Usucapião: ação anulatória de retificação de registro.A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.
Processo: 5021256-16.2020.8.24.0018 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Carlos Roberto da Silva
Origem: Tribunal de Justiça de Santa Catarina
Orgão Julgador: Sétima Câmara de Direito Civil
Julgado em: 30/11/2023
Classe: Apelação
Apelação Nº 5021256-16.2020.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
APELANTE: DINO ANTONIO PATUSSI (Espólio) (AUTOR) APELANTE: JOAO ANDRE PATUSSI (Inventariante) APELADO: SONIA GAMA PATUSSI (RÉU) APELADO: HUGO JOSE BRAGA (RÉU) APELADO: IVO ADONE PATUSSI (RÉU) APELADO: ADRIANE GAMA PATUSSI PETERS (RÉU) APELADO: FERNANDO GAMA PATUSSI (RÉU) APELADO: ROSANE PATUSSI BRAGA (RÉU) APELADO: RT ADMINISTRACAO DE IMOVEIS LTDA (RÉU) APELADO: SALETE TEREZINHA NARDI PATUSSI (RÉU)
RELATÓRIO
Espólio de Dino Antônio Patussi, representado pelo inventariante João André Patussi, interpôs recurso de apelação contra sentença (evento 250 do processo de origem) que, nos autos da ação anulatória de retificação de registro de imóvel c/c indenização por danos morais e materiais em face de RT Administração de Imóveis Ltda., Espólio Ivo Adone Patussi, Sônia Gama Patussi, Hugo José Braga, Adriane Gama Patussi Peters, Fernando Gama Patussi, Rosane Patussi Braga e Salete Terezinha Nardi Patussi, julgou improcedentes os pedidos iniciais.
+ Usucapião ou adjudicação compulsória?
Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:
ESPÓLIO DE DINO ANTONIO PATUSSI, representado pelo inventariante JOÃO ANDRÉ PATUSSI, ingressou com AÇÃO ANULATÓRIA DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS contra SONIA GAMA PATUSSI, ESPÓLIO DE IVO ADONE PATUSSI, ROSANE PATUSSSI BRAGA, HUGO JOSÉ BRAGA, SALETE TEREZINHA NARDI PATUSSI, FERNANDO GAMA PATUSSI, ADRIANA GAMA PATUSSI e RT ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS LTDA., também qualificados.
Como fundamento da pretensão, alegou na inicial, em síntese, que: Dino Antonio Patussi e Ivo Adone Patussi eram vizinhos das propriedades de matrículas ns. 227 e 125.320; os proprietários utilizavam os dois imóveis sem barreiras, pois eram irmãos e não achavam necessário dividir o terreno; no local funcionava o restaurante de um terceiro; em 05/09/2016, Ivo Adone Patussi e sua esposa efetuaram pedido de retificação administrativa do imóvel de matrícula n. 125.320, para incorporação do imóvel de matrícula n. 227, que possuía 120m², de propriedade de Dino Antonio Patussi; no pedido de retificação não houve sua anuência; a retificação tinha finalidade ilícita de enriquecimento sem causa e deu origem à matrícula n. 125.321 (resultante da matrícula n. 125.320 e incorporação da matrícula 227); após a retificação, Ivo e Sônia transferiram o imóvel aos demais réus, os quais, em 29/11/2019, o venderam à empresa ré RT; a empresa foi notificada para que realizasse a retificação indevida, com a diminuição, na matrícula 125.321, da área do imóvel em 120m²; a retificação prejudica os herdeiros de Dino, pois a área de seu imóvel foi suprimida; há nulidade na retificação, pois o proprietário à época não foi consultado. Requereu, em tutela de urgência, o bloqueio da matrícula do imóvel n. 125.321 e, no mérito, a declaração de nulidade do registro de retificação de área realizada naquele imóvel, com o seu cancelamento e o retorno à situação anterior (matrícula n. 125.320), a condenação dos réus à indenização por danos morais ou, caso não seja possível a anulação da retificação, a condenação dos réus ao ressarcimento do valor do imóvel.
A tutela de urgência foi deferida para inserção de bloqueio na matrícula n. 125.321 até julgamento final da demanda, e determinada a citação dos réus.
Citados, os réus ofereceram contestação, arguindo, preliminarmente, a falta de interesse de agir, a incorreção do valor da causa, a denunciação da lide do Estado de Santa Catarina, a necessidade de intervenção como amicus curiae do Oficial Interino do Registro de Imóveis da Comarca de Chapecó e a revogação da tutela de urgência concedida. No mérito, alegaram, em síntese, que: há decadência do pedido; a matrícula n. 227 foi aberta em 28/01/1976 com a metragem de 600m² de propriedade de Dino Antonio Patussi, e na mesma data, foi dado em incorporação 480m² à empresa Matadouro e Açougue Ki Carne Ltda., resultando na abertura da matrícula n. 1.086; a matrícula n. 1.086 tem 480m² e faz confrontação ao norte com parte do mesmo lote n. 27 na extensão de 30 m, de propriedade de Ivo (com renúncia de Dino); em 10/05/1976 o imóvel foi desincorporado do patrimônio da pessoa jurídica e foi vendido a Dino; em 04/02/1994 foi averbada a retificação no imóvel n. 1.086, a pedido de Dino, para constar a confrontação ao norte com o lote n. 26 em 30m; os atos praticados pelo falecido Dino demonstram que ele expressamente renunciou a qualquer área que pudesse haver em relação à matrícula n. 227, pois desde a abertura da matrícula n. 1.086 constou que a confrontação do lote de 480m² era ao norte com parte do mesmo lote n. 27, em 30 m, de propriedade de Ivo; não há se falar em ato nulo quando confirmada a vontade do interessado; há decadência para rever os atos, pois datam ainda de 1976 e 1994; no processo de retificação da matrícula n. 125.320 não foi informada a renúncia de Dino sobre qualquer sobra da área; ou a metragem da matrícula n. 227 não existe na realidade ou qualquer sobra foi renunciada expressamente por Dino, apenas havendo falha na formalidade de proceder ao encerramento daquela matrícula; não há sobra de área entre os lotes 27 e 26 de propriedade de Ivo; o autor vendeu o imóvel de matrícula n. 1.086 em 2008 à empresa ré sem mencionar a possibilidade de confrontação com parte do mesmo lote 27; tal situação demonstra má-fé, pois era proprietário do imóvel e não informou a existência de sobra de lote a confrontar com o lote vendido; desde a aquisição do lote n. 27 em 2008 a única confrontação existente é com o lote n. 26 de Ivo; em 2016 o Município de Chapecó procedeu de ofício à retificação de testada do lote, pois constatou que a metragem que constava na ficha matrícula estava errada, indicando 11m, quando na verdade era de 15m para a Avenida Getúlio Vargas (MEMO 070/12); no mesmo processo administrativo constatou-se erro na matrícula n. 94.593, que confronta ao norte com a matrícula n. 125.321, pois naquela matrícula constava 15m de testada, enquanto que o correto era 11 m; houve inversão das testadas medidas pelo município em ambos os lotes (ns. 125.321 e 94.593); o acréscimo de área na matrícula n. 125.321, ocorrido em 2016, pode ter origem na diferença da matrícula mencionada; funcionou um restaurante no local (Restaurante Samuray) por mais de trinta anos; a locação inicialmente foi dos dois lotes (26 e 27), e o proprietário do estabelecimento pagava alugueis a Dino e a Ivo; quando o lote da matrícula n. 1.086 foi vendido ao autor, o estabelecimento não mais ocupou aquele imóvel (lote 27) e passou a pagar aluguel apenas a Ivo; estão preenchidos os requisitos para reconhecimento da boa-fé e elementos da usucapião, devendo ser aplicado ao caso o § 5º do art. 214 da Lei n. 6.015/73. Requereram a rejeição dos pedidos da parte autora, a determinação de cancelamento e baixa do registro do imóvel da matrícula n. 227, e a declaração de propriedade do imóvel, além da condenação do autor ao pagamento de multa por litigância de má-fé.
Houve pedido de penhora no rosto destes autos (Evento 50).
O autor replicou.
No despacho do evento 80 foi modificada a tutela de urgência concedida para determinar a averbação na ficha matrícula n. 125.321 sobre a existência da presente demanda e cancelamento do bloqueio da matrícula. Na mesma ocasião, foi indeferido o pedido de denunciação da lide e de admissão de amicus curiae no processo.
O Ministério Público, intimado, disse não ter interesse na causa.
Novo pedido de averbação de penhora no rosto dos autos (evento 103).
Intimadas as partes para especificar as provas que pretendiam produzir, estas se manifestaram nos eventos 115, 123 e 124.
Na decisão saneadora foi corrigido o valor da causa, afastadas as preliminares e afastada a alegada decadência, bem como fixados pontos controvertidos e determinada a designação de audiência de instrução e julgamento em momento oportuno.
Sobreveio manifestação do autor (evento 140 e evento 157) e manifestação dos réus (evento 141 e evento 192).
Designada audiência nos autos 50124920720218240018 (despacho do evento 194).
Na audiência conjunta, foram ouvidas 5 (cinco) testemunhas arroladas pelas partes (espólio de Dino Patussi e Cleimar Breancini) e dois informantes arrolados pelos réus.
Alegações finais pelas partes os eventos 243 e 247.
É o relatório. (Grifos no original).
Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:
ANTE O EXPOSTO, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial.
Condeno o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.
Comuniquem-se nos processos em que determinada averbação de penhora no rosto destes autos o julgamento da demanda.
Determino o cancelamento da matrícula n. 227 (Lei n. 6.015/73, art. 250, inciso I); oficie-se ao Registro de Imóveis para cumprimento, e para levantamento de qualquer averbação originária da presente demanda no imóvel de matrícula n. 125.321.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Transitada em julgado, arquive-se. (Grifos no original).
Em suas razões recursais (evento 264 dos autos originários), a parte autora asseverou que “o registro do referido imóvel não reflete a verdade pois incorporada a matrícula nº 227, de propriedade do Sr. Dino, sem nem ao menos o mesmo ser intimado para se manifestar sobre esta retificação” (p. 6).
Aduziu que “Trata-se de erro imputável aos Réus uma vez que os mesmos tinham ciência de que o imóvel de matrícula nº 227 não lhes pertencia, e ainda nem mesmo indicando os confrontantes, para que o Sr. Dino fosse intimado para se manifestar sobre a retificação do registro do imóvel” (p. 6).
Alegou que “os apelados alegam que o Sr. Dino supostamente havia concordado com a retificação para englobar também a área de 120m² objeto da matrícula nº 227, dando origem à matrícula nº 125.321, podemos constatar que houve simulação por parte dos réus, para que incorporassem o imóvel do Sr. Dino, na matrícula de seu imóvel” (p. 6).
Sustentou que “a retificação de registro de imóvel se presta a titular apenas a posse “intra muros”, em outras palavras, aplica-se a casos em que, “dentro das divisas originais do imóvel”, forem encontradas áreas ou outras informações sobre as quais exista divergência entre a realidade e o registro imobiliário” (p. 6).
Referiu que “os apelados ultrapassaram os limites da matrícula nº 227, sem nem sequer apresentarem título aquisitivo válido, o que é vedado pelo STJ, eis que a ação de retificação não se presta à aquisição de propriedade sem o correspondente título dominial. Acrescentam que a intenção dos recorridos não é mera correção de registro imobiliário, mas tentativa de regularizar área diferente daquela que foi objeto do próprio instrumento” (p. 6).
Argumentou que “o procedimento administrativo não pode substituir ação contenciosa, sob pena de lesar terceiros interessados, a exemplo do apelante, herdeiros do possuidor da área em questão, e de criar uma forma supralegal de aquisição de propriedade. Enfim, protestam para que seja declarada nula de pleno direito a referida retificação administrativa promovida pelos apelados” (p. 7).
Afirmou que “não há que se questionar a qualidade da posse exercida pela de cujus e, posteriormente, por seus herdeiros, ora apelados, quiçá direito a eventual prescrição aquisitiva da área retificada (120 m²) em favor destes. Tal discussão exige demanda própria” (p. 7).
Ponderou que “o procedimento de retificação e inserção de medidas” promovido pelos demandados/apelados, no caso concreto, revelou-se ” em efetiva forma de aquisição da propriedade, a demandar a necessidade do ajuizamento de ação de usucapião respectiva” (p. 8).
Obtemperou que “‘retificar’ um registro significa retificação de área, e tal procedimento deve observar duas premissas: I) domínio comprovado, pois não se admite a certificação em que incida área de mera posse. Nesse caso, necessário o ajuizamento de ação de usucapião; II) fixar o limite de 10% na diferença, a maior, entre a área registrada e a área medida, admitindo-se, portanto, que até este limite pode-se atribuir erro na medição que originou a área registrada pela utilização de materiais e métodos que não garantiram a precisão em relação a novas técnicas e avanço tecnológico dos equipamentos atuais” (p. 8).
Ressaltou que “Para áreas medidas acima deste limite, o proprietário deverá ser devidamente notificado para que tome as devidas providências para comprovação de domínio sobre a área excedente ou protocolo de novas peças técnicas com os limites retificados para a área constante na matrícula” (p. 8).
Frisou que “o procedimento de retificação em questão resultou na inserção de uma área de 120m², alterando a metragem inicial da matrícula nº 125.320. Diante disso, tratou-se de uma ampliação do imóvel, por via inadequada” (p. 9).
Pontuou que “Não se ignora no caso a necessidade de resolver a situação imobiliária da “área encontrada a maior” (120m²). Ocorre que, existindo desde sempre um desmembramento fático entre os dois mencionados terrenos, incabível a permanência deles sob única matrícula, pois tratam-se de imóveis distintos” (p. 10).
Salientou que “a retificação e inserção de medidas no registro da matrícula nº 125.320, que englobou também a área de 120m² objeto da matrícula nº 227, dando origem à matrícula nº 125.321, solicitada pelos demandados/apelados, prestou-se a titular um domínio “extra muros”, que demanda ação de usucapião” (p. 10).
Ponderou que “a retificação procedida com o nítido interesse em fraudar o registro do imóvel, incorporando na matrícula o imóvel de matrícula nº 227 é ato jurídico considerado nulo, não sendo passível de confirmação pelas partes e nem convalesce pelo decurso de tempo, razão pela qual é imprescritível” (p. 13).
Por fim, postulou a reforma da sentença nos tópicos mencionados.
Nas contrarrazões (evento 279 do processo de origem), a parte apelada suscitou a prefacial de decadência e, no mérito, defendeu a manutenção da decisão hostilizada. Após, ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.
A Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio de parecer do Procurador de Justiça Américo Bigaton, deixou de se manifestar acerca do mérito recursal por entender desnecessária a intervenção do Ministério Público (evento 10), e vieram os autos conclusos para julgamento.
Este é o relatório.
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedentes os pedidos inaugurais.
Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.
Tem-se como fato incontroverso, porque reconhecido expressamente pelas partes, que o imóvel objeto da lide é caracterizado pelo lote n. 27, da série “N”, da quadra n. 92, do loteamento da cidade de Chapecó, Fazenda Campina do Gregório, com área superficial de 120 m², matriculado sob o n. 227 do CRI de Chapecó.
A controvérsia, portanto, cinge-se em deliberar acerca da suposta nulidade do registro de retificação administrativa da área do imóvel que originou a matrícula n. 125.321 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Chapecó, com área de 454m², que englobou a área de 120m² relativa ao imóvel de matrícula n. 227, e sobre tal ponto debruçar-se-á a presente decisão.
Adianta-se, desde já, que o apelo não comporta acolhimento.
I – Da prefacial de decadência arguida em contrarrazões:
Ab initio, em relação à prejudicial de decadência aventada nas contrarrazões dos recorridos, é cediço o entendimento de que se o julgamento modificar/manter a sentença recorrida de modo a ser favorável à parte apelada, revela-se aplicável ao caso em estudo o previsto no art. 488 do CPC, que dispõe: “O juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento”.
A respeito do assunto, explicam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhardt e Daniel Mitidiero que:
[…] o art. 488, CPC, autoriza a quebra da ordem tradicional de exame as questões no processo civil: sempre que possível, vislumbrando o juiz a possibilidade de resolver o mérito, ainda que na ausência de determinado requisito para concessão da tutela jurisdicional, deverá fazê-lo, desde que a sentença definitiva proteja igualmente aquela parte a que aproveitaria a sentença terminativa. (Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 612).
Nesse sentido, este Tribunal já sedimentou entendimento que “o exame das preliminares pelo julgador, em sentido amplo, a incluir as prejudicais de mérito, é dispensável quando se puder decidir o mérito em favor da parte a quem aproveitaria o acolhimento daquelas, à luz dos arts. 282, § 2º, e 488 do Código de Processo Civil de 2015, em homenagem ao princípio da primazia do julgamento do mérito, de forma integral, justa e efetiva” (Apelação Cível n. 0302245-18.2017.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Henry Petry Junior, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 28-11-2017).
E ainda:
APELAÇÃO CÍVEL […] SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. AGRAVO RETIDO. PEDIDO REITERADO EM PRELIMINAR DE CONTRARRAZÕES. INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO QUE NÃO ACOLHEU AS PRELIMINARES DE INÉPCIA DA INICIAL E ILEGITIMIDADE PASSIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. ART. 488 DO CPC. RECURSO PREJUDICADO […] RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Cível n. 0600134-87.2014.8.24.0019, de Concórdia, rel. Des. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 23-4-2020).
Assim, em homenagem ao princípio da primazia do julgamento de mérito, deixa-se de analisar a referida prejudicial.
I – Do mérito recursal:
A sentença deliberou no sentido de julgar improcedentes os pedidos iniciais, sob o fundamento de que “a ocupação por mais de vinte anos, realizada de forma indireta e ininterrupta por Ivo Patussi, depois por seus sucessores e, após, pela empresa ré, caracteriza a prescrição aquisitiva que deve ser declarada, impedindo a anulação do registro imobiliário da matrícula n. 125.321” (evento 250 da origem).
Aduziu que “os apelados alegam que o Sr. Dino supostamente havia concordado com a retificação para englobar também a área de 120m² objeto da matrícula nº 227, dando origem à matrícula nº 125.321, podemos constatar que houve simulação por parte dos réus, para que incorporassem o imóvel do Sr. Dino, na matrícula de seu imóvel” (p. 6).
Defendeu que “o procedimento administrativo não pode substituir ação contenciosa, sob pena de lesar terceiros interessados, a exemplo do apelante, herdeiros do possuidor da área em questão, e de criar uma forma supralegal de aquisição de propriedade. Enfim, protestam para que seja declarada nula de pleno direito a referida retificação administrativa promovida pelos apelados” (p. 7).
Contudo, as teses não prosperam.
Porquanto adequados e suficientes ao deslinde da controvérsia nesta instância, para evitar tautologia, adotam-se os fundamentos bem lançados pelo Magistrado Rogério Carlos Demarchi, por ocasião da prolação da sentença, como razões de decidir (evento 250 do processo de origem):
Trata-se de ação anulatória de retificação de registro de imóvel com pedido de cancelamento da matrícula ou, subsidiariamente, a condenação dos réus ao ressarcimento do valor do imóvel, e indenização por danos morais.
A parte autora alega que o imóvel de propriedade de Dino Patussi foi irregularmente abrangido na matrícula n. 125.321 através de procedimento de retificação administrativa realizado em 2016 pelos réus, sem a sua anuência, pelo que deve ser anulado, e requereu a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais e, subsidiariamente, ao ressarcimento do valor do imóvel caso não seja possível a declaração de nulidade da retificação. Os réus, de outro lado, pleitearam a aplicação do art. 214, § 5º, da Lei n. 6.015/73 ao caso e declaração de propriedade em seu favor com o reconhecimento de regularidade da retificação realizada em 2016, o cancelamento da matrícula n. 227 e a condenação do autor em litigância de má-fé.
As alegações sobre a decadência do direito de pleitear a anulação da retificação administrativa relacionam-se aos fundamentos jurídicos sustentados pelo réu para justificar o próprio pedido declaratório em seu favor, pelo que não as analiso como questão prejudicial, mas como fundamentação de mérito da própria decisão.
Analisando-se a documentação juntada ao processo e conjugadas com os relatos das testemunhas, especialmente com o esclarecimento pelo Oficial Interino Gelson Ferri, ouvido em audiência no processo n. 5012492-07.2021.8.24.0018, vê-se que a sequência lógica dos fatos é a seguinte:
A origem dos imóveis objeto dos autos está nas transcrições imobiliárias dos lotes 27 (transcrição 52578, aberta em 1966) e 26 (transcrição 58723, aberta em 1972).
A transcrição 52578 deu origem à matrícula n. 227, com área original de 600m², aberta em 1976 em razão de um desmembramento feito para a matrícula n. 1.086, após o que permaneceu com uma área remanescente de 120m², cujo lote tinha 4m de largura e 30m de comprimento (evento 1, MATRIMÓVEL6). A matrícula n. 1.086, por sua vez, ficou na esquina da quadra, ao sul, com 480m², de propriedade de Dino Patussi (evento 53, MATRIMÓVEL4).
A abertura da matrícula n. 125.320 se deu a partir da transcrição imobiliária n. 58723 referente ao lote n. 26, porque aquela área ainda não estava individualizada em matrícula. Assim, tão logo aberta a matrícula n. 125.320, realizou-se sua retificação, o que é objeto do pedido anulatório dos autos, para englobar também a área de 120m² objeto da matrícula n. 227, dando origem à matrícula n. 125.321, de propriedade de Ivo Patussi.
O pedido de retificação administrativa contou com a anuência dos proprietários das matrículas dos imóveis confrontantes, especialmente da matrícula n. 1.086 (lote n. 27 ao sul da mesma quadra) de propriedade de RT Administração de Imóveis, e do Município de Chapecó (evento 1, OUT9).
Em 2019, o imóvel da matrícula n. 125.321 foi alienado pelos proprietários e sucessores de Ivo Patussi à empresa ré (evento 1, MATRIMÓVEL8).
De acordo com a Lei n. 6.015/73:
“Art. 212. Se o registro ou a averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.
Parágrafo único. A opção pelo procedimento administrativo previsto no art. 213 não exclui a prestação jurisdicional, a requerimento da parte prejudicada.
Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:
I – de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:
[…]
II – a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, bem assim pelos confrontantes.
[…]
§ 16. Na retificação de que trata o inciso II do caput, serão considerados confrontantes somente os confinantes de divisas que forem alcançadas pela inserção ou alteração de medidas perimetrais.
Resta incontroverso dos autos que o proprietário da matrícula n. 227, englobada na matrícula n. 125.320, não anuiu com a retificação realizada em 2016, o que a caracterizaria como irregular, porquanto não observado o procedimento acima mencionado, e é a causa de pedir do processo.
Como as transcrições são muito antigas, não era possível a retificação da matrícula n. 125.320 quando do procedimento senão de acordo com o relato das partes envolvidas. Ou seja, o procedimento de retificação foi realizado com base nas medidas e confrontações informadas pelas partes, porque não havia ciência pelo Registro de Imóveis de que a área remanescente (de 120m²) fazia parte da matrícula n. 227 e estava no meio da área cuja transcrição imobiliária estava sendo realizada (n. 58723). Ao que parecia à época da retificação, as transcrições imobiliárias ns. 52578 e 58723 faziam divisa uma com a outra, não se tendo conhecimento de que no meio das áreas havia um imóvel individualizado por matrícula ou outra limitação física a dividi-las.
Ademais, vê-se do mapa da quadra 91 juntado ao processo de retificação (p. 29 do evento 1, OUT9) que naquela quadra não constava uma parte do lote 27 de 4m de testada entre os lotes 26 e 27 (referentes às transcrições imobiliárias), mas apenas os imóveis de matrículas ns. 1.086 e o imóvel retificado (lote n. 26, da matrícula n. 125.320).
A matrícula n. 1.086, ao que se extrai da Averbação 3, teve retificação por declaração do proprietário, Dino Patussi, de que a confrontação ao Norte era com o Lote n. 26. O próprio então proprietário, agora representado pelo Espólio, foi quem admitiu a inexistência desse imóvel na realidade, ou seja, ou o abandonou ou há muito tempo não tinha a sua posse.
Vale destacar que, ao que consta do processo e conforme relatou a testemunha Gelson Ferri ouvida em audiência (evento 49, VÍDEO2 dos autos n. 5012492-07.2021.8.24.0018), se se tivesse conhecimento sobre a matrícula n. 227 quando da retificação, não seria possível o prosseguimento como realizado. Mas não havendo esclarecimentos sobre as partes, as medições realizadas naquele procedimento estavam corretas, pois analisando as imagens via satélite e contando com anuência do município, aparentemente não havia divisão entre os lotes que gerasse uma suspeita de irregularidade na retificação.
Tal situação está esclarecida na nota devolutiva n. 5082/2020 realizada na guia n. 126.355 (evento 1, PROCADM14).
Não obstante a irregularidade constatada na retificação administrativa que deu origem ao imóvel de matrícula n. 125.321, de 454m², englobando a área menor de 120m² pertencente à matrícula n. 227, imperioso reconhecer que os réus preencheram as condições da usucapião tocante ao imóvel, o que impõe a declaração de domínio em seu favor e impede a declaração de nulidade do registro.
Também de acordo com a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73):
“Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
+ Qual o tempo de posse para usucapião de um imóvel
[…]
§ 5º. A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.
[…]
Art. 248 – O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem como o título em virtude do qual foi feito.
Art. 249 – O cancelamento poderá ser total ou parcial e referir-se a qualquer dos atos do registro.
Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:
I – em cumprimento de decisão judicial transitada em julgado;
[…]”
E estabelece o Código Civil:
“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
[…]
Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.”
As provas produzidas no processo demonstram que Ivo Patussi e seus sucessores detêm a posse mansa e pacífica, sem oposição, com intenção de donos e de boa-fé, da área objeto da matrícula n. 227, desde, ao menos, 1994. A posse passou a ser exercida pela empresa que adquiriu o imóvel em 2019, havendo somatório do período que resulta em declaração da prescrição aquisitiva da usucapião.
Um dos pontos que demonstra tal situação é a concordância exarada em 1994, por Dino Patussi, referente à alteração de quadra do lote n. 27, da matrícula n. 1.086 de sua propriedade, em que informa a confrontação ao norte do imóvel com o lote n. 26 (à época, da transcrição imobiliária n. 58723 e que geraria a matrícula n. 125.320, de propriedade de Ivo Patussi) em 30m, demonstrando que não considerava a existência da área remanescente de 120m² da matrícula n. 227, a qual continha o lote 27 (evento 53, DOCUMENTACAO2).
Aliás, como já se disse, antes ainda da alteração da quadra e retificação da metragem do imóvel de matrícula n. 1.086, consta da ficha matrícula que o lote fazia confrontação ao norte em 30m com parte do lote 27 (o que foi posteriormente retificado para o lote 26), de propriedade de Ivo Patussi. Ou seja, consta na matrícula do imóvel confrontante que este fazia divisa justamente com a outra área, cujo proprietário não era o autor, mas seu irmão, Ivo, o que, aparentemente, era admitido pelo falecido (evento 53, MATRIMÓVEL4).
Há também a declaração do proprietário do restaurante Samuray acostada no evento 16, DOCUMENTACAO7, dos autos n. 5023545-19.2020.8.24.0018, estabelecimento instalado no local objeto dos autos e de renome na cidade há muitos anos. Na declaração, informa que a locação teve início em 1989 e abrangia, inicialmente, os imóveis de propriedade de Dino e Ivo Patussi, respectivamente o imóvel de esquina (lote n. 27, da matrícula n. 1.086) e o imóvel ao norte (objeto da retificação em 2016). Após venda do imóvel de “esquina” por Dino, a atividade foi concentrada unicamente no lote de Ivo, a quem pagou aluguel durante todo o período, sem qualquer oposição.
Na declaração do mesmo empresário constante no evento 1, DECL14, dos autos 5012492-07.2021.8.24.0018, há consonância de informação, ou seja, de que o imóvel sempre foi locado de Ivo Patussi, a quem pagava aluguel, mesmo que utilizasse parte do imóvel de Dino, o qual nunca opôs resistência à utilização e à negociação firmada com o proprietário da área maior.
O Município de Chapecó, igualmente, reconhecia o imóvel na forma retificada e que deu origem à matrícula n. 125.321. Consta do cadastro imobiliário do evento 16, DOCUMENTACAO8, que o lote 26 tinha 15m de testada, resultando do somatório dos 4m da matrícula n. 227 com a área já abrangida na transcrição imobiliária n. 58723. Assim consta também no mapa utilizado para instruir a retificação do imóvel n. 125.321 (evento 1, PROCADM10, p. 29, dos autos 5023545-19.2020.8.24.0018), o mesmo documento utilizado pelo autor para instruir o pedido de retificação que fez, posteriormente, acerca do imóvel de matrícula n. 227, como se vê da p. 11 do PROCADM14 do mesmo processo.
Ou seja, o proprietário da matrícula tinha conhecimento, ou deveria ter, de que a área menor não era compreendida como tal sequer por ele próprio ou pelo município, pois assim declarou na retificação da averbação 3 da matrícula n. 1.086 e não constava nos registros e medições realizados pelo ente.
Outrossim, consta dos autos que, ainda antes da retificação realizada em 2016, o Município de Chapecó providenciou a retificação da medição do lote 26 de propriedade de Ivo Patussi, modificando a testada do bem de 11m para 15m, e retificando a metragem do imóvel ao norte, de Danilo Merchese, para 11m, possivelmente indicando a sobra de 4m de testada que seria abrangida futuramente no imóvel de Ivo (evento 1, DOCUIMENTACAO12).
Tudo isso indica que, de qualquer ângulo que se veja a situação, a posse da área de 120m² localizada entre o imóvel de propriedade de RT Administração de Imóveis (vendido por João Patussi e que foi outrora de propriedade de Dino, da matrícula n. 1.086) e o imóvel de matrícula n. 125.321 e vendido à mesma empresa em 2019, onde estabelecido o restaurante Samuray por mais de vinte anos, era exercida pelos réus, de boa-fé, desde 1994 até a presente data.
As provas colhidas em audiência caminham no mesmo sentido.
A testemunha Jovani Ebertz da Silva explicou que realizou uma medição no imóvel de matrícula n. 1.086 aproximadamente em 1990, a pedido de Ivo e Dino, para fins de remoção de uma casa de madeira ali edificada, e que futuramente serviria à instalação do restaurante Samuray no imóvel ao norte (o imóvel de matrícula n. 125.320). Disse que a informação recebida dos irmãos foi a de que o imóvel n. 1.086 (da esquina, “imóvel de baixo” como referido pela testemunha) teria sido desmembrado do outro e era de propriedade de Dino, e o imóvel “de cima” era de Ivo, com 15m de testada. Referiu que com a instalação do restaurante no imóvel ao norte, toda a área de frente foi ocupada pelo estabelecimento, com escada para acesso, entrada de garagem e varanda. Negou que houvesse alguma espécie de divisa entre os terrenos. Ressaltou que seu próprio irmão foi, por um período, locatário do imóvel onde futuramente se estabeleceu o restaurante Samuray, e sempre pagou aluguel a Ivo exclusivamente.
Ouvido como informante, Paulo Assis Fiorini Chavini confirmou o teor da declaração do evento 1, DECL14, p. 4, dos autos 5012492-07.2021.8.24.0018, de que houve um empréstimo de Dino a seu irmão Ivo sobre a área de 4m remanescentes dos imóveis objeto dos autos. Esclareceu que após a construção de um prédio no imóvel “de esquina”, de Dino, o restaurante Samuray já estabelecido no local, passou a utilizar parcela do imóvel remanescente sem oposição do proprietário, confirmando o relato extrajudicial de Lino Dalla Rosa.
Assim também referiu Roque Saraiva na declaração da p. 3 daquele documento.
A informante Rosane Iorati declarou que a empresa RT Administração de Imóveis adquiriu de João Patussi o imóvel matriculado sob o n. 1.086, em 2008, e não houve informação alguma sobre a existência de uma área remanescente de 120m² entre aquele e o imóvel ao norte. Disse que sempre soube que o imóvel era integralmente utilizado pelo restaurante Samuray, e a edificação do Edifício Leblon pela empresa RT em 2011, sobre o imóvel de matrícula n. 1.086, era a única divisão existente no local em relação ao restaurante, inexistindo outra fronteira física ou demarcatória que dividisse os imóveis. Disse que os ex-proprietários, que venderam o imóvel à empresa, sempre se apresentaram como donos de toda a área onde localizado o restaurante e com aquelas características e metragens. Afirmou que, ao procurar o locatário do imóvel para exercer o direito de preferência, este negou que houvesse outro dono da área que não Ivo Patussi.
Alexandre Brum, que realizou a negociação comercial entre a empresa RT e os sucessores de Ivo Patussi acerca do imóvel de matrícula n. 125.321, também negou em audiência que houvesse alguma demarcação indicando a existência de um lote de 120m² entre o terreno da matrícula n. 1.086 e onde edificado o restaurante e que futuramente seria objeto de compra da empresa ré. Disse que toda a intermediação foi feita com o dono do restaurante, que negou ter algum interesse em adquirir o imóvel dos proprietários à época, os sucessores de Ivo. Em nenhum momento manifestou necessidade de concordância ou aceitação também pelo outro proprietário da área, Dino, ou seu sucessor.
Nenhuma das testemunhas envolvidas na negociação do imóvel de matrícula n. 125.321 entre a empresa ré e os sucessores de Ivo Patussi informou conhecer Cleimar Breancini ou saber da existência de intenção de venda de parte do imóvel a esta pessoa por João André Patussi (o que é objeto do processo relacionado), demonstrando que a ocupação da área como donos se dava pelos sucessores de Ivo, sem oposição de Dino ou de seu sucessor à época.
Em 2008, como já dito acima, a empresa ré adquiriu o imóvel de matrícula n. 1.086 de João André Patussi, o qual, segundo a prova constante dos autos, nunca informou a existência de um imóvel menor de 120m² (da matrícula n. 227) entre este e o imóvel ao sul (a área de 330m² da transcrição imobiliária n. 58723).
Embora tal situação não caracterize má-fé do representante do autor, como pretende a parte ré, indica também que a ocupação daquela área era ignorada pelo proprietário do imóvel confrontante, que já a considerava como parte integrante do imóvel ao sul, tanto que utilizada pelo estabelecimento comercial ali instalado.
Não há se falar em inexistência física da área da matrícula n. 227, como alegam os réus, porque ela de fato existia, assim como o registro de sua propriedade no Ofício de Imóveis, tanto que era objeto de matrícula própria, a qual não foi baixada ou encerrada.
No entanto, a ocupação por mais de vinte anos, realizada de forma indireta e ininterrupta por Ivo Patussi, depois por seus sucessores e, após, pela empresa ré, caracteriza a prescrição aquisitiva que deve ser declarada, impedindo a anulação do registro imobiliário da matrícula n. 125.321.
+ Posso fazer usucapião de uma área de preservação permanente
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE FALSIDADE DA ASSINATURA DA VENDEDORA. TRANSMISSÕES POSTERIORES. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ARGUÍDA PELOS ATUAIS OCUPANTES EM AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E REIVINDICATÓRIA ANTERIOMENTE AJUIZADAS PELOS AUTORES. POSSE AD USUCAPIONEM RECONHECIDA POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. COISA JULGADA. TERCEIROS DE BOA-FÉ. NULIDADE NÃO DECRETADA. EXEGESE DO ART. 214, § 5º, DA LEI N. 6.015/1973. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Operada a coisa julgada, torna-se indiscutível, no mesmo processo ou em processos subsequentes, a decisão proferida, de forma que os juízes das causas subsequentes à sentença já transitada em julgado estarão à ela vinculados. A Lei de Registros Públicos determina que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta; contudo, deve ser observado que a nulidade não será declarada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel (art. 214, caput, § 5º).” (TJSC, Apelação Cível n. 2014.053445-6, da Capital, rel. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 24-03-2015).
E da jurisprudência do STJ:
“RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURAS PÚBLICAS DE COMPRA E VENDA E MATRÍCULA DE TERRENOS (LOTES 9 E 10) LOCALIZADOS EM CAPÃO DA CANOA/RS – FALSIDADE DE ASSINATURA NOS TÍTULOS TRANSMISSIVOS DE PROPRIEDADE CONSTANTE DOS REGISTROS IMOBILIÁRIOS REALIZADOS QUANDO EM VIGOR O DIPLOMA CIVILISTA DE 1916 – ARGUIÇÃO, COMO MATÉRIA DE DEFESA, DO IMPLEMENTO DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO ORDINÁRIA NO TOCANTE AO LOTE 10 – TRIBUNAL A QUO QUE MODIFICOU A SENTENÇA A FIM DE JULGAR IMPROCEDENTE A DEMANDA ANULATÓRIA ANTE A DECLARAÇÃO DE QUE OS IMÓVEIS FORAM ABSORVIDOS PELA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA – PRONUNCIAMENTO EXARADO DE OFÍCIO RELATIVAMENTE AO LOTE 9 – RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO AUTOR. Hipótese: Controvérsia que se subsume à possibilidade de se declarar, de ofício, a prescrição aquisitiva da propriedade, no bojo de ação anulatória movida por proprietário que teve sua assinatura forjada por falsários os quais, fazendo uso de títulos que ensejaram as escrituras públicas nº 13540 e 13608, transferiram direito alheio como sendo próprio (venda a non domino). 1. As informações constantes de registro público possuem presunção relativa, nos termos do caput do art. 214 da Lei de Registros Públicos – “as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta” – porém, consoante o § 5º do referido dispositivo “a nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel”. A declaração de usucapião é forma de aquisição originária da propriedade e de outros direitos reais, contra o anterior proprietário, consubstanciando o exercício da posse ad usucapionem pelo interregno temporal exigido por lei. A presunção de legitimidade do registro, associada à boa-fé do adquirente, culmina por excepcionar a intransigência da regra geral de que o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, tampouco convalesce pelo decurso do tempo. […]” (REsp n. 1.106.809/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relator para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/3/2015, DJe de 27/4/2015.)
Não há questionamento sobre a boa-fé dos réus na ocupação do imóvel de forma ininterrupta, pelo que inexiste prejuízo na utilização da acessio possessionis para fins de usucapião.
A propósito:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO ASSISTENTE DOS RÉUS. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 50 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. RECEBIMENTO DO PROCESSO PELO ASSISTENTE NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO NA SOLENIDADE. REQUERIMENTO POSTERIOR DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRELIMINAR AFASTADA. ALEGAÇÕES DO ASSISTENTE NÃO SUSCITADAS EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. POSSE DO APELANTE SOBRE O IMÓVEL OBJETO DE LITÍGIO NÃO DEMONSTRADA. ATOS VIOLENTOS E CLANDESTINOS POR ELE PRATICADOS QUE NÃO INDUZEM A POSSE. AUTORES QUE PRETENDEM SOMAR A SUA POSSE A DOS ANTECESSORES PARA FINS DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. POSSIBILIDADE, ANTE A NATUREZA IDÊNTICA DAS POSSES. PREENCHIMENTO DO LAPSO TEMPORAL PARA A DECLARAÇÃO DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DA PROPRIEDADE. DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS DA POSSE MANSA, PACÍFICA, ININTERRUPTA E COM ANIMUS DOMINI POR MAIS DE 15 ANOS. REQUISITOS DO ART. 1.238 DEVIDAMENTE PREENCHIDOS. […] “Os artigos 1.207 e 1.243, ambos do Código Civil, autorizam, para fins de contagem do tempo exigido pela Lei, a soma das posses do possuidor atual e de seus antecessores, conquanto sejam de mesma natureza, contínuas e pacíficas (“acessio possessionis”). […] Para a caracterização da prescrição aquisitiva capaz de dar azo à usucapião extraordinária, faz-se necessário que o interessado, com animus domini (posse plena ou absoluta), mantenha a posse mansa, pacífica e ininterrupta da coisa por um prazo não inferior a quinze anos, independentemente de justo título e boa-fé, conforme o disposto no art. 1.238 do Código Civil.” (TJSC, Apelação Cível n. 0076182-03.2009.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Joel Figueira Júnior, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 19-10-2017).” (TJSC, Apelação Cível n. 0001296-53.2012.8.24.0047, de Papanduva, rel. Selso de Oliveira, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 08-08-2019).
As alegações do autor no evento 78 para justificar a posse exercida sobre o imóvel de matrícula n. 227 devem ser afastadas. A penhora sobre o imóvel se justifica simplesmente porque o imóvel, como dito, existia, e o proprietário registral era mesmo Dino Patussi, o que não se questiona.
A declaração no imposto de renda nos anos de 2004 a 2017 é também irrelevante para fins de comprovar resistência ou oposição à posse da área pelo irmão Ivo, até porque no item descrito na p. 8 da petição sequer há informação de qual parcela remanescente do imóvel se refere.
Não houve modificação da testada do imóvel pelos réus, mas sim pelo próprio município, através do MEMO 070/2012, como acima fundamentado.
Dessarte, reconhecida a prescrição aquisitiva pela usucapião, não há se falar em nulidade da retificação administrativa da matrícula que gerou a matrícula n. 125.321, tampouco em retorno da área à matrícula n. 227 e manutenção da matrícula n. 125.320.
[…]
Desnecessária a declaração de domínio em favor da empresa ré sobre o imóvel objeto dos autos, porquanto já proprietária registral (evento 1, MATRIMÓVEL8), mas deve ser cancelada formalmente a matrícula n. 227, já que a área está reconhecidamente abrangida no imóvel de matrícula n. 125.321 (Lei n. 6.015/73, art. 250, inciso I). (Grifos no original).
De fato, agiu com o costumeiro acerto o Magistrado de origem ao julgar improcedentes os pedidos exordiais.
Isso porque, em que pese ter sido constatada a irregularidade da retificação da área do imóvel que originou a matrícula n. 125.321, de 454m², que englobou a área de 120m² relativa ao imóvel de matrícula n. 227, porquanto o procedimento administrativo não contou com a participação do proprietário do bem matriculado sob o n. 227, Dino Patussi (falecido), não deve ser declarada a nulidade da retificação administrativa do registro imobiliário.
Infere-se dos autos que em sede de contestação os réus arguiram a exceção de usucapião como matéria de defesa. Argumentaram que “sobre a área, tal como retificada na matrícula 125.320 e sucessiva 125.321, a posse e disposição foi exercida por muitos anos somente pelo Sr. Ivo Adone Patussi (ora espólio réu), que sucessivamente passou para os seus filhos e finalmente para a última requerida, em verdadeira sucessão/soma de posses, a área integral do imóvel retificado, sobre o qual existia uma acessão que abrigava um comércio que ocupava toda a área intramuros como um imóvel único, o que espelha, de pronto, que ainda que houvesse qualquer procedência nas alegações da inicial, e se de fato não fosse regular a retificação feita sobre o lote da atual matrícula 125.321, certamente estariam presentes todos os elementos para caracterização do usucapião, seja pelo Falecido Ivo Adone Patussi, seja por seus filhos, seja pela ora requerida RT ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS” (Evento 53, CONT1, p. 4, dos autos originários).
A tese veiculada pelos réus tem por fundamento legal o art. 1.238 do Código Civil, segundo o qual: “Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”.
Como é sabido, a usucapião é modalidade de aquisição da propriedade, que exige, dentre outros requisitos, a posse qualificada sobre determinado bem por certo lapso de tempo ou, na expressão já consagrada, a posse animus domini.
A respeito, James Eduardo Oliveira assim define o instituto:
Consiste a usucapião no modo de aquisição da propriedade pela posse prolongada e incontestada da coisa. A usucapião está fulcrada basicamente na atividade do possuidor e na passividade do proprietário e de terceiros. A posse animus domini é essencial para a aquisição da propriedade por meio de usucapião (Código civil anotado e comentado: doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 892).
Por outro lado, é cediço que “Somente diante de prova escorreita, límpida e cabal do exercício da posse com a intenção de dono sobre determinado imóvel é capaz de justificar o acolhimento do pleito de aquisição da propriedade pela usucapião.” (TJSC, Apelação Cível n. 2012.018794-5, de Curitibanos, rel. Raulino Jacó Brüning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 9-7-2015).
Na hipótese vertente, dos elementos probatórios colhidos dos autos – provas documentais e testemunhais -, verifica-se que Ivo Patussi (falecido) e seus herdeiros, bem como, posteriormente, a empresa requerida RT Administração de Imóveis Ltda., que adquiriu o imóvel sub judice em 2019, exercem a posse da área litigiosa – 120m² – de forma mansa, pacífica, ininterrupta e sem oposição, desde 1994.
+ Quando é possível usucapião de bem público?
Com efeito, o exercício da posse pode ser somado ao dos possuidores que antecederam a empresa requerida RT Administração de Imóveis Ltda, consoante dispõe o art. 1.243 do Código Civil, in verbis: “O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”.
Assim, conforme bem fundamentado pelo Magistrado a quo “a posse da área de 120m² localizada entre o imóvel de propriedade de RT Administração de Imóveis (vendido por João Patussi e que foi outrora de propriedade de Dino, da matrícula n. 1.086) e o imóvel de matrícula n. 125.321 e vendido à mesma empresa em 2019, onde estabelecido o restaurante Samuray por mais de vinte anos, era exercida pelos réus, de boa-fé, desde 1994 até a presente data” (evento 250 da origem).
Portanto, constata-se que a parte ré comprovou os requisitos necessários para que lhe seja assegurada a obtenção da declaração originária da propriedade por meio da usucapião, já que evidenciado o exercício da posse do imóvel com ânimo de dono, dotada de caráter manso, pacífico e contínuo há mais de vinte anos.
Diante desse cenário, deve ser acolhida a exceção de usucapião alegada como matéria de defesa, a fim de declarar o domínio da área litigiosa – 120m² – em favor da empresa ré RT Administração de Imóveis Ltda., o que obsta a decretação de nulidade do registro de retificação de área realizada no imóvel de matrícula n. 125.321 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Chapecó, nos termos do art. 214, § 5º da Lei de Registros Públicos, in verbis:
Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
[…]
§ 5º. A nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel.
Sobre o assunto, extrai-se de doutrina especializada:
Percebendo o magistrado que o vício é antigo e que o reconhecimento da nulidade prejudicaria terceiros, em tese de boa-fé e já com cumprimento de prazo suficiente para aquisição do domínio do imóvel por usucapião, a lei impede o decreto de nulidade. Em outras palavras, a usucapião em favor de terceiros de boa-fé, posterior ao vício, mesmo não reconhecida previamente por sentença em demanda específica, permite ao magistrado determinar – em que pese o vício, a manutenção da escrituração viciada em virtude da suposta aquisição do domínio (ou outro direito real) pelo terceiro, supervenientemente ao ato nulo. Não se trata de convalidar a nulidade, algo não possível no sistema do direito brasileiro (art. 169 do CC), mas de reconhecer a superveniência da situação fática a impedir que o formalismo prejudique o terceiro de boa-fé, haja vista que o resultado final seria a manutenção (embora por outro fundamento, agora o da usucapião) da titularidade do direito real.
Os requisitos para declaração da aquisição do direito real por usucapião estão relacionados na CF (arts. 183 e 191) e no CC (arts. 1.238 e seguintes). A norma não permite, entretanto, conferir ao procedimento caráter dúplice, no sentido de ser registrado o reconhecimento do domínio da parte beneficiária da usucapião. Ocorre apenas um obstáculo à aplicação das consequências da nulidade de pleno direito encontrada pelo julgador. (NETO, José Manuel de Arruda, A. et al. Lei de Registros Públicos Comentada, 2ª edição. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2019. p. 1190).
No mesmo sentido, colhe-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CIVIL. AGRAVO INTERNO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. PROCURAÇÃO. INCLUSÃO FRAUDULENTA DE PODERES PARA CESSÃO ONEROSA DE BEM IMÓVEL. NULIDADE DO ATO. OCORRÊNCIA. ARGUIÇÃO, COMO MATÉRIA DE DEFESA, DO IMPLEMENTO DOS REQUISITOS DA USUCAPIÃO ORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. NULIDADE QUE NÃO ATINGE TERCEIRO DE BOA-FÉ. USUCAPIÃO COMO FORMA DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DOS ARTS. 520, 551 e 552, DO CC/2016. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. As razões do agravo interno não enfrentam adequadamente o fundamento da decisão agravada.
2. O STJ possui o entendimento de que a usucapião “(…) é o instrumento jurídico próprio para a erradicação do vício de inexistência do negócio jurídico” (REsp n. 1.106.809/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Relator para acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/3/2015, DJe de 27/4/2015).
3. Caso concreto em que houve a cessão onerosa de bem imóvel por meio de procuração adulterada – com a inclusão fraudulenta de poderes para a realização do negócio -, gerando prejuízo aos herdeiros.
4. O § 5º do art. 214 da LRP expressamente dispõe que “(…) a nulidade não será decretada se atingir terceiro de boa-fé”.
5. Usucapião que, como forma de aquisição originária de propriedade, não depende da procuração fraudulenta que amparou a cessão onerosa do bem, devendo ser analisados, no caso concreto, os requisitos dos arts. 520, 551 e 552, todos do CC/16 (vigente à época dos fatos), porquanto a usucapião foi invocada tempestivamente como matéria de defesa.
6. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.690.979/SC, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 1/6/2023.)
Não destoa o entendimento desta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. ALEGAÇÃO DE FALSIDADE DA ASSINATURA DA VENDEDORA. TRANSMISSÕES POSTERIORES. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ARGUÍDA PELOS ATUAIS OCUPANTES EM AÇÕES DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E REIVINDICATÓRIA ANTERIOMENTE AJUIZADAS PELOS AUTORES. POSSE AD USUCAPIONEM RECONHECIDA POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. COISA JULGADA. TERCEIROS DE BOA-FÉ. NULIDADE NÃO DECRETADA. EXEGESE DO ART. 214, § 5º, DA LEI N. 6.015/1973. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Operada a coisa julgada, torna-se indiscutível, no mesmo processo ou em processos subsequentes, a decisão proferida, de forma que os juízes das causas subsequentes à sentença já transitada em julgado estarão à ela vinculados. A Lei de Registros Públicos determina que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta; contudo, deve ser observado que a nulidade não será declarada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel (art. 214, caput, § 5º). (TJSC, Apelação Cível n. 2014.053445-6, da Capital, rel. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 24-03-2015).
Nesse contexto, tendo como base a fundamentação acima, observa-se que a parte recorrente não logrou êxito em demonstrar o alegado desacerto da sentença recorrida, uma vez que reconhecida a prescrição aquisitiva da área litigiosa pela usucapião, torna-se inviável a declaração de nulidade do registro de retificação de área realizada no imóvel de matrícula n. 125.321 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Chapecó, nos termos do art. 214, § 5º da Lei de Registros Públicos.
Outrossim, cabe registrar que “O pedido alternativo de ressarcimento de valores do imóvel também deve ser rejeitado, porquanto a usucapião é forma originária de aquisição da propriedade, inexistindo qualquer ônus do(s) novo(s) proprietário em relação ao antigo ou obrigação de indenizar pelo que foi acrescido à sua propriedade, inclusive por danos morais” (evento 250 da origem).
Logo, o desprovimento do apelo é medida que se impõe.
+ Não é obrigatório fazer usucapião em cartório
Por fim, considerando o total insucesso do recurso da parte apelante, os honorários de sucumbência devidos ao procurador da parte apelada devem ser majorados de 10% para 15% sobre o valor atualizado da causa, a teor do art. 85, § 11, do CPC.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso, negar-lhe provimento e, em consequência, majorar os honorários de sucumbência em favor do patrono da parte apelada, conforme fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CARLOS ROBERTO DA SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4025699v117 e do código CRC 34d0dbf4.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): CARLOS ROBERTO DA SILVAData e Hora: 14/12/2023, às 18:0:18
Apelação Nº 5021256-16.2020.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
APELANTE: DINO ANTONIO PATUSSI (Espólio) (AUTOR) APELANTE: JOAO ANDRE PATUSSI (Inventariante) APELADO: SONIA GAMA PATUSSI (RÉU) APELADO: HUGO JOSE BRAGA (RÉU) APELADO: IVO ADONE PATUSSI (RÉU) APELADO: ADRIANE GAMA PATUSSI PETERS (RÉU) APELADO: FERNANDO GAMA PATUSSI (RÉU) APELADO: ROSANE PATUSSI BRAGA (RÉU) APELADO: RT ADMINISTRACAO DE IMOVEIS LTDA (RÉU) APELADO: SALETE TEREZINHA NARDI PATUSSI (RÉU)
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
CONTRARRAZÕES DA PARTE RÉ.
ARGUMENTO DE DECADÊNCIA. NÃO CONHECIMENTO. JULGAMENTO QUE SERÁ FAVORÁVEL À PARTE RECORRIDA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO. EXEGESE DO ART. 488 DO CPC.
INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.
ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RETIFICAÇÃO DE IMÓVEL. REJEIÇÃO. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO ALEGADA COMO MATÉRIA DE DEFESA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA O EXERCÍCIO DA POSSE DO IMÓVEL SUB JUDICE PELA EMPRESA REQUERIDA DE FORMA MANSA PACÍFICA E ININTERRUPTA COM ANIMUS DOMINI HÁ MAIS DE VINTE ANOS. POSSIBILIDADE DE SOMA DE TEMPO DE POSSE DOS ANTECESSORES. INCIDÊNCIA DO ART. 1.243 DO CC. REQUISITOS EXIGIDOS À AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE DA ÁREA LITIGIOSA DEVIDAMENTE COMPROVADOS. NULIDADE DO REGISTRO DE RETIFICAÇÃO DE ÁREA DO IMÓVEL AFASTADA. EXEGESE DO ART. 214, § 5º DA LEI N. 6.015/1973.
“A Lei de Registros Públicos determina que as nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta; contudo, deve ser observado que a nulidade não será declarada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de usucapião do imóvel (art. 214, caput, § 5º).” (TJSC, Apelação Cível n. 2014.053445-6, da Capital, rel. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 24-03-2015).
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 7ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso, negar-lhe provimento e, em consequência, majorar os honorários de sucumbência em favor do patrono da parte apelada, conforme fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 30 de novembro de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA FÍSICA DE 30/11/2023
Apelação Nº 5021256-16.2020.8.24.0018/SC
RELATOR: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
PRESIDENTE: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR
PROCURADOR(A): IVENS JOSE THIVES DE CARVALHO
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS por RT ADMINISTRACAO DE IMOVEIS LTDA
APELANTE: DINO ANTONIO PATUSSI (Espólio) (AUTOR) ADVOGADO(A): LUIZ JUNIOR PERUZZOLO (OAB SC022702) ADVOGADO(A): FELLIPE DE SOUZA FARINELLI MEDEIROS (OAB SC027945) ADVOGADO(A): ARTHUR BOBSIN DE MORAES (OAB SC050296) APELANTE: JOAO ANDRE PATUSSI (Inventariante) ADVOGADO(A): LUIZ JUNIOR PERUZZOLO (OAB SC022702) ADVOGADO(A): FELLIPE DE SOUZA FARINELLI MEDEIROS (OAB SC027945) ADVOGADO(A): ARTHUR BOBSIN DE MORAES (OAB SC050296) APELADO: SONIA GAMA PATUSSI (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) APELADO: HUGO JOSE BRAGA (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) APELADO: IVO ADONE PATUSSI (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) APELADO: ADRIANE GAMA PATUSSI PETERS (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) APELADO: FERNANDO GAMA PATUSSI (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) APELADO: ROSANE PATUSSI BRAGA (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) APELADO: RT ADMINISTRACAO DE IMOVEIS LTDA (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) APELADO: SALETE TEREZINHA NARDI PATUSSI (RÉU) ADVOGADO(A): CLAUDIO CESAR DA SILVA SANTOS (OAB SC016338) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária Física do dia 30/11/2023, na sequência 56, disponibilizada no DJe de 13/11/2023.
Certifico que a 7ª Câmara de Direito Civil, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 7ª CÂMARA DE DIREITO CIVIL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO, NEGAR-LHE PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, MAJORAR OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA EM FAVOR DO PATRONO DA PARTE APELADA, CONFORME FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVA
Votante: Desembargador CARLOS ROBERTO DA SILVAVotante: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIORVotante: Desembargador ÁLVARO LUIZ PEREIRA DE ANDRADE
TIAGO PINHEIROSecretário
Fonte: TJSC
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