao Tribunal. 
Assim, diante da tentativa frustrada de intimação pessoal da parte apelada para apresentação das contrarrazões, e, observando-se que provavelmente não seria frutífera a renovação do ato de intimação por meio de Oficial de Justiça, diante das informações dos Correios constantes da devolução do AR e das cartas precatórias citatórias não cumpridas durante a instrução, este Procurador considerou cabível o deferimento do pedido de intimação editalícia da empresa apelada Móveis Cimo S.A. formulado pelos apelantes14.
No entanto, apesar de o Relator ter acolhido a orientação e determinado o retorno dos autos à origem15, o Magistrado não realizou a intimação, com fundamento no art. 274 do Código de Processo Civil, que dispõe:
Art. 274. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais, aos advogados e aos demais sujeitos do processo pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria. Parágrafo único. Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço. 
Com efeito, é cediço que se deve esgotar todas as tentativas de obtenção do endereço da parte ré antes de se proceder a intimação por edital, sob pena de inviabilizar o efetivo e pleno acesso à justiça.
No caso, como visto, tanto a citação como as demais intimações da empresa Móveis Cimo S.A. restaram frustradas.
Para tanto, é necessário sopesar a realidade fática da empresa, uma vez que, após consulta em sites de pesquisa, constatou-se que a sociedade faliu em 1982, conforme informado no site do Município de Rio Negrinho16 .
Desse modo, considerando que a intimação por edital seria inócua, não subsistem motivos para a sua realização, além do fato de que geraria ainda mais morosidade na prestação jurisdicional, tendo em vista que o processo tramita há mais de vinte e quatro anos. 
Ademais, como adiante se verá, a pretensão dos apelantes não merece prosperar, sobretudo diante das provas que foram apresentadas ao processo.
A usucapião é forma originária de aquisição de propriedade, na qual demanda o reconhecimento de elementos fáticos, mais precisamente a posse contínua e pacífica (sem oposição), exercida com animus domini, durante certo lapso de tempo, variável conforme a modalidade (ordinária, extraordinária, especial urbana individual e coletiva, especial familiar e especial rural). 
Como a ação de usucapião tem como escopo o reconhecimento do direito de propriedade em favor do usucapiente, revela-se imprescindível que haja no processo a descrição exata do imóvel, bem como dos limites da área usucapida a servir de base à sentença de procedência declaratória, sobretudo porque ela constitui título hábil para ser transcrita, mediante mandado, no registro no cartório imobiliário competente. 
No caso, embora os apelantes tenham acostado ao feito dois memoriais descritivos da área que pretendem usucapir e as plantas respectivas, bem como um laudo técnico, existe controvérsia se a delimitação do imóvel apresentada nos referidos documentos, de fato, corresponde à realidade. 
Nesse aspecto, o cotejo das aludidas provas realizada pelo Magistrado mostram-se suficientes para esclarecer essa compreensão, motivo pelo qual cabe reprisá-las, corroborando a fundamentação aqui delineada17: 
[…]. 
Um dos primeiros e principais requisitos para a manifestação da pretensão em liça é a exata delimitação da área sobre a qual se tenciona a declaração de domínio, o que, entretanto, não ocorreu no caso concreto. 
Segundo se extrai do exórdio, o pedido inicial recai sobre uma área de 65.309,00m² (evento 180, petição 42), conforme mapa planimétrio e memorial descritivo datados de abril/1998, que citam 4 confrontantes (Brand Industrial de Madeiras Ltda., Braulio Lampe, Habitasul S/A e Rodovia BR 280) (evento 182, documentos 55, 58-60). 
Acompanha a petição inicial, ainda, a certidão da Transcrição n. 3.255 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul, relativa a uma área de 78.000,00m² de propriedade da Móveis Cimo S/A.(informação 56, evento 182).
Em setembro/2015, quando da habilitação dos herdeiros do finado Orsi, foram indicados 4 (quatro) confrontantes (Brand Industrial de Madeira Ltda., José Ricardo dos Santos, Irani Trading S/A e BR 280) e juntada planta e memorial descritivo datado de março/2015 relativamente a tal área de 65.309,00m² (evento 294, 303 e 304), documento este novamente juntado no evento 313 (informação 354-357) e, mais uma vez, em maio/2016 (evento 343, informação 444-446). 
Veja-se que, em maio/2016, foi requerida a citação de dois confrontantes, Adelar Tombini (adquirente do imóvel de José Ricardo dos Santos) e Valdir Fleischmann/Empresa Meyer Móveis Ltda. (adquirente do imóvel de Brand Industrial de Madeiras Ltda.) (evento 333). E por petição datada de fevereiro/2017 foi repisada a necessidade de citação de Adelar e Valdir, pois “[…] os demais confrontantes foram intimados através de carta precatória, assim estaremos finalizando este procedimento” (evento 360).
Pois bem. No despacho do evento 429, proferido em fevereiro/2021, já fora aponta incoerência quanto à área do imóvel usucapiendo e confrontações, concluindo-se nesta ocasião, a partir das informações dispostas no exórdio, que o terreno diz respeito apenas a uma parcela da área registrada em nome da Móveis Cimo, in verbis:
Extrai-se da petição inicial e dos documentos que a acompanham que o imóvel usucapiendo constitui-se em uma área de 63.309,00m², referente à transcrição n. 3.255 do Registro Imobiliário de São Bento do Sul que, por sua vez, diz respeito a um terreno adquirido pela Móveis Cimo S/A, então proprietária registral, contendo 78.000,00m² de área. 
Evidentemente, portanto, que a pretensão inicial recai apenas sobre uma parcela deste imóvel transcrito sob o n. 3.255 (o que, inclusive, foi confirmado pela parte autora no evento 294). 
Isto significa, em outras palavras, que o imóvel usucapiendo representa uma parte menor da área pertencente à Móveis Cimo (já que nela está incluído) e, via de consequência, este deveria ter, ao menos em um dos seus marcos divisórios, a proprietária registral como confrontante (ou, ainda, o Município de Rio Negrinho, enquanto proprietário originário bem).
Contudo, não é o que consta nos memoriais descritivos colacionados. Veja-se: 
i) no memorial que instrui o exórdio, datado de 06/04/1998, constam como confrontantes: Brand Industrial de Madeiras Ltda., Braulio Lampe, Habitassul S/A e BR280 (evento 182, documento 55); 
ii) no memorial datado de 18/03/2015 (evento 313, documento 354, e evento 427) e certidão 232 do evento 306, constam como confrontantes: Brand Industrial de Madeiras Ltda., José Ricardo dos Santos, Irani Trading S/A e BR280. 
Além disso, no petitório 405 do evento 333 a parte autora apresenta novos confrontantes, sejam estes Adelar Tombini (por ter adquirido a propriedade de José Ricardo dos Santos) e Valdir Fleischmann (em razão da aquisição da propriedade de Brand Industrial de Madeiras Ltda.)
Ressalta-se, ainda, que a área objeto desta demanda não está identificada/isolada no mapa que acompanha o memorial descritivo, impondo-se, portanto, a prestação de esclarecimentos e a juntada de novos documentos. 
Assim, dentre outras determinações, nesta oportunidade foi solicitada a prestação de esclarecimentos:
[…] intime-se a parte autora para: a) prestar esclarecimentos sobre a ausência de confrontação do imóvel usucapindo com terras da Móveis Cimo; b) juntar transcrição/matrícula atualizada do imóvel usucapiendo acompanhada de novo memorial descritivo e mapa identificador da área objeto desta demanda, acompanhados da respectiva ART; c) indicar os atuais confrontantes, especificando seu nome, endereço e juntando matrícula do imóvel lindeiro e outros documentos que julgar pertinentes, tudo no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de extinção; (evento 429). 
Foi, então, que a parte autora, sem efetivamente esclarecer a ausência de confrontação com as terras da Móveis Cimo, juntou um laudo técnico elaborado em 31/03/2021, no qual o imóvel usucapiendo passou a corresponder a uma área expressivamente maior de 89.418,28 m² e com 17 (dezessete) confrontantes! 
Eis o que consta nesse laudo, em resposta ao referido despacho: 
a) Prestar esclarecimentos sobre a ausência de confrontação do imóvel usucapiendo com terras da Móveis Cimo.
Resposta: Foram levantados todos os confrontantes, conforme anexo 12.20 Planta fornecida pela Prefeitura Municipal, na página 66 e descrição no quadro “01 – Dados das matrículas do registro de imóveis de SC” na página 07 deste laudo e quadro “02 Dados da Prefeitura Municipal de Rio Negrinho SC” na página 08 deste laudo(evento 457, laudo 2, p. 9) 
Diante disso, persistindo a irregularidade, no evento 465 foi proferido novo despacho para fins de esclarecimento: 
Segundo se verifica do Laudo Técnico juntado no Evento 457 LAUDO2, o imóvel usucapiendo possui 89.418,28 m², o que diverge do alegado na exordial e reafirmado pela parte autora no Evento 294.
Desse modo, intime-se a parte autora para que, no prazo de 15 (quinze) dias, esclareça se o imóvel usucapiendo se refere à totalidade da área registrada na transcrição do Registro de Imóveis (matrícula n. 3.255), ou a uma parte ideal desta. 
Na mesma oportunidade, deverá indicar de forma clara e precisa os nomes e endereços dos atuais confrontantes do imóvel, a fim de viabilizar a sua citação. 
Em setembro/2021 foi apresentada a seguinte manifestação pela parte demandante (evento 478):
[…] Há de respeitar aqui Excelência, que não é raro, imóveis com matrículas antigas, estarem com sua áreas desatualizadas, em relação a forma de medições que mormente trazem uma medida mais exata, daquele tempo.
O fato é, que não houve qualquer exploração da área, sendo demarcada conforme os limites das cercas que demarcam o imóvel. 
Essa mesma justificativa foi apresentada no evento 500. 
Contudo, não procede tal argumentação, pois vários anos após o ajuizamento da demanda, em uma medição mais recente realizada no ano de 2015, foi indicada uma área diferente de 65.309,00m². Ademais, causa estranheza um aumento de mais de 20.000,00m² após cerca de 6 (seis) anos do levantamento realizado em 2015. 
Evidentemente, portanto, que a divergência de áreas não corresponde apenas à inexatidão da antiga transcrição imobiliária, até porque, nesse mesmo lapso temporal, de 4 confrontantes o imóvel usucapiendo passou a ter 17 (dezessete) confinantes, cujos endereços atualizados, aliás, sequer foram apresentados pela parte autora diante do retorno sem efetivo cumprimento dos vários mandados citatórios já expedidos. 
Desse modo, em mais de 20 (vinte) anos de tramitação processual, não obstante as oportunidades de regularização processual, observa-se que a parte autora não apresenta as informações, características e documentos necessários à segura delimitação do imóvel usucapiendo e, tampouco, promove a regular definição e citação de todos os confrontantes, o que é inadmissível. 
Como visto, os autores, ora apelantes pretendem usucapir um imóvel com área significativa, de quase noventa mil metros quadrados, sem o devido registro, razão pela qual incumbia a eles comprovar, de forma sólida e incontroversa, a ocupação de forma mansa e pacífica, pelo lapso temporal para a usucapião extraordinária, além das efetivas delimitações da área, inclusive sem qualquer lacuna quanto aos confrontantes. 
Contudo, a situação dos autos impede o deferimento da pretensão inicial, na medida em que não foi possível vislumbrar, com a certeza que o caso requer, quais os exatos limites da área que os apelantes alegam ocupar, para ser possível o reconhecimento da usucapião pretendida, inclusive para fins de registro no cartório competente. 
Ademais, diante da natureza declaratória da sentença proferida na ação de usucapião, incabível postergar a definição exata da área usucapida, demarcação dos seus limites e confrontações, para a fase posterior à sentença. 
Além disso, como referido pelo Município de Rio Negrinho nas contrarrazões, há, ainda, a possibilidade de o ente público ter adjudicado o imóvel. Isso porque, a empresa Móveis Cimo S.A., então proprietária registral do bem, caucionou a área discutida como garantia da execução das obras de infraestrutura do “plano de arruamento” estabelecido pela Lei Municipal n. 149/1980, a qual não teria sido por ela realizada. Esse fato, portanto, poderá tornar impossível a prescrição aquisitiva do terreno, caso o imóvel se torne público. 
Não obstante, por não terem os apelantes comprovado efetivamente a delimitação da área que pretendem usucapir e os respectivos confrontantes, deve ser mantida a sentença de improcedência do pedido de prescrição aquisitiva por eles formulado.
Nesse sentido:
APELAÇÃO. USUCAPIÃO. REQUISITOS. POSSE. LAPSO TEMPORAL. INDIVIDUALIZAÇÃO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE PROVA. IMPROCEDÊNCIA. – O exercício de posse com o ânimo de ter a coisa como sua pelo lapso temporal exigido em lei, é requisito indispensável à aquisição da propriedade por usucapião, sendo que, a ausência de um dos requisitos enseja na improcedência do pedido. – A petição inicial da ação de usucapião, a qual, visa à aquisição originária da propriedade, exige a individualização do imóvel usucapiendo, sua dimensão, localização e confrontações, de forma que, eventual sentença de declaração de domínio possa ser facilmente registrada no cartório imobiliário18. (TJMG. Apelação Cível 1.0183.15.006245-7/001, Rel. Des. Luiz Carlos Gomes da Mata, 13ª Câmara Cível, j. 6/6/2019).
Em razão do exposto, é o parecer no sentido do desprovimento do recurso. (Evento 53 – PROMOÇÃO1).
Na espécie, considerando-se as provas produzidas nos autos, verifica-se que a parte autora falhou em comprovar a existência dos fatos constitutivos do direito perseguido, na exata medida em que os documentos apresentados durante a marcha processual, nos termos do parecer ministerial, revelaram que os “ora apelantes pretendem usucapir um imóvel com área significativa, de quase noventa mil metros quadrados, sem o devido registro, razão pela qual incumbia a eles comprovar, de forma sólida e incontroversa, a ocupação de forma mansa e pacífica, pelo lapso temporal para a usucapião extraordinária, além das efetivas delimitações da área, inclusive sem qualquer lacuna quanto aos confrontantes. Contudo, a situação dos autos impede o deferimento da pretensão inicial, na medida em que não foi possível vislumbrar, com a certeza que o caso requer, quais os exatos limites da área que os apelantes alegam ocupar, para ser possível o reconhecimento da usucapião pretendida, inclusive para fins de registro no cartório competente”.
 Por isso, está claramente demonstrado nos autos que a parte autora recorrente não conseguiu satisfazer todos os requisitos para a usucapião, porquanto, após mais de 20 anos de tramitação processual, não logrou sequer comprovar de modo inequívoco a ocupação de forma mansa e pacífica durante o tempo exigido pela lei para a usucapião extraordinária, bem como não produziu prova certa acerca das efetivas delimitações da área, pois, como bem exposto na sentença, “não apresenta as informações, características e documentos necessários à segura delimitação do imóvel usucapiendo e, tampouco, promove a regular definição e citação de todos os confrontantes, o que é inadmissível” (evento 569, SENT1).
Não fora isso, não há prova alguma de que, no momento do ajuizamento da “actio”, em outubro de 1999, a parte autora recorrente tinha posse com ânimo de proprietário e, antes mesmo do ajuizamento da ação, como noticia os autos, o Município de Rio Negrinho, antigo proprietário da área, declarou interesse público sobre respectivo imóvel para a criação de um distrito industrial, como se afere do Decreto Municipal n. 6435, de 21 de maio de 1999 (Evento 218, INF130).
Com a inicial da ação de usucapião, a parte autora se limitou a apresentar um único carnê de IPTU do ano de 1998 e uma ART do CREA/SC em que consta uma medição da área objeto da pretensão (Evento 182, INF53), datada do ano de 1998. A ação foi a ajuizada, como consta alhures, em outubro de 1999.
O confrontante Braulio Lampe, categoricamente, afirmou em sua contestação (Evento 205, CONT88):

O Município de Rio Negrinho, ao apresentar sua contestação, também afirmou a ausência de posse com ânimo de proprietário por parte do autor apelante, na medida em que afirmou que o terreno era utilizado por várias pessoas para a criação de gado e, como já mencionado, que possui interesse pública na área para criação de um distrito industrial. Veja-se:

Como se observa, o Município, além de manifestar interesse público na área “para fins de implementação do Distrito Industrial do município de Rio Negrinho”, defendeu que é público e notório que tal imóvel pertencia à Móveis Cimo S/A e que mais pessoas faziam uso das terras para soltar animais, não havendo possuidor direto e, por isso, ausência da posse “ad usucapionem”.
Brand Industrial de Madeiras Ltda., ao apresentar contestação (Evento 220, CONT95), também defendeu a ausência de posse com ânimo de proprietário pela parte autora apelante.
Em réplica, a parte autora apelante se limitou a rebater de modo genérico as alegações apresentadas nas contestações referidas ao argumento de que provaria a sua posse “ad usucapionem” durante a instrução probatória.
Não há como provar a posse com ânimo de dono se os confrontantes não a reconhecem, se não há prova documental que a assegure e se o Município, antes mesmo do ajuizamento da actio, já tinha declarado interesse público na área objeto da pretensão inicial (Decreto Municipal n. 6435, de 21 de maio de 1999 – Evento 218, INF130). Toda a documentação oficial (carnês de IPTU) apresentada durante a marcha processual para fins de comprovar a posse refere-se a períodos iniciados a contar do ano anterior ao ajuizamento da ação, em 1998 (Evento 182, INF49), bem como a medição da área contratada pela parte autora cujo respectivo ART data de 16/4/1998 (Evento 182, INF53). Não há sequer um carnê de IPTU em nome da parte autora anteriormente ao ano anterior ao ajuizamento da ação (1998).
Esses fatos, juntos às negativas do exercício de posse “ad usucapionem” apresentadas em contestação pelos confrontantes Braulio Lampe e Brand Industrial de Madeiras Ltda. e pelo réu Município de Rio Negrinho, são aptos ao reconhecimento de que, ao tempo do ajuizamento da ação no ano de 1999, a parte autora não possuía o tempo de posse com ânimo de dono necessário para a prescrição aquisitiva por usucapião extraordinário.
Sendo assim, como se afere dos autos de origem, durante a fase de instrução probatória a parte autora apelante não logrou comprovar que, de fato, exerceu a posse “ad usucapionem” da área, obrigação que lhe competia, nos termos da regra de distribuição do ônus da prova definida no art. 373, inc. I, do Código de Processo Civil (“in verbis”: “Art. 373. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;”).
Logo, na hipótese, o conjunto probatório formado nos autos permite uma conclusão segura no sentido de que o imóvel objeto do pedido inicial não pode ser objeto de usucapião por não haver prova de que houve caracterização da posse “ad usucapionem”.
Nesse sentido, “mutatis mutandis”, colhe-se da jurisprudência desta Corte de Justiça:
“APELAÇÃO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA: R$ 29.000,00. TERRENO DE PROPRIEDADE DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE, SITUADO NA RUA MARTINHO RODOLFO HEIDEMANN, NO BAIRRO ULYSSES GUIMARÃES, ADQUIRIDO POR DOAÇÃO EM 1997 PARA IMPLANTAÇÃO DO LOTEAMENTO “PARQUE RESIDENCIAL ERNESTO BÄCHTOLD”. VEREDICTO DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS PARTICULARES DEMANDANTES. ASSERÇÃO DE QUE EXERCEM A POSSE MANSA E PACÍFICA DO IMÓVEL DESCRITO NA EXORDIAL DESDE 2007, QUE SOMADA ÀQUELA DOS POSSUIDORES ANTERIORES, REMONTARIA AO ANO DE 1994, PLEITEANDO A AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA POR MEIO DA USUCAPIÃO, E QUE O BEM DE RAIZ TERIA SIDO ADQUIRIDO PELO MUNICÍPIO DE JOINVILLE EM 2014, QUANDO JÁ OCORRIDA A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. TESE INSUBSISTENTE. AVERBAÇÃO N. 4, JUNTO A MATRÍCULA N. 17.940, DO 3º OFÍCIO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DE JOINVILLE, COMPROVANDO QUE A AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE PELA COMUNA OCORREU EM 1997. PERÍODO DE 3 ANOS COMPREENDIDO DE 1994 ATÉ 1997 QUE, ADEMAIS, REVELA-SE INSUFICIENTE PARA PERFECTIBILIZAR A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO OU MESMO DE EFETIVA POSSE SOBRE BEM PÚBLICO, OCORRENDO, EM REALIDADE, UMA MERA DETENÇÃO (ART. 183, § 3º, E ART. 191, § ÚNICO, AMBOS DA CF/88. ART. 102 DO CÓDIGO CIVIL). INTELIGÊNCIA DA SÚMULA N. 340 DO STF, E SÚMULA N. 619 DO STJ. PRECEDENTES. ‘Bem de domínio público é insuscetível de usucapião pelo particular. Para que alguém tenha direito à usucapião de imóvel de propriedade do Município é necessário que comprove posse ‘ad usucapionem’ anterior à aquisição pelo Poder Público.’ (Des. Jaime Ramos) ‘O particular não exerce posse sobre imóvel inserido em área pública, mas mera detenção, a qual é insuscetível de atender às condicionantes que ensejam o direito de usucapir.’ (Rela. Desa. Sônia Maria Schmitz).’ (TJSC, Apelação Cível n. 5016093-71.2020.8.24.0045, de Palhoça, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. em 08/03/2022).’ SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJSC, Apelação n. 0310325-76.2015.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Fernando Boller, Primeira Câmara de Direito Público, j. 05-07-2022).
Ademais, como muito bem pontuado no parecer ministerial, “a empresa Móveis Cimo S.A., então proprietária registral do bem, caucionou a área discutida como garantia da execução das obras de infraestrutura do “plano de arruamento” estabelecido pela Lei Municipal n. 149/1980, a qual não teria sido por ela realizada. Esse fato, portanto, poderá tornar impossível a prescrição aquisitiva do terreno, caso o imóvel se torne público”.
Portanto, não havendo demonstração da existência dos requisitos necessários para a caracterização da posse “ad usucapionem”, conclui-se pela impossibilidade de haver a caracterização da prescrição aquisitiva a favor da parte demandante e, por consequência, a aquisição do imóvel pela usucapião.
Conclusão
Como não houve arbitramento de honorários advocatícios contra a parte vencida, na origem, não há possibilidade de fixação de honorários recursais.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso, nos termos acima explicitados.

Documento eletrônico assinado por JAIME RAMOS, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4358294v144 e do código CRC 6bc8aba2.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): JAIME RAMOSData e Hora: 6/2/2024, às 18:25:31

Apelação Nº 0001496-90.1999.8.24.0055/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: ALICE MARIA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: MARLI CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: MARIA APARECIDA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: MARIA LUCIA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) APELANTE: SANDRA ANDREA CARVALHO DE OLIVEIRA PEYERL (AUTOR) APELADO: MÓVEIS CIMO S/A (RÉU) APELADO: MUNICÍPIO DE RIO NEGRINHO/SC (INTERESSADO)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. BEM IMÓVEL COM MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE PÚBLICO PELO MUNICÍPIO DE RIO NEGRINHO PARA FINS DE IMPLANTAÇÃO DE DISTRITO INDUSTRIAL. TESE RECURSAL DE POSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DA POSSE “AD USUCAPIONEM”. INSUBSISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À EXATA DELIMITAÇÃO DO TERRENO E QUANTO À EXISTÊNCIA DO EXERCÍCIO DE POSSE COM “ANIMUS DOMINI” DURANTE O TEMPO EXIGIDO PELA LEI PARA A USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. ÔNUS DA PROVA QUANTO AO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO QUE PERTENCE À PARTE AUTORA (ART. 373, I, CPC). INVIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DA USUCAPIÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA INCÓLUME. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos acima explicitados, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 06 de fevereiro de 2024.

Documento eletrônico assinado por JAIME RAMOS, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4358295v14 e do código CRC 07f16205.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): JAIME RAMOSData e Hora: 6/2/2024, às 18:25:31

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 06/02/2024

Apelação Nº 0001496-90.1999.8.24.0055/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

PRESIDENTE: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

PROCURADOR(A): ROGE MACEDO NEVES
APELANTE: ALICE MARIA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) ADVOGADO(A): DEBORA FIGUEIRO (OAB PR023781) APELANTE: MARLI CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) ADVOGADO(A): DEBORA FIGUEIRO (OAB PR023781) APELANTE: MARIA APARECIDA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) ADVOGADO(A): DEBORA FIGUEIRO (OAB PR023781) APELANTE: MARIA LUCIA CARVALHO DE OLIVEIRA (AUTOR) ADVOGADO(A): DEBORA FIGUEIRO (OAB PR023781) APELANTE: SANDRA ANDREA CARVALHO DE OLIVEIRA PEYERL (AUTOR) ADVOGADO(A): DEBORA FIGUEIRO (OAB PR023781) APELADO: MÓVEIS CIMO S/A (RÉU) APELADO: MUNICÍPIO DE RIO NEGRINHO/SC (INTERESSADO) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 06/02/2024, na sequência 19, disponibilizada no DJe de 24/01/2024.
Certifico que a 3ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS ACIMA EXPLICITADOS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador JAIME RAMOS
Votante: Desembargador JAIME RAMOSVotante: Desembargador JÚLIO CÉSAR KNOLLVotante: Desembargadora BETTINA MARIA MARESCH DE MOURA
PAULO ROBERTO SOUZA DE CASTROSecretário

Fonte: TJSC

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