Usucapião: adjudicação compulsória

Usucapião: adjudicação compulsória. Considerando a falta de desmembramento da área, o ajuizamento de adjudicação compulsória estaria fadado ao insucesso, notadamente porque “A existência de imóvel registrável é condição específica da ação de adjudicação compulsória”.

Processo: 5004782-70.2021.8.24.0135 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Jairo Fernandes Gonçalves
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Quinta Câmara de Direito Civil
Julgado em: 12/12/2023
Classe: Apelação

Apelação Nº 5004782-70.2021.8.24.0135/SC

+ Usucapião ou adjudicação compulsória?

RELATOR: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVES

APELANTE: IVANIR VIGARANI (AUTOR) APELANTE: VILSON VIGARANI (AUTOR) APELADO: ANIBAL VIGARANI (INTERESSADO) APELADO: TEREZA PETRY VIGARANI (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Ivanir Vigarani e Vilson Vigarani ajuizaram, na comarca de Navegantes, Ação de Usucapião Extraordinária, registrada com o n. 5004782-70.2021.8.24.0135, contra Anibal Vigarani e Tereza Petry Vigarani, alegando, em síntese, que em 24-8-2005 adquiriram a posse de um imóvel localizado na servidão de acesso pela rua Braço da Onça, n. 911, bairro Ribeirão da Onça, na cidade de Luiz Alves, com 978,37m², sobre o qual exercem a posse mansa, pacífica, ininterrupta, sem oposição e com animus domini. Sustentaram a impossibilidade de regularização administrativa porque o imóvel não possui frente para via pública e, por isso, postularam o reconhecimento da prescrição aquisitiva, além da concessão de Justiça Gratuita.
Sobreveio a sentença (Evento 19), que extinguiu o feito, sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir, na modalidade adequação, condenando os autores ao pagamento das custas processuais, com a exigibilidade suspensa por serem beneficiários da Justiça Gratuita.
Inconformados, os demandantes interpuseram recurso de Apelação Cível (Evento 24), sustentando a impossibilidade de regularização administrativa da propriedade, motivo pelo qual defenderam a viabilidade da usucapião. Requereram assim, a desconstituição da sentença com o retorno do feito à origem. 
Após, os autos foram remetidos a esta superior instância, e o Ministério Público, em parecer da lavra do Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Américo Bigaton, manifestou-se pelo sobrestamento até o julgamento de Incidente de Assunção de Competência sobre a temática ou, alternativamente, o conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 11 da fase recursal).
Este é o relatório.

+ Qual o tempo de posse necessário para a usucapião de um imóvel

VOTO

O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.
Trata-se de insurgência dos autores em face da sentença que julgou extinta a ação de Usucapião Extraordinária, sem julgamento do mérito, por ausência de interesse de agir, na modalidade adequação.
Inicialmente, em que pese o pleito da Procuradoria-Geral de Justiça (Evento 11 da fase recursal), de suspensão do processo em razão da instauração de Incidente de Assunção de Competência, convertido em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (autos n. 50616115420228240000), não se verifica naqueles autos decisão determinando o sobrestamento das ações que versam sobre as questões nele tratadas.

+ É possível usucapião de automóvel ou de outro bem móvel?

Logo, entende-se que não há óbice ao exame do presente reclamo. 
De acordo com a teoria da asserção “[…] a presença das condições da ação deve ser aferida a partir das afirmações deduzidas na petição inicial, dispensando-se qualquer atividade instrutória” (STJ, AgRg no AREsp n. 741.229/DF, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. 23-10-2015). 
Nesse passo, presentes a plausibilidade do direito invocado, a relação das partes ativa e passiva com os fundamentos da causa de pedir, a adequação e a necessidade do provimento judicial almejado, estarão presentes as condições da ação.
No caso presente, nada obstante a conclusão exarada em primeiro grau, verifica-se a presença do interesse processual dos autores, assim como a possibilidade e utilidade da demanda de usucapião.
Explica-se. 
Como se sabe, para aquisição da propriedade pela via da usucapião extraordinária é necessário, nos termos do artigo 1.238 do Código Civil, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) quinze anos de exercício de posse ininterrupta (ii) sem oposição (iii) com ânimo de dono, sendo desnecessário justo título e boa-fé.
Infere-se dos autos que o objeto da pretendida declaração de domínio é uma fração de terras com 978,37m², adquirida pelos recorrentes por meio de contrato de compromisso de compra e venda firmado com os proprietários registrais, Anibal Vigarani e Tereza Petry Vigarani, na data de 24-8-2005 (Evento 1, CONTR9), pertencente à gleba do imóvel referido na transcrição imobiliária n. 16.246, com duas edificações e que faz frente a uma servidão inominada (Evento 1, COMP19 e Evento 17, COMP9), sobre a qual alegaram exercer a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini.
Considerando a falta de desmembramento da área, o ajuizamento de adjudicação compulsória estaria fadado ao insucesso, notadamente porque “A existência de imóvel registrável é condição específica da ação de adjudicação compulsória” (STJ, REsp n. 1851104/SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 12-5-2020).
No tocante à origem da posse, a “[…] existência de negócio jurídico entre o proprietário registral e os autores – quando o imóvel está inserido em área maior e não desmembrada – não é óbice ao conhecimento e julgamento da ação de usucapião” (TJSC, Apelação Cível n. 0020264-09.2012.8.24.0023, rel. Des. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 31-5-2022), em especial porque, como dito, a modalidade escolhida pelos recorrentes (extraordinária) dispensa apresentação de justo título.
Com efeito, “[…] o fato de ter havido contrato, por meio do qual adquiriu-se o imóvel, sem outorga de escritura pública aos adquirentes, não pode impedir que os autores, sob o argumento de exercício da posse ad usucapionem por longos anos, possam se valer da ação de usucapião extraordinária para obtenção da declaração da propriedade (TJSC, Apelação Cível n. 0301034-77.2015.8.24.0159, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 8-11-2022).

+ O que é posse de boa-fé?

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça firmou o posicionamento (Tema n. 1.025), de que mesmo nas hipóteses de aquisição derivada da propriedade é possível a declaração de domínio por meio da usucapião, quando a ocupação da área esteja há muito tempo consolidada, estiverem presentes os requisitos necessários e se revelar difícil ou impossível a obtenção do registro da propriedade com base no contrato de compra e venda ante as dificuldades apresentadas no caso concreto (REsp n. 1.818.564/DF, Relator Ministro Moura Ribeiro j. 9-6-2021).
A esse respeito, oportuno colacionar o elucidativo pronunciamento do Exmo. Des. Luiz Cézar Medeiros:
Malgrado o caso concreto não se encontre inserido dentro do cenário litigioso discutido no precedente mencionado, é pertinente a observância aos argumentos elencados no corpo do voto do eminente relator, Min. Moura Ribeiro, que elucidou que os óbices administrativos eventualmente existentes, como, naquele caso, falta de regularização fundiária da região, não podem atentar contra o direito daqueles que ocuparam o solo pacificamente, com posse ad usucapionem, pelo prazo necessário para a declaração da aquisição da propriedade em seu favor.
Pelo contrário, na linha do entendimento exarado por aquela Corte, “a definição dos verdadeiros proprietários do solo configura, em hipóteses como a dos autos, o primeiro passo para o restabelecimento da ordem urbana, aplaudindo o bem-estar e a paz social”.
Pode-se aplicar a mesma conclusão para o caso concreto, afinal, o fato de ter havido contrato, por meio do qual adquiriu-se o imóvel, sem outorga de escritura pública aos adquirentes, não pode impedir que os autores, sob o argumento de exercício da posse ad usucapionem por longos anos, possam se valer da ação de usucapião extraordinária para obtenção da declaração da propriedade” (TJSC, Apelação Cível n. 0301034-77.2015.8.24.0159, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 08-11-2022 – grifou-se).
Registra-se, outrossim, que este Tribunal de Justiça já decidiu pela procedência de usucapião fulcrada em contrato de compra e venda celebrado com os proprietários registrais, porquanto evidenciado o preenchimento dos pressupostos legais aplicáveis à espécie, como, por exemplo, cita-se a Apelação Cível n. 0000707-70.2010.8.24.0002, rel. Des. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 09-09-2021.
Importante ressaltar que “A intenção não é autorizar, de forma desmedida, o desmembramento irregular de terrenos, mas o de conferir a devida proteção ao direito do possuidor que exerce, de fato e de boa-fé, a posse prolongada sobre o imóvel para ver-lhe reconhecido o domínio pela prescrição aquisitiva”
Até mesmo porque, na hipótese em liça, não ficou demonstrado o intuito dos recorrentes de se furtarem aos preceitos da organização urbanística, de modo que se tem por presumida a sua boa-fé.
Por tais motivos e fundamentos, conclui-se que a ação de usucapião é a medida cabível para o alcance da pretensão deduzida pelos apelantes, cumprindo o requisito do artigo 17 do Código de Processo Civil.
Assim, caso comprovado o preenchimento os demais pressupostos legais, que deverão ser objeto de dilação probatória e análise no primeiro grau, é possível a declaração da propriedade.
Em vista disso, faz-se necessária a desconstituição da sentença e o retorno do processo à origem para o prosseguimento da instrução processual, uma vez que não apresenta condições de imediato julgamento (artigo 1.013, § 3º, do Código de Processo Civil).
Diante do exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e dar provimento a ele.

+ O que é posse justa?

Documento eletrônico assinado por JAIRO FERNANDES GONCALVES, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4181461v22 e do código CRC 6f0b0021.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): JAIRO FERNANDES GONCALVESData e Hora: 13/12/2023, às 15:20:55

Apelação Nº 5004782-70.2021.8.24.0135/SC

+ Qual a diferença entre posse e detenção?

RELATOR: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVES

APELANTE: IVANIR VIGARANI (AUTOR) APELANTE: VILSON VIGARANI (AUTOR) APELADO: ANIBAL VIGARANI (INTERESSADO) APELADO: TEREZA PETRY VIGARANI (INTERESSADO)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA FULCRADA EM CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. INSURGÊNCIA DOS AUTORES. TESE DE IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO POR OUTROS MEIOS. ACOLHIMENTO. POSSIBILIDADE DO MANEJO DA USUCAPIÃO DIANTE DAS DIFICULDADES NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE PARCELAMENTO REGULAR DO SOLO. OCUPAÇÃO HÁ MUITO CONSOLIDADA. ENTENDIMENTO FIRMADO NA CORTE SUPERIOR EM JULGAMENTO NA SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS (TEMA 1.025). SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

+ O que é posse direta e posse indireta?

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar provimento a ele, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.

+ Quem mora de favor pode pedir usucapião?

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/12/2023

Apelação Nº 5004782-70.2021.8.24.0135/SC

+ Usucapião: qual documento é considerado “justo título”

RELATOR: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVES

PRESIDENTE: Desembargador RICARDO FONTES

PROCURADOR(A): ANGELA VALENCA BORDINI
APELANTE: IVANIR VIGARANI (AUTOR) ADVOGADO(A): ROBERTA ASSI ALFARTH (OAB SC044812) APELANTE: VILSON VIGARANI (AUTOR) ADVOGADO(A): ROBERTA ASSI ALFARTH (OAB SC044812) APELADO: ANIBAL VIGARANI (INTERESSADO) APELADO: TEREZA PETRY VIGARANI (INTERESSADO) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 12/12/2023, na sequência 56, disponibilizada no DJe de 22/11/2023.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR PROVIMENTO A ELE.

+ Aquisição da posse: modo originário e derivado

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVES
Votante: Desembargador JAIRO FERNANDES GONÇALVESVotante: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIAVotante: Desembargador RICARDO FONTES
ROMILDA ROCHA MANSURSecretária

Fonte: TJSC

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Imagem Freepik

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